quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Autobiográfico não autorizado

Você sabe o que é um poema, Esther?
- Não, o que é?
- Um pouco de poeira.
- Poeira são os cadáveres que você retalha. Poeira são as pessoas que você pensa que está curando. São poeira da poeira da poeira. Para mim um bom poema dura muito mais do que centenas dessas pessoas juntas.

(Sylvia Plath - A redoma de Vidro)



Ao meu grande amigo novelista do passado convertido no mais brilhante futuro


Ainda acredito que escreverá uma das melhores novelas autobiográficas de sarjeta já publicadas aqui e no céu, e que todos nós estaremos comemorando nossos pequenos fracassos em arrecadações lucrativas para o mercado literário em menos de 10 anos, devido a nossa imensa pressa de nos tornarmos imortais em prateleiras de sebos a 5 reais cada livro, mas ainda teremos a mesma esperança que tínhamos no ínicio, quando só queríamos escrever e escrever qualquer coisa que estivesse grudada em nossos dedos e incomodando nossa alma, como pedrinha dentro de um sapato furado.
Se os meus personagens são frutos da minha imaginação, os seus (e te invejo) são da sua realidade, desse teu passado que para qualquer um deve ter saído de algum desses seus livros jogados pelo quarto. Agora você pode brincar de Deus, retrocedendo o tempo de todos para ganhar um pouco mais de areia em sua ampulheta.
De qualquer forma sua novela não acabou ainda porque sua vida ainda tem mais capítulos a serem escritos por você, durantes essas madrugadas em que a gente conversa sobre caras que gozam em 10 segundos e ainda conseguem engravidar suas parceiras.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Quarenta e um graus de febre.

Para Jamess, amigo que quase me viu morrer a distância de febre.

Jamess
tive uma noite do cão.
Não, eu não uivei
como algumas mulheres uivam de prazer
esquece.

Eu tive quarenta e um graus de febre a noite toda
vislumbrei páginas em branco
e tive vontade de chorar

Será que o fracasso dói mais
do que as minhas costas?

(eu ouço você dizer:
"Mas deixa disso mulher,
as folhas em branco eram apenas
lenços para assoar nariz.
Se preocupa com as telas em branco
essas que te incomodam tanto
até que você preencha com qualque coisa
que possa, ser sim, poesia. Porque não?")

Talvez eu ainda seja aquela mulher
de 75 anos na calçada
que masca tabaco
e morrerá de velhice
como você me disse.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Surdo - mudo

Assim que chegou ao Brasil, todas as grandes emissoras de tv e rádio lhe agarraram pelos calcanhares em busca de uma coletiva de imprensa, ou na melhor das hipóteses, uma exclusiva sobre seu maior feito: ter descoberto que um dos satélites de Júpiter, na verdade, era um planeta. E o melhor, com grandes possibilidades de vida, comprovadas posteriormente com o envio de uma sonda espacial à sua órbita.
Optou pela coletiva de imprensa, não achava justo monopolizar a grandeza de suas informações para poucos por nada. Sempre evitou ser egoísta, sendo apenas quando necessário. Ensinamentos do pai, rígido, que pedia para ter orgulho de ser quem era, mesmo pobre. "Egoísmo é uma palavra que nós pobres deveríamos não conhecer. Mas já que conhecemos, não podemos praticá-lo, certo?". A frase do pai o seguiu por toda a sua tragetória e ainda orbitava em seus pensamentos, mesmo agora, momento de glória, homem feito e de futuro traçado, como o pai desejava.
Durante a coletiva, respondeu cordialmente todas as perguntas abordadas a respeito dos seus trabalhos anteriores e principalmente, sobre o seu feito, sempre com os pés no chão e de maneira simples, querendo assim, que todos pudessem entender perfeitamente do que se tratava todos aqueles slides e gráficos exibidos as suas costas. Uma pergunta, em especial, feita por um jovem jornalista, o fez sair do casulo da impessoalidade:

- Senhor, quando foi exatamente, que decidiu optar pela carreira de Astrônomo?

- Na verdade, eu nunca quis ser astrônomo. Nunca me interessei por nada acima dos campos que eu via pela minha janela. O que eu sempre quis ser, na verdade, era agrônomo. Papai era dono de um pequeno sítio, um homem muito simples e muito afável, apesar da educação rígida que me transpassava. Sempre deixou claro que queria que eu fosse um homem de bem e com um diploma na mão. Como eu gostava daquela simplicidade toda, decidi então, que seria agrônomo, estaria sempre cuidadando das plantações do papai e, ao mesmo tempo, seria um homem formado, como ele queria. Pois bem, um dia ele me perguntou de supetão, o que eu havia decidido da vida, isso por volta dos meus 12 anos. Meio assustado, eu respondi rápido: agrônomo! Se passaram alguns dias, e no meu aniversário de 13 anos, meu pai me presenteia com uma luneta! Eu fiquei perplexo, sem entender nada. Não questionei o velho e muito menos desdenhei a engenhoca em minhas mãos. No dia seguinte, ouvi atrás da porta papai desabafando com mamãe: Ele havia vendido alguns lotes do nosso sítio para poder me presentear com a luneta. "Imagina só mulher, o menino quer ser astrônomo! Não é um futuro e tanto pro nosso pequeno? Sair por aí encontrando estrelas e planetas?"

- Mas foi dificil pro senhor se acostumar com a idéia de ser astrônomo, para agradar o seu pai?

- Olha, o velho se empolgou mais do que eu! Mas foi a melhor coisa que ele poderia ter me deixado de herança, independentemente se era algo que eu queria ou não. Foi visionário, viu mais em mim do que eu, com uma luneta em mãos, olhando para o universo. Ele tinha um problema, era meio surdo. Eu também tinha um problema, eu era meio mudo. Mas, agora só penso em uma coisa: quem sabe, quando a vida for viável em Deméter *, eu possa finalmente realizar meu sonho: Ser agrônomo! Espacial, claro, prá agradar o velho.


* Demeter, deusa da agricultura na mitologia grega

sábado, 11 de dezembro de 2010

Litterae non entrant sine sanguine

O escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus
(Hilda Hilst)


Estou me vomitando. Não estou vomitando verborragicamente tudo o que agonizou um dia e morreu dentro de mim sob o signo do mais patético desespero muito menos quero dar sentido a uma dor que somente foi sentida por mim, dentro do vazio desta carne amorfa e trêmula. Estou me livrando dos meus resíduos superficiais, ajoelhado a uma privada, os lábios abertos balbuciando uma oração a qualquer Deus que ousou residir nesse altar que carreguei dentro do meu peito até que me revoltasse e com ódio, arrancasse com as minhas próprias unhas, sem a ajuda dos dedos, a única vida que me dei o direito de possuir. E usei o seu sangue para proferir insultos contra sua imagem e semelhança através das letras que hoje formam palavras impronunciáveis, as mesmas palavras que me fizeram. Isto, este que se vomita. Isto, este que se perde entre uma descarga e outra e nunca se vai, permanece, por vingança. Isto, este que carrega o doce fardo de reescrever a vida como gostaria que ela a fosse, possuí-la com todo o tesão que explode suas calças e fecunda o universo.

Mesmo doce o fardo escrito amargo com sangue dos lábios que o vomitam.



*Litterae non entrant sine sanguine - A letra, com sangue, entra.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tratado geral aos ignorantes de lirismo que se julgam poetas do apocalipse

A poesia não é feita de palavras que como pedras machucam se atiradas ou nos fazem cair pelo caminho no chão da compreensão, a poesia é feita de emoção e se seus olhos vêem palavras á sua frente então você é cego de lirismo. Se você quer construir um poema então você é o mármore sobre qual a poesia insiste em lápidar algo e tanta insistência faz da poesia cansada e envelhecida a cada linha de expressão que ela demonstra. Se você quer atingir alguém com um dicionário, deixe suas palavras complexas de lado e volte 100 anos antes e brinde com os paranasianos a decadência da emoção pela beleza. A poesia atinge com a simplicidade de um murro nas paredes que nos prendem em cavernas, e nada pode prender ela a não ser os nossos lábios. Não escreva para minorias, que muitas vezes pode ser unicamente você, não torne sua poesia solitária num buraco negro de mesmices. Escreva para seus iguais em alegria e dor, loucura e salvação, mesmo que eles nunca tenham feito uma faculdade de letras ou jamais saibam da importância de Ezra Pound e Whalt Whitman para a poesia que você despeja continuadamente em algum lugar onde eles jamais a lerão. Se a sua poesia não sangra é porque você ainda não sangrou suficientemente nessa vida e nem sangrará se seus pais depositam mensalmente em sua conta bancária uma quantia razoável da sua mesada para que você desista das lâminas e da vida.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Mentira mentacapto.

Segue uma rota inexorável com a ponta da língua
pelos lábios sob o pergaminho da noite,
fração de lágrima desenfreada que desce
uma curva
até colidir com o que há de mais belo & mais morto.

Você deita-se sobre o silêncio
de mil agulhas
que se afundam na minha pele
de mentecapto
no vazio
de alguma mentira
jamais inventada pelo homem
(que nunca fui)

Preciso me desintoxicar das palavras.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Dublin é logo ali

Por favor
me ligue com bêbados ao seu lado em pleno bloomsday
derramando guiness pelo chão como se ela fosse água
tantando, sem sucesso, pronunciar mo ghrá*
me fazendo acreditar que Dublin é logo ali
em uma das alamedas que cortam a Rua Augusta
e o meu coração




*mo ghrá - no Irlandês, significa meu amor.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Concretismo

Por que olha tanto para suas mãos, ela me pergunta enquanto eu viro as páginas
eu não sei, lhe respondo enquanto olho para minhas mãos,
percebe, digo,
eu só tenho páginas entre as minhas mãos. Nas palmas existem algumas linhas, mas
mas o quê, ela retruca enquanto tira o livro das minhas mãos
É engraçado só poder escrever nas folhas pautadas industrialmente as minhas histórias, mas não consigo escrever nas minhas próprias linhas a minha história
Não sei do que você está falando, e acaricia meu rosto num gesto quase infantil se não estivesse nua sobre mim procurando meu pau mole entre as pernas
Eu só tenho livros, não há mais nada concreto com o meu nome. Não tenho casa própria e
E eu acho que você deveria esquecer dessas coisas e se concentrar em mim, ela esconde a decepção de acariciar meu pau sem que ele se endurecesse.
Garota, não há nada concreto em mim, olha aí em suas mãos, nem isso, nem isso...
Vou te mostrar algo bem concreto prá ver se você se convence e cala essa boca, e eu percebo que sua boquinha fica trêmula e os seus olhos se tornam rígidos, se intumescem, me fascinam...
O que há de tão concreto em mim que...

(desmaio com a livrada que recebo em minha cabeça. Meu livro de 600 páginas, capa dura folheada de couro finíssimo, impresso ofsete sobre papel polén bold, gramatura de 90 g. O impacto da leitura pode não desfarelar seus miolos. Mas se você forçar esse impacto em sua cabeça, com determinação, é algo relativamente concreto)

domingo, 7 de novembro de 2010

Proteção.

Para não enlouquecer as palavras
que se esquecem em minha cabeça
decido por elas
sou eu quem enlouqueço.

sábado, 30 de outubro de 2010

Só para não sair calada.

Como vai os rancores e as falências?
Vão muito bem, temperadas com pimenta
servidas com um copo generoso
de angústia

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Hortelã, sabor menta(lizar)

Sentimenta (lismo)
sabor hortelã
R$ 0,10 ali na esquina.
Na lingua resta um pedacinho de aflição
áspera como calçada
(das que você anda
de olhos fechados)
entre um dente e outro.
Sinto pena
por nada
(nem a escova de dentes)
a alcançar.

Nesse copo em que bebe desesperada (na mente)
meta linguagem
e reflita
alguma luz.

Eu te (des)espero.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Cheiro de Orquídeas

Para Igor

E o lapso, incalculável, tão vasto quanto longa é a totalidade do tempo, que teria parecido querer, à sua maneira, persistir, submerge, ao mesmo tempo, paradoxal, no passado e no futuro, e naufraga, como o resto, ou o arrasta consigo, inenarrável, no nada universal
(Juan Jose Saer)

Se levantou com todas as promessas e imperfeições do mundo em sua cabeça amassada de insônia e cansaço, com o cheiro agradável de orquídeas que ela usava há tanto tempo. Olhou em volta, ainda era o mesmo quarto, sempre seria aquele quarto. E não havia nada no mundo mais agradável do que aquela estabilidade encontrada entre as suas roupas espalhadas e sua alma revirada, ela pediu que não mexesse em absolutamente nada após sua morte e ele respeitava o desejo dos mortos tanto quanto se respeitava os designos dos dias. A janela aberta que dava pro vizinho, também insone, o qual nunca havia visto de perto e que gostava de brincar com a possibilidade de não existir, ser um personagem inventado por ele mesmo, para lhe acompanhar pela madrugada, olhos que se cruzam nas frestas das janelas, a esquisitice de um pertubando o outro até que a falta dela também os pertubassem. Nada parecia tão meticulosamente perfeito quanto o desenho das rachaduras na parede, tão completo como a estante dos velhos livros que eram lidos no tempo em que se lia, tão intenso quanto os cd's que insistia em comprar no lugar de armazená-los no seu computador. Ainda era das antigas, diziam, era esquisito, talvez o vizinho da frente pensasse assim, pouco importava.

A vida, sem ação, cronológica, Cazuza falando que o tempo não pára, mas ele havia parado sim. Em algum momento ele parou, exercendo ação sobre a vida, dois corpos, dois movimentos antagônicos. Fricção e faíscas, mas nada mais queimava, além das velas.

O vizinho, pela fresta, observava algo. Voyerismo, primeira e única opção. Nunca viu graça em provocá-lo, o trabalho sempre o impedia de tramar algo contra ele e já não sentia mais qualquer tesão por homens, há muito tempo. "Você precisa enlouquecer", ouvia, que música mesmo? "Você precisa enlouquecer e fugir daqui, de mim", era assim que começava, era bonita a canção. Agora outra, outra voz também "mas você reagiu mal por que você não esperava, mas eu te esperei e a gente se desesperou". A memória se perdia pela casa, em alguma gaveta, misturada a bagunça do quarto. Ou estava do lado mais frio da cama, onde ele não ousava mudar. O cheiro de orquídeas era tão forte que temia que o vizinho se incomodasse, ou lhe perguntasse onde comprou a essência. "É de morte", ele pensava sempre em responder. O vizinho dos passos sorrateiros, do olhar misterioso pela fresta da janela procurando o seu olhar pela fresta da janela e das audições noturnas de Belchior, da fumaça degradê de cigarro que escapava pelas janelas, o mesmo que em dias de chuva deixa as janelas abertas só para deixar o sentimento de casa abandonada onde o vento poderia fazer o que bem entendesse. Mas não ia se comunicar com ele, jamais. Orgulho não permitia.

***

Ela morreu numa manhã assim, meio acinzentada. Chorava pelos cantos com uma carta em mãos da qual ele nunca se interessou pelo conteúdo porque sua atenção estava voltada aos olhos úmidos dela, olhos que ele não entendia porque se tornaram tão fuscos, fumaça encobrindo aqueles sonhos mesquinhos de menina interiorizada. Culpa dela, que nunca se empenhou em nada por ele, nunca tentou engolir aquela vida que ele lhe dera de presente. Nunca fechava as janelas, nunca estava ali. Tomou calmantes, morreu dormindo ao lado esquerdo da cama, o lado mais frio, bilhete sobre a mesa, "por favor, após a minha morte, não mexa em nada, não estrague sua vida com a minha morte. Vão te culpar por ela, fuja". Não mexeu, o cheiro de orquídeas era tão forte ainda e ela estava lá, do lado mais frio da cama a memória vai se perdendo. A vida parece ter gosto de éter.

Era bom conservar um pouco de dor.

O vizinho, fugiu. Já fazia algum tempo, tinha lido em algum lugar. Na carta? Não sabe.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Unhas no estômago.

Estou roendo as unhas por não poder roer a alma, os lábios não a alcançam & o corpo desconhece sua existência desconhece seu sabor desconhece sua textura. Isso me lembra derrota engasgada na garganta, fiapo de unha do anelar que denuncia na ausência de algo a minha solidão a ausência de alma a ausência de amor, do próprio, que tossi, fiapo de unha do indicador riscando na garganta essas palavras que engoli e perdi ao longo do tempo e nunca soube pronunciar sílaba por silába, paraxítonas oxítonas proparoxítonas, sílaba mais forte que foi ficando mais fraca aqui comigo, na carne que restou entre as unhas e os meus dentes entre meu peito entre meu coração entre as pernas, carne que não se visitam a muito tempo carne que estremesse com outras carnes, duras, eretas, úmidas, pêlos que se misturam aos meus, mas já tenho idade para ser mãe & avó, eu tenho idade para ser feliz mas parece que desisto disso porque não cabe mais isso no meu corpo e porque, ah, preciso lutar e ando tão preguiçosa e tudo fica tão longe da minha cama e dos meus dedos, mas onde foi que eu errei, os dedos sangram e a garganta engole as últimas unhas os últimos desejos de mulher, de idade avançada sem unhas nos dedos, sem alma sem sabor, ai, sem tudo.

sábado, 16 de outubro de 2010

E tenho dito.

Você é fruto da minha imaginação
apesar de existir um porém
nunca antes discutido:

Você existe, eu não

e tenho dito.

O que há entre.

Entre o desejo de escrever
a caneta e o papel
minha mão e minha força
há a inércia e a preguiça
há uma cama e uma rede
há uma televisão ligada
há meu chefe e os contribuintes
há um telefone que não pára de tocar
há a necessidade de sorrir quando não quero
há a vontade de desaparecer que quero
há um papel e uma caneta
há uma mão e muita força
há o desejo de escrever
mas não há o que escrever

Tragédia convalescente

Você diz que
o mundo é cancerígeno
e que gosta dessa doença
que corroí seus ossos no frio
e te faz tremer
de medo
ao acordar
e se encontrar sozinho convalescendo
desta sua tragédia mal escrita
prescrita a muito tempo
mas que sente prazer em revisitar
e ter a companhia
daquilo tudo que você poderia ter hoje.

Mas você pegou a doença do mundo
e sabe do que vai morrer.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Encontro marcado.

- Você deveria ser menos passional, ponha mais samba nessa cadência, sempre digo. Não rasgue as fotos, não engula as lembranças a seco, te faz mal, não percebe?

- Tá recitando um mantra?

- Conselhos, um dia fico rico ao vendê-los a mendigos.

- Eu os compraria, mas só se for com juros. Módicos, para amigos.

- Não é por que se tem juros, que se é valorizado. Pago cada erro com juros, eu deveria valorizá-los? E não venha com esse papinho de amigos, não quero ser seu amigo e nem quero que ache que sou o seu.

- Gosto de te imaginar como meu pequeno buda, irmão de caridade, the hand that never forsake me, meio smiths.

- There is a light never goes out. Muito anos 80 para quem tem, quantos anos mesmo?

- Tenho todo o tempo do mundo espalhado pelo meu corpo. Não sei controlar, mas também não quero aprender. Envelheço.

- Vai beber o quê?

- Queria pensar a respeito de linhas e proporções, ah, essa vida não faz nenhum sentido mesmo né? To aqui falando de linhas e proporções sendo que não sei nem tracejar uma linha reta, enquanto você me pergunta o que vou beber. Acho que vou com um copo de angústia.

- Opto por um copo de cianureto. Páre de ser amarga e desesperada sem necessidade. Remake de novela mexicana agora?

- Estava apenas brincando, você leva minha vida a sério demais. O que houve, não me reconhece mais?

- Escolhe logo o que vai beber, por favor.

- Whiskey

- Uhuuuum, qual?

- Vou de Green Label hoje. Um dos 2 velhos que estarão à mesa que me compreenderá.

[...]

- Eu senti muito a sua falta.

- Não tinha a quem aconselhar?

- Não tinha a quem amar.

- Eu deveria estar comovida, mas não consigo. O que eu sou hein?

- Humana, até bem mais do que eu. Você é feita de carne e ossos. Eu ainda sou feito de sonhos.

- Você deveria desistir deles, ah, você sabe, não tem mais idade para ter os mesmos sonhos de 20 anos atrás. É infeliz, não vê isso refletido na cara de pena das pessoas?

- Entende mais disso do que eu, me dê uma aula. Quero aprender tudo sobre infelicidade com a mestra no assunto. Desistiu dos seus sonhos quando começou a sonhá-los?

- Você parece querer me machucar, mas não consegue. Viu, isso aqui é casca grossa, você não fere mais como antes. E ainda sonho sim, tenho tempo para isso, ele ainda não me consumiu como a você.

- Tenho mais chances de alcançar meus sonhos do que você.

- Vai nessa Icáro aposentado

- Tá fazendo tudo errado e não percebe!

- Do que você tá falando?

- Wiskey não se bebe assim, com gelo e energético. Vão achar assim que você não sabe beber e só está me acompanhando.

- Eu também não sei viver, mas estou te acompanhando nisso. E ninguém até agora percebeu.

- Eu deveria ter te ensinado mais sobre isso quando você ainda era uma criança.

- É obrigação dos pais isso não? Ensinar os filhos a como viver, ou estou errada?

- Na verdade, a única obrigação dos pais deveria ser ensinar os filhos a como beber um wiskey sem parecer tão patéticos.

domingo, 10 de outubro de 2010

Alison

I'm not gonna get too sentimental
like those other sticky valentines
cuz I don't know if you were lovin somebody
I only hope it wasn't mine
(Elvis Costello - Alison)



Ainda estará distante Alison e eu ainda serei um homem sem nome em suas lembranças, apenas um sorriso permutado de alcool e solidão, mas você ainda será aquele nome que me perseguirá a cada esquina, a cada passo que darei para longe das marcas dos seus passos, que lhe trarão sempre de volta a mim. Nunca será Alison, será outros nomes, outros rostos, será esse vazio que eu tento preencher mas que meus olhos denunciam o lugar vago esperando por você, para que possamos trocar carícias libidinosas e cantar escondidos essas canções daquele amor que nunca nos pertencerá, mas que nos debruçamos sobre livros e poesias em cadernos perdidos pelos cantos para encontrar nisso um bom motivo para continuar vivendo. Eu tento te tirar da minha pele e com isso a arranco e você vê ao longe essa dor de se calar e fingir que é apenas uma troca de pele, cobra venenosa que se arrasta por ai tentando evoluir, pequenos pés que tocam o chão, na ponta deles por você até perder o equilíbrio.

Você tenta queimar meu coração com a passagem das horas & o que sempre resta é essa bituca de cigarro que você pisa no final
enquanto eu vou morrendo a prestações.





segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Retições por rotações.

Para Erik.


Ainda é vívida a lembrança daquele Astor, tocado num dia estranho na subida da rua Augusta, do seu braço envolvendo a minha cintura, movimento impensado talvez, com medo de me perder naquele instante entre um Adíos Nonino e Por una cabeza, que eu pedi com certa insistência para guardar para a posterioridade, mas que você nunca soube, que eu seria sua para sempre a partir daquele instante. Eu também fui sua dentro daquele ônibus onde, eu tremia de medo pelo acidente a nossa frente, talvez provocado pela minha insistência de não perder o ponto, mas meu destino era exatamente aquele, onde você acomodaria minha cabeça em seu ombro e cantaria em meu ouvido o que hoje é a música da qual me acalma, apesar dos soluços provocados pela sua falta. Fui sua em cada espera, em cada volta. Em cada esquina da consolação, em cada rua do centro. Na minha rodoviária, na sua estação de trem. Fui sua em cada cômodo, em cada pedaço. Em cada dia de chuva eu também fui sua, assim como em cada dia de sol. Até quando meu humor se ausentava e minha amargura destilava o meu veneno sobre você, eu também fui sua.
Fui sua até quando não era, e esperava para que fosse.
(e ainda sou, mesmo achando justo não o mais ser)

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Seguimento linear adjacente.

Você sorriu e deixou cair dos seus lábios muitas verdades das quais prefiro me deitar com as mentiras
bêbadas
embaladas por muitos planos retângulos
móbile
sonhos de padaria.

domingo, 5 de setembro de 2010

Quando se lembrares do que é, já terá sido outra.

"Alguns doutos em ciências descobriram que quanto maior o intestino, mais místico o indivíduo. E quem mais místico que Deus? Grande Intestino, orai por nós."
Hilda Hilst



Você me pergunta porque eu não enlouqueço, esqueço de dizer que eu só queria morrer por hoje e fechar a conta, mas o garçom oferece mais uma cerveja. Você esquece que estou rindo e se compadece dessa minha dor em suaves linhas num papel , mais aparentes do que as linhas que disfarço com maquiagem. Segura a minha mão e massageia o vão entre os meus dedos, fica dizendo das coisas que sonhou para nós e que por um triz, eu não percebi a tempo. Digo: "há vários pontos de convergência entre nós, principalmente do meu ponto de partida e o seu de chegada. Talvez eu esteja mesmo anos-luz de você e o que você tem em sua cama é apenas um espectro do que o meu passado deixou para trás" Você vai retirando camada por camada dos pós do meu rosto, desde o compacto até a mais fina poeira do dia a dia, mas não consegue ver o meu rosto por hoje, além de um intenso labirinto onde dois olhos te pedem socorro mas que você entende que querem apenas que você me foda mais do que a vida. Prefere ouvir os lábios entre as minhas pernas do que os que resmugam sobre a dívida no banco & como o dia a dia tem me retido aos poucos mas

você acha que eu vou morrer, eu lamento profundamente em não acreditar mais nisso.

domingo, 29 de agosto de 2010

Micromelodrama #1

Perdeu o que lhe restava de juízo quando o siso foi arrancado.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

microtragicomédia # 1

Na falta de humor, me sobram tumores.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Microdrama #1

Errou o alvo, no lugar de matar as saudades, matou a mulher.

domingo, 15 de agosto de 2010

Post Vita

Para Hermes, sua história,
da maneira que a entendi.



Passou se muito tempo desde então, desde sua última lembrança real. Se lembrava vagamente dos resquícios de sua vida passada, uns 7 quem sabe 9 anos atrás, o tempo se torna muito impalpável quando se foge da gente, pensou enquanto brincava com uma moeda que corria por entre seus dedos, velho truque dos tempos da escola. Mas era um rosto muito familiar aquele, frente a sua porta. Talvez um antigo cliente, da sua vida passada, claro, porque agora reencarnara, segundo budistas encarnados nos seus livros de Allan Kardec, no mesmo corpo porém em outro espírito. Jogou fora todos os ternos notch que possuia, de lapelas tão tradicionais como o seu sobrenome, tão forte, como o homem que ele jamais conseguira ser. Não por medo, deixava bem claro no seu testamento post vita , mas por convicção mesmo. Passos largos e pisadas sorrateiras sobre o picadeiro formado por espectadores, jurados e o gran mestre o Excelentíssimo Juiz , agora eram apenas uma dor que incomodava suas pernas, reumatismo para os mais íntimos, esforço para os restantes.

Agora tanta coisa transitava em sua mente, com aquele rosto a lhe questionar o valor num breve sorriso impaciente de quem tem pressa, mas é forçado a ser simpático pelas ruguinhas de expressão ao redor dos lábios, velha tática de guerra onde um sorriso derruba muralhas milenares chinesas (e por isso o povo chinês lhe é tão infeliz), que todos os sinais vermelhos piscavam freneticamente em curto circuito, algum fio descapado estava solto e lhe dava choques, altas correntes de energia negativa, diga-se de passagem. Ouvia muito ao longe, um grito de desespero, um "culpado" sinuoso como cobra, em coral molto vivace. A quem atribuíram tal culpa? Segundo os relatos "reais", o culpado estava sentado numa mesa de mogno simples e arrojada, de costas para o grande público que aclamava o ínicio do gran espetáculo circence, com uma placa de cobre gravada réu. Segundo OS SEUS relatos, o culpado usava um terno arrojado, feito sob medida por um discipulo das modistas armani, era chamado de doutor por onde passava e usava um rubi sanguíneo no anelar. O "culpado" era um bom rapaz, no final das contas. Sobre ele recaía um estupro seguido de morte, 98 anos de prisão, digitais na cena do crime. A "vítima" era uma namoradinha da faculdade de biologia, uma paixão ainda persistente, daquelas que ardiam no peito como chibatadas com espinhos, incomodava para dormir. Entendia muito bem a dor daquele rapaz, só não entendia muito a da mocinha, delicada e aristocrática como ele, até então. Mocinha, que sem os cortes, a cor azulada e a dor nos lábios, lembrava muito a mulher que...

Ouvia o chamando para a realidade as unhas da mulher, impaciente a sua frente, batucando na sua mesa de eucalipto nobre, médias medidas. Dizia de medidas, a senhora. Busto, cintura, altura. Bem marcado na cintura, por favor. Seda não, algo mais simples, pode ser? Anos 30, aquela coisa toda, andei vendo uns filmes da época e tantos outros baseados nela. Depois vai pro armário, uma pena mesmo senhor, parece tanto que a elegância é fantasia hoje em dia, não é? Um preço bem razoável, fica pronto em quanto tempo? O senhor, não sei, devo ter te visto quando criança. Sempre trabalhou com isso?

Recolheu todas as provas possíveis que inocentariam seu cliente. Eram pouquíssimas comparadas com as encontradas pela acusação, afiada como suas tesouras prestes a picotar a boa imagem que fizera de seu cliente. Para ele, restava apenas o olhar daquele jovem apaixonado, para lhe inocentar. Queria acreditar que o olhar era a melhor defesa de um ser humano, mas sabia que, na verdade, era a maior prova de um crime. Foram meses e meses debruçado sobre as fotos, laudos e transcrições de um crime mal executado. Provas armadas tão grosseiramente contra o rapaz, dna plantando na cena do crime assim como digitais pelos móveis, ligações gravadas numa secretária eletrônica, declarações feitas de madrugada sob o efeito do alcool. Era mais do que natural ameaçar algo quando se é rejeitado tão enfaticamente, seja um provável assassinato ou um suícidio. Cada não que recebia da mocinha era um bala a queima roupas neste pobre homem ENTÃO MEUS CAROS SENHORES E SENHORAS, é este rapaz na verdade, a grande vítima deste cruel assassinato. ELA provavalmente morreu em poucos instantes, asfixiada, uma morte dolorida sim, mas rápida, uma morte justa e benevolente. Mas e ELE? Não é um crime cruel o bastante ser morto aos poucos? O coração sendo atingido dia após dia por tiros a queima roupa, o sangue preso na garganta impedindo que ele respirasse, e SENHORES, o cérebro para seu bom funcionamento e racícinio, digo, para o pleno exercício de suas capacidades mentais e sociais, necessita de oxigênio! ELE já não respirava senhores, estava morrendo aos poucos e NINGUÉM percebia, NINGUÉM intercedia ao seu favor. Ela estava com o rosto e as roupas sujas do sangue DESTE rapaz, sangue que respingava em cada palavra terna de amor, como se fosse a última a ser pronunciada prevendo a morte, em cada abraço que ao unir seus peitos, MACULAVA os trajes da assassina com o sangue deste inocente apaixonado.

Gosto da cor vermelha, apesar de o azul me cair muito bem. Sabe se vermelho era uma cor tradicional nos anos 30 senhor? Preciso encomendar os sapatos também, o senhor por ventura não realiza esse tipo de serviços? Algumas amigas vão apenas montar seus trajes com o que encontram por aí, mas eu quero mesmo encarnar em alguma mulher dessa época, quero algo real, o senhor compreende? É fantasia, mas parece tão real.

- Toda realidade é uma fantasia de si mesma, senhora. Daqui uns anos, irão me procurar para que eu crie fantasias dessa época.

Ainda em algum fragmento post vita, consegue resgatar algum resquício da realidade. Os jurados comovidos, a acusação pavorosa com o ato final daquele grande espetáculo. Era por alguns momentos o autor daquela peça, que pensando bem a respeito do final, o reescrevera para um grande sucesso entre o público.
Aclamado, ovacionado, palmas em silêncio que ressoavam no volume máximo em seus ouvidos, até que enlouquecera, de uma maneira sadia, como diziam alguns. Fora iluminado, diriam outros.
Do resto ele não se lembrava. Só do pai, que era alfaiate, e da mãe, modista. Os dois diziam sempre que a roupas que usamos dizem muito sobre o que somos, mas acima de qualquer coisa, de quem queremos ocultar. As roupas são a parte material da fantasia que inventamos para nós mesmos.

- Esse anel em seu dedo...médico senhor?
- Não, eu era um alfaiate das palavras, senhora. Agora sou um alfaiate das coisas materiais.
- Alfaiate das palavras senhor?
- Advogado, mas a muito tempo, numa vida passada. O anel permanece como lembrança de uma vida da qual deixei para trás. Acho que é um recipiente fúnebre, rubi feito de cinzas.
- Já vi anéis assim, mas eram diamantes. Não sabia que isso se aplicava a rubis também. Cansou de defender as pessoas, foi isso?
- Cansei de vesti-las de mentiras para que as pessoas acreditassem que aquelas palavras fossem verdade. Verdade mesmo são os tecidos, palpáveis que recaem sobre os corpos. A roupa é fantasia, é armadura, ás vezes é muralha. Mas é uma mentira bela, apaixonante. Agora costuro desenhos sobre mentiras desenhadas em moldes.
- Jamais entenderia o que o senhor fala.
- E se entendesse, já não seria fantasia. Seria apenas um tecido recortado sobre o seu corpo. Seria uma verdade toscamente fantasiada.
- Mas resumindo, meu vestido para essa festa dos anos 30, fica pronto quando mesmo?

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Natural de.

Mairiporã tem se tornado pequena demais
pros meus pés de passos largos demais
que já decoraram todas as suas histórias absurdamente tristes
de cidade que se conforma com o seu passado
coado a mofo e lágrimas
de cabeça baixa
olhando sempre pros lados.
Cidade que cresce prá dentro de si mesma
devorando o ego de cada morador
assim como o tempo
que vai corroendo as memórias
tal qual ácido sobre a pele.
Meus próximos anos estão escritos a lápis em algum lugar
em São Paulo
onde os meus passos vão ser pequenos e sorrateiros
mas onde
minhas asas possam estar abertas
para vôos maiores, sem atrasos
e sem escalas em Congonhas

Minha mãe enterrou o que restou do meu cordão umbilical
no jardim da minha casa

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Rascunho de babel.

da mentira do não
a verdade do sim
( só ela mesma e quem
é ilimitadamente )

para que um tolo entenda
( como triste eu ) que nem
mil meandros da mente
valem uma violeta


E.E Cummings




Tínhamos nossas obras completas futurísticas
guardadas com todo o esmero por todos os bibliotecários de Babel que se comoviam com nossos planos de alçar vôos mais altos como um dia quis Ícaro,
inocente
prepotente demais para suas asas de cera.

O que eu pensara ser definitivo
era apenas um rascunho
que aos poucos meus dedos
e os seus
vão borrando com mágoas
até que sejam
indecifráveis
todas essas lembranças
que a minha juventude
insiste em dizer
que foram as melhores.

domingo, 18 de julho de 2010

Confissão

tenho perdido a mão para a poesia
mas confesso que
a muito mais tempo
já havia perdido o coração.

domingo, 11 de julho de 2010

Just let me say who am I *





Caetano me espera eufórico na cama
lençol branco de 1969
esparramado em alguma lembrança em 2010
amor envelhecido nos nossos corpos
como vinho tinto suave.
É tão lírico
pensar assim em nós
em nós
que não se desatam
em promessas.
Perdidos no paraíso
que termina
talvez na próxima canção
linha tênue
entre o seu sorriso e o meu
faixa riscada que se repete
enquanto sabemos que o mundo
é o nosso nome.


* Just let me say who am I - Caetano Veloso em Lost in paradise

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Ao perder a cabeça em algum lugar muito distante onde não se lembrará, talvez

A cabeça pende para algum lugar distante do corpo, distante de qualquer razão conhecida por você então que não se conhecia entre se debater contra uma parede ou um enxame de vespas dentro disso que se perde
a cabeça
em algum lugar muito distante onde os seus dedos possam digitar qualquer desculpa aceitável, qualquer verdade que desce queimando pela garganta como aquele conhaque você não teve coragem de comprar
como aquela briga por algo do qual você realmente acreditava, mas seus ideais são tão baratos e ninguém os compra mesmo em liquidação.

Se é fúria que corre em minhas veias, é veneno que respinga em minhas palavras quando eu perco a cabeça em algum lugar muito distante do seu colo

domingo, 4 de julho de 2010

In memorian, abro as asas e digo ah!

Só com os mortos o universo é um espirro
(Roberto Piva)


Você que desenhou
uma São Paulo
feita de caos
sob loucura
espalhada
em versos
freneticamente
assombrados por Pessoa e Whitman
xamânicos
provavelmente no olho em que tudo vê Mairiporã
Atibaia, Jarinu
te saúdo aqui na praça da república
dos teus sonhos.

Te encontrar em alguma outra visão
que não seja 4 de julho de 2010
um corpo a se tornar cinzas que não aspiraremos
em carreiras tão explêndidas como a tua
encontrar em alguma
1961
e não ter piedade
dos menininhos que humildemente lhe ofereciam cu
metáfora perfeita para o amor
concebido entre as coxas.

Invocar os anjos
orgia assexuada
transe morfológico
anárquia transcendental
Orpheu e Hermes
numa luta corporal
um dos dois
estará a sua espera
fixo na fonte do paraíso

A pior foda
ainda será
a politicamente correta
contagem de votos nulos em vão
patriotismo popular de merda
conservadorismo
(conserva estragada, botulismo social)
rendidos, sem admitir
ao Totem Kapitalista
E março não seria o mês
mais terível
se não fosse julho
o mais vazio.


O que fica
sob a terra
é apenas um corpo
Sua vida
violenta ainda
cada palavra
que nasce
Tua voz é eterna
e sua alma
delira.

Vá em paz meu caro
mas deixe sua paranóia sobre todos nós.

sábado, 26 de junho de 2010

Avon.

Escondo minhas imperfeições com corretivo
que não me foi apliacado antes
sobre algumas palavras.
Suavizo com o pó compacto, batidas violentas no rosto que não se quebra,
intacto
se encobre ruborizado
vergonha rosa nº 4
o espelho não me deixa mentir
enquanto abro os olhos
máscara transparente
rímel importado de algum lugar
distante
Com o delineador traço um olhar de amor
e te marco com os lábios vermelhos daquele batom do catálogo da avon
uma daquelas paixões vorazes

arrebatadoras

o meu perfume D&G se impregna em seus lençoís
você também
com sua barba feita não me irrita por hoje
sua loção de farmácia
me causa cócegas
e você acha mesmo
que estou rindo
minhas unhas também
não te machucam
por hoje.

Você sabe
eu também

rosto tela em branco
de tudo isso
que a gente se esquece

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Do décimo andar se vê algum ponto.


Respirou fundo, ultima carreira sobre a mesa. Fim de carreira, ele pensava entre um papel e outro, números que o engoliam sistematicamente todos os dias. Porque não virara hippie como sonhava na juventude? Agora vivia chafurdando na merda, seguindo a mesma profissão do pai, administrador de uma grande multinacional , doando o seu rabo todos os dias por milhões envolvidos. Lamentava-se pelo pai nunca deixar aparentar qualquer sinal de orgulho pelo filho único , era para seu filho adotivo que seu orgulho refletia nos olhos. Ele, grande executivo de uma famosa multinacional, nada mais era do que a continuação doe um sobrenome de respeito, não poderia jamais manchá-lo com seus sonhos hipongas de paz e amor, não importa o que fizesse, era tão somente sua obrigação como portador daquele nobre DNA continuar a escrever a história da família, fosse como fosse. Sua esposa amava apenas o que o seu dinheiro lhe comprava, desistira a algum tempo de se fazer amado por ela sem seu relógio de ouro e seu cartão de crédito sem limite. Se contentava em comprar seu amor aos poucos, e aos poucos, se iludia com a idéia daquele amor imaterial, atemporal como todos os grandes romances que lia em sua adolescência.

Era mais conveniente se acostumar a todas as mentiras que ele mesmo lhe contara. O pó sobre a mesa vinha apenas como fixador dessas idéias. Os sonhos, vinham depois, deitado no chão do escritório os desenhando no teto com um pouco de nanquim vermelho que saía da ponta de seus dedos que arranhavam sua pele. Única coisa real da sua vida, pois sentia o seu próprio corpo se contraindo contra si mesmo, pedindo por isso, algo que lhe era prazeroso e recompensatório. Pela janela, observava uma tempestade anunciada aos gritos, talvez mais um breve delírio, mas aquilo lhe chamava prá tal vida que pulsava em sua cabeça, veia latente que aos poucos e a qualquer momento, explodiria num aneurisma.

Juntou os papéis sobre a mesa, a prova dos desvios de anos e anos para contas secretas. Não se sentiria jamais culpado, mesmo que preso. Achava que era sua indenização por se meter em tanta merda sem reclamar por todos aqueles anos. Os guardou em um cofre, atrás de uma imitação de Picasso, esperava mesmo que os encontrassem quando o momento chegasse. O primeiro lugar a ser revistados nessas ocasiões são os quadros nas paredes, imaginava. Não tinha medo do destino daquele dia em diante, porque ele mesmo o traçara com o mesmo nanquim que traçava seus sonhos no teto. Horas antes se denunciara anonimamente à polícia, a tempestade do lado de fora o convidava a mais uma chance, queria ver o pai se decepcionar ao ver o sobrenome da família ser fragmentado em sílabas; talvez a tempestade encobrisse sua fuga, a esposa teria um ataque cardíaco ao saber que suas contas foram bloqueadas e seus bens leiloados ; os velhos documentos falsos no lado esquerdo do paletó poderiam ser danificados se fugisse na tempestade, mesmo que o próximo táxi ficasse na próxima esquina. Jogou pela janela o celular que tocava, o nome da amante em evidência o proibia de ir muito longe, a tempestade começara muito antes do seu desespero. Desafrouxara a gravata, coçava o nariz enquanto as mãos se perdiam no vasto cabelo, implante de alguns anos. Os olhos procuravam rotas de fuga, em algumas horas os policiais, não poderia fugir com o seu carro justo agora, chamaria atenção e chamar algum taxista até ali era arriscado demais. Sair sob àquela chuva foderia os documentos falsos, mas parecia a única chance real de fuga. Procurou em um dos armários um velho sobretudo do seu pai, que sempre o esquecia por ali. Pôs sobre si ás pressas, e saiu correndo levando consigo uma discreta pasta. Desceu as escadas por medo de encontrar alguém conhecido que posteriormente denunciasse seu comportamento estranho de sair sem guarda-chuva fora do prédio segurando uma pasta contra o peito.

No quarto lance de escadas, encontrou morador do seu mesmo andar que subia vagarosamente aquele lance. O cumprimentou, explicando sem mesmo que este exigisse qualquer explicação que sentia necessidade de alguma atividade física, e porquê não usar mais as escadas do prédio no lugar do elevador? O outro riu, dizendo que só estava subindo porque cometera um crime gravíssimo e usar o elevador era arriscado, não queria que ninguém soubesse que estava voltando para o prédio, a não ser ele, que nem mesmo sabia o seu nome e não poderia então denunciá-lo. Riram ambos, mas ele sabia que aquele desconhecido poderia muito bem ser um dos policiais que estavam na sua cola a muito tempo, disfarçados de vizinhos e que agora o encontrara e usava esse pretexto como piada. Não teve outra escolha a não ser concentrar toda a força que tinha em uma das suas pernas e acertá-lo bem no saco, o que fez que este caísse por alguns degraus em poucos segundos. Deixara o guarda-chuvas cair de uma das mãos enquanto tentava entender o porquê daquela agressividade se mal se conheciam. Aquele guarda chuva jogado aos seus pés era o passaporte perfeito para a sua liberdade até o próximo ponto de ônibus. A única pessoa que soubera da sua fuga do prédio estava morta, não havia mais nada que o impedisse e determinasse a hora exata da sua fuga. Quando a polícia chegasse ao seu escritório, ele provavelmente estaria muito longe dali, talvez dentro de um ônibus com destino a Buenos Aires.

A tempestade abafava qualquer som que não fosse os dos trovões e das gotas que batiam sobre o tecido fino daquele guarda chuva. Seus sapatos italianos não protegiam seus pés da dor que todo aquele frio lhe causava. Resmungava um pouco, mas aquilo lá, era a tal da vida que ele não tinha no décimo primeiro andar daquele flat. Na cabeça a certeza que se libertara de um sobrenome que tinha o peso do mundo sobre suas costas, de uma esposa que jamais veria o homem incrível que ele fora um dia, antes de se vender aos sonhos alheios de enriquecimento e subordinação e de um emprego de merda, que metia fundo no seu rabo todo tipo de frustração ao longo de 8 horas diárias e longos 20 anos. Pensava em deixar a barba crescer, voltar a tocar violão e escrever poemas. Uma vida mais saudável, no campo, sem qualquer substância química, valeria somente os chás e os baseados, um pouco de vinho chileno e boa comida.

Sorria, tão leve, como jamais conseguira em todos aqueles anos.

As pessoas nunca esqueceram aquele rosto, única pessoa que sorria enquanto todos se afogavam próximas ao ponto de ônibus.



* Desenho gentilmente cedido por Glauco Guimarães

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Mais uma

E talvez você jamais saberá
o quanto de você em mim reflete
no que sobra
dessa bebida
que peço
humildemente
mais uma dose.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Sobre o dia que te carreguei no peito mas você nunca soube quando foi

São paulo 7 cigarros fumados batida beat sabor vodka. Levo de você um chiclete grudado no sapato, os dedos sujos de poeira e o coração pesado de esperança. Você me custa 2 passagens de ônibus e mais duas de metrô, custa 20 dias de trabalho 44 horas semanais telefones que não param de tocar, barulho infernal do teclado que não digita minha obra e do relógio que não mede meu tempo, uma vida estaticamente estável de merda onde nada mais acontece além dessa frustração de sempre, gosto amargo de vazio nos dedos, cadeira giratória que só gira a minha volta,

minha poesia que não volta porque ela fica em você, guardada em guardanapos que peço aos garçons dos bares onde sento com meus amigos para discutir sobre o que jamais seremos enfim, esqueça planos de Piva e Pignatari que ficaram para trás, maldita tatuagem que arde só para lembrar que não precisamos ser eles, podemos ser melhores e veja só, estamos na escala zero, temos o poema mas cadê a poesia? A poesia é essa proxima cerveja, é esse proximo sorriso, é a vontade de revolucionar que é rasa demais e se formos de cabeça morremos antes do suspiro final, esse que é o verso que temos medo de escrever, é o futuro que a gente deixa passar enquanto a conta é fechada e o desespero bate. Nunca vou pagar a Deus tudo o que devo. Você jamais vai se lembrar que estive dentro de você, pulsando violentamente enquanto te amaldiçoo pelo meu cansaço de correr antes que eu me atrase para a vida mais uma vez como sempre.

Perco o meu ônibus, mas não perco a poesia, porque esta eu nunca tive.

(só uma Ana C. resmugando em algum armário ao lado da Hilst, aquela velha desbocada)

Dentro da bolsa alguns dentes guardados, dois chicletes e alguns trocados pro café. Penso em você mais uma vez, não sei se em Caetano ou em Tom Zé, nunca mais ouvi nada de novo sobre você.

domingo, 6 de junho de 2010

Alergia

Alegria
mera alergia nos meus lábios
que se contraem
a você.

domingo, 30 de maio de 2010

Cruzamentos

Na minha voz há outras vozes
minha poesia é medida em volts
Meus versos
fios condutores
se cruzam
e atropelam
emoções corriqueiras
desde então
tão rotineiras
mas não te encontram
se perdem
e me perdem
em outras vozes.
Morro ali,
num ponto final.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Blues Sugar Blues

He's not much on looks
He's no hero out of books
But I love him
Yes, I love him
(Billie Holiday- My man)




Retiro com pressa e avidez de uma amante insaciável os teus versos sujos & as tuas prosas doentias e vou desabotoando um por um esses teus complexos de cão solitário que vaga pela madrugada quase rasgando o teu alcoolismo vagabundo enquanto meus dedos vão procurando os teus antigos amores que vá lá saber
se realmente são antigos ou se foram de fato amores & os meus lábios vão se aprofundando nos teus lábios mofados de blues,
doce blues
e vão se perdendo em seu pescoço,
sugar blues
& vão de aproximando de toda a inspiração,
blues sugar blues
ali onde meus lábios não vão ser lábios mas apenas dois leves pedaços de carne, porque nossos corpos vão ser apenas carnes sobrepostas,
carnes que se invadem,
que se machucam freneticamente e não sentem dor
mas nós,
eu digo isso que é mais do que carne & sangue & fluídos,
seremos massa incorpórea, notas que vagam pelo ar saídas de uma guitarra, gaita, sax, seja o que for,
seremos jazz & blues
poesia mon amour em corpo de poema.

domingo, 16 de maio de 2010

Frase de um poeta que nos pagou cerveja.

Rua Augusta é primeiro mundo
para quem sabe viver.

(e tentamos todos os dias
descendo do paraíso
ao inferno
por algumas cervejas
e algum sexo
involuntário
aos nossos olhos)

Você invade os meus lábios
com palavras.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Uma estação após.

Preencho minhas linhas com poemas
se bem que
eu poderia preenchê-las com trilhos
e fazer minha vida seguir adiante

sábado, 8 de maio de 2010

Arranhão.

Aprendi com os meus gatos
7 vidas é muito pouco
quando se quer morrer de verdade

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Portifólio

Melhor que me culpe, que cuspa no meu rosto e o marque com os seus dedos. Que fique nele a impressão de dor, não a expressão. Meu blush é uma bofetada, meu batom são meus lábios sangrando e minha sombra são meus olhos roxos. Estou maquiada para a vida, essa que aprendi que para ser vivida tem que ser profunda e desesperadamente sentida.
Gosto quando me arranca pela cintura, fico meio mulher meio objeto em seus braços, corpo latejando em suspiros graduais que terminam em gemidos de amor e ódio. Gafieira de dor pelo asfalto, de fechar os olhos e imaginar algum Jards Macalé me fazendo sambar, enquanto você me toca violentamente como um violão num show de rock, desses de garagem, frustrado. Os dedos vão fundo, eu minto e peço que agora você venha fundo, põe tudo. Você acredita, eu choro baixinho. Costumava ser bom enquanto por dentro eu não era carne morta nem por fora carne viva
enquanto eu me amava
e não te amava

domingo, 25 de abril de 2010

Ofertorio de dulce pasión

Para Erik, que me conduz a todos os sonhos


Seus dedos eternizam com nanquim em finos traços de expressão a minha verdadeira felicidade, esta que veio ao encontro dos seus rascunhos de todos os sonhos que talvez um dia tenha tido, ainda sem cores, porque estas, eu carregava entre uma tentativa ou outra de arco íris pós tempestade dentro de um copo d'água.
Oscilo entre Primavera & Outono
você tem gosto de rosas ácidas e eu de erva venenosa
enraizados na poesia concreta de São Paulo


Você poderia ter me tirado para dançar enquanto a Augusta toda esperava por isso entre um Gardel e um Piazzolla
mas como dançar a dois se já somos um?

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Cama Desarrumada

http://www.mojobooks.com.br/mojo_inteira.php?idm=170


Eu pronuncio teu nome, nesta noite escura,
e teu nome me soa mais distante que nunca. Mais distante que todas as estrelas e mais
dolente que a mansa chuva

(Federico Garcia Lorca)

Melhor desnascer do que ver esta cama desarrumada, um vazio permanente e doentio que amassa os lençois tão caros que somente minhas mãos sentiram a delicadeza e a maciez dos linhos intercalados que formam a tua pele alva cálida e alinhada á minha pele apenas.
O quarto revirado tanto quanto eu por dentro e por fora deste corpo-pensamento, mostra as roupas espalhadas pelos cantos da minha memória que são essas suas peças intímas indecifráveis sobre as minhas assim não tão intímas, meus cd's e sonhos quebrados em músicas que nunca mais serão ouvidas inteiras novamente, mas apenas em pedaços que não voltarão mais a serem inteiros, assim talvez como eu e você, em pedaços ainda menores do que nos sobraram dos pedaços que éramos antes de nos encontrarmos inteiros um do outro.
Fotografias rasgadas pela metade nos separam mais ainda do que já estamos, eu em alguma parte esquecido onde teus olhos não podem me alcançar e você debaixo da cama entre a poeira dos dias que foram e a escuridão deste meu peito amargurado e angustiado por viver satisfeito com a metade do seu amor, que não é nem a metade da sua vida.
Nossos sapatos lado a lado denunciam nossos pés nus que caminham por ruas diferentes e que afinal não nos levarão ao mesmo lugar e a lugar algum. A porta que não se fecha e que não se abre inteiramente bate continuadamente de madrugada (com o sol nos meus olhos), insistindo nessa falta tão seca quanto as flores no jarro da mesinha de cabeceira, onde guardo todas as cartas que escrevi e que ecoam tanto quanto as que não escrevi e que agora gritam para serem escritas, mas a quem eu as enviaria se agora o que me resta é uma cama desarrumada pela última vez que
fui mais do que pedaços e poeira
que você foi mais do que roupas espalhadas e músicas quebradas
que fomos mais do que fotografias rasgadas e flores secas

Fomos uma cama desarrumada.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Você precisa saber antes

Meu sorriso é um riso de desprezo. Não o confunda com felicidade, porque esta, quando me faz rir, me incomoda. Prefiro usá-la de vez em quando, para não banaliza-la.
Não use meias verdades comigo, porque elas só servem para aquecer os meus pés. Meias mentiras não seriam mais verdadeiras?
Não me olhe por cima dos seus óculos, não me fará pensar jamais na sua superiodade-de-quem-viveu-de-tudo-e-sabe-das-verdades. Eu te olho como igual, um cara qualquer assim como eu sou uma garota qualquer, e poderíamos nos esbarrar um dia pela Augusta e você não se lembraria dos meus olhos no dia seguinte como o seu cheiro de cigarros não ficaria na minha blusa que acabo de lavar. Somos comuns e invisíveis. Somos a porra da corja de escritores de merda que querem as linhas do futuro, essas que todos ignoram e fingem não existir. Você tira das palavras as rimas que até então estavam nos meus quadris. Eu danço no ritmo que você estabeleceu, troco de parceiros quando meus saltos quebram ou furam delicadamente os olhos deles, mas que as feridas sempre me pertencerão e só em mim, irão abrir. Mas ainda assim é a sua música, a que você escolheu para dançar comigo no final da noite.
Eu não tenho o seu tempo porque querer tê-lo é insuportável demais.

Você voa mais alto, mas é só porque eu tenho medo de altura.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

A infelicidade de amar em paz

Com palpitações de Hugo Crema.



Uma parte de mim
se anestesiou com aspirinas sob um céu marcado de cartas
dessas de amor que jamais remeti

em branco.

Minha vida se abre num pesadelo
uma evacuação


ejaculação precoce


A merda nas paredes forma versos que não concebi
Forma apenas meu verdadeiro nome
escondido numa personalidade que não criei
vivendo sobre meus ombros
cópia barata de Atlas
que escorre pelo ralo
junto com o eco
de tudo aquilo que um dia já fui.


Urro de dor


mas o saí dos meus dedos


é apenas silêncio

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Bazar.

Deslizo dentro do seu sorriso e digo
amor nunca é com a minúsculo
tem que ser com A maiúsculo fincado na carne para que doa ao ser retirado
para que jamais seja peça solta no armário

(daquelas que eu visto uma vez ou outra & jogo fora)

Você se veste com tudo isso que
eu abomino & digo
que está fora de
moda.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

03:15

Para Carolina, só porque senti saudades


Sinto-me livre para fracassar
(Hilda Hilst)



Desço dos saltos por alguma dignidade, de tanto fingir superioridade, quebraram e fui ao chão. Meu retrato está sobre a cama : os lençoís desarrumados e bitucas de cigarros fumados a dois, eu e suas recordações. Você se esconde entre minhas músicas, ontem era Chico, hoje insiste em ser Caetano. Não consigo te acompanhar mais nessa loucura de viver, e viver o quê, eu me pergunto, olhando para o espelho e revendo estes meu olhos tão cansados de rímel, sombra e pó. Perdi o ritmo, o cardíaco. Bate a toa por qualquer coisa, esse coração. Um dia ele se cansa de mim, aposto todas as fichas nisso.
Eu não queria sentir saudades, mas é ela que me sente, escorro suave pelos meus dedos até o ralo mais próximo. E se mordo os lábios o veneno é doce & a morte parece melhor ainda sob a ótica dos ponteiros.

terça-feira, 30 de março de 2010

Cortizol

Para Guga Detoni, do Maldita Palavra que me ajudou a escrever, a sua maneira


Resto de cafeína na ponta dos dedos
não sofro de insônia, eu sofro de noite.
A inutilidade tira o sono das pessoas & também sua inteligência em troca do assunto da manhã seguinte, que com o pesar das 8 horas diárias sobre os ombros
e muito mais sobre a vida
não valerá as horas perdidas.

Isso é só o azeite da engrenagem, meu caro
à noite
vamos assistir ás azeitonas no conforto de nosso lares.

sexta-feira, 26 de março de 2010

In a sentimental mood

Para aquele com quem dancei numa noite qualquer.



Encontro em minhas peças o seu sorriso espalhado, fragmentos de uma história descrita em um único suspiro de tantos outros a preencher minhas linhas. Meus dedos invadem cada nota doce vinda dos seus movimentos, uma valsa a dois em uma estação onde o destino poderia ser o paraíso ou poderia ser somente a eternidade daquele exato momento,onde suas mãos arrancavam minha cintura e seu coração explodia no meu peito. Se o meu olhar estaria encontrando o meu olhar perdido ali entre o seu, ou se os seus lábios encontravam o seu sorriso perdido no meu rosto, nunca saberemos.
Mas Coltrane gentilmente nos cedeu uma canção
para que embalasse nossa saudade.

terça-feira, 23 de março de 2010

Sísifo

O amor é um trabalho sem esperança
na dúvida
páro no meio do caminho para descansar.

(Por hoje, desafio os deuses
Não o levo mais ao topo, estanco o sangue dos dedos
escrevo
em relevo
nunca mais)

Mas amanhã
tudo volta
ao seu lugar.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Pombo Correio.

Para Hugo, Leandro e Jamess




Temos a fúria de quem morre todos os dias e renasce uma vez por mês. Contas a pagar com Deus e os homens, parcelas de culpas cobradas a juros. Arranhamos as paredes a procura de ar & de um desentupidor para as palavras entupidas num ralo de peito desolado.
Nossos romances não saem dos livros, as minhas poesias jamais estariam em algum. Me conformo em estarem em vocês, em cada linha de expressão que meus dedos rascunham. A dor é a mesma, só muda a posição das peças, já diria um de vocês, a minha imagem e semelhança. Eu deixei um cavalete deixado em algum lugar dos meus sonhos, com um amor esboçado em cinza escuro no peito daquele me esqueceu em algum vagão por ordem minha. Por ordem de outro, jamais deixarei de escrever mesmo que meus braços e pernas sejam amputados pelo tédio e pela desventura do mais do mesmo dos meus dias.
O meu corpo uma palavra mal escrita à vocês.

(Mas enquanto outros permanecem em videiras, já estamos nas garrafas & vomitamos sangue)

Obs: É falta de educação devolver um presente. Mas vou devolver o de vocês. E com a minha letra

segunda-feira, 15 de março de 2010

Amarelinha.

Chuto as pedras do caminho
na esperança de que elas cheguem até o céu.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Consolação, Domingo.

17 horas, uma avenida nos espera sem horário marcado, sinal vermelho para todos menos você, que atravessa todos os sinais fechados para me encontrar do outro lado, mesmo que eu jamais soubesse que estive ali, exatamente te esperando como espero pela certeza entre uma estação e outra.

Não sabia por onde me perder, na ponta dos pés escolhia entre a Jaú e a sua voz ou entre seus olhos e a Handock Lobo, mas preferi que fosse no Paraíso entre o seu sorriso e o vão da Plataforma.

Ainda estarei por lá, próxima esquina entre um sonho e outro, de mãos dadas com com qualquer destino. Esperando que me encontre novamente.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Tentativa do homem infinito

Aos meus primos chilenos.


Mais fácil acertar os números da mega sena do que lembrar dos seus telefones, a distância afeta a memória & afeta a sensibilidade também. 8,8 nota qualquer de apuração do carnaval, mal sabia que seus pés sambariam involuntariamente sob um chão que se abria. Limpamos os caminhos dos nossos carros alegóricos para que os seus carros fúnebres passeiem entre o Atacama e os Andes.
1,26 microssegundos não mudou nada na minha vida
Mas mudou tudo nas suas.

Neruda estremece sobre os vestígios de seus versos & Allende aposta mais uma vez sua vida contra Pinochet.


*Tentativa do homem infinito é o mesmo título de um dos livros de poesia de Pablo Neruda

domingo, 28 de fevereiro de 2010

Edgar Allan Poe puxou o meu pé

Meio fio esquina com um sonho, você não entende a linguagem dos pássaros apesar de jogar runas para adivinhar o itinerário do ônibus. A vida se atrasa dois minutos no ponto G & todos enlouquecem por terem se esquecido dentro dos armários. Eu vou rir & você também da comédia da vida privada onde Deus dá a descarga.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

A carta que não será mandada

É, a vida é assim, o tempo passa
E fica relembrando
Canções do amor demais
Sim, será mais um, mais um qualquer
Que vem de vez em quando
e olha para trás

(Vinicius de Moraes e Toquinho - A carta que não foi mandada)




Não espero nada de você além de que invada meu corpo com violência, deixei a suavidade de lado quando invadiu o meu peito. Jamais te culparia por uma distância que ajudei a medir, mas não me culpe pela maneira que encontrei de desfazê-la. Ninguém poderia ensinar sobre o que é o amor quando esse amor não pode ser tratado como universal, jamais te amaria como amei os outros. Não cabe no meu peito, por isso reservei boa parte desse amor para ser guardado entre minhas pernas.
Não sou uma qualquer, bem se sabe. Uma qualquer acredita em amor a primeira vista e fala dele com docilidade e delicadeza de uma virgem, esperançosa pela vinda de seu príncipe encantado. Falo de amor com a segurança de quem sabe o quanto ele é afiado, faca de açougue, uma lâmina que guardamos no peito e poucos tem a destreza de não se ferir com ele. Equilíbrio circense, eu diria, os demais dizem que isso é equilíbrio emocional. Infelizmente, todo amor em mim é hemorrágico. Por isso prefiro abrir minhas pernas do que abrir meu coração. Nunca esperei por um príncipe encantado, o homem perfeito. Sempre esperei por você e suas imperfeições mesquinhas, o gosto acentuado dos seus lábios por todos os cigarros de uma noite e seu cheiro de boêmia.
Não sonho em ser acordada com alguma canção de amor ao pé do ouvido, se assim o quisesse, programaria meu rádio para me despertar com Chet Becker. Se quiser me despertar, que seja com um sexo oral, desculpe minha sinceridade de mulher despida de pecados, mas cansei de mentir. Não espere de mim algum convite para ver qualquer comédia romântica ao seu lado. A que vivemos não tem a mínima graça, mas aceito o seu convite para uma cerveja no domingo enquanto vemos futebol e rimos da narração imparcial e precisa do Cléber Machado.
Não acredito em fidelidade, mas jamais perdoaria uma deslealdade. Nunca te perdoaria se te encontrasse na cama com outra sem ter me convidado para se juntar a vocês.
Espere de mim apenas o meu amor, esse que nunca te abandonou mesmo quando eu me procurava em outros corpos. Esse mesmo que não se importa de ser correspondido se em troca eu possa lhe causar algum tipo de felicidade momentânea, com o desejo de um dia chegar a ser definitiva. Esse mesmo, que faz meus dedos escreverem em todos os lugares do meu corpo o seu nome e que não sabe o que é tempo. O que sempre me guia de volta a você.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Era carnaval, 87

São paulo samba Adoniran Barbosa enquanto minhas saudades fazem frente à Cartola, que descuida do meu coração por alguns instantes e o deixa ser levado por estranhos efervescentes entre um bloco e outro, que me tiram para dançar com os seus olhos.

Meus confetes são feitos de cinzas.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

Mal educada

Minha dor não pede licença
ela sai à francesa.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Despedida

Há um samba-enredo
sob meus pés
presos
sobre os trilhos do metrô.

Há uma avenida
rasgando o meu corpo
em pedaços de confetes.
O que restará
eu deixo prá queimar na quarta feira.

37 graus
o coração fazendo esquina com a Rua Municipal
onde ele ficará
por falta de espaço no meu peito

Eu só queria ter dito
que tudo
(ainda)
valeu a pena.
E que você
é mais do que meros fragmentos de um sonho
você foi um
por inteiro.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Giz

E hoje, especialmente, reprise de uma grande canção, Giz, de Zé ramalho, no desce mais um

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Tango anacrônico

Sus ojos se cerraron
Y el mundo sigue andando
su boca que era mia
ya no me besa mas
Se apagaron los ecos
de su reir sonoro
Y es cruel este silencio
que me hace tanto mal...
(Carlos Gardel - Sus ojos se cerraron)
.
Deslizo sobre teu corpo enquanto Gardel chora por sua Buenos Aires convalescente, e os teus olhos encontram os meus lábios que encontram em suas pernas algum resto de tango. Velhos jornais com o rosto de Péron estampado amargurado em suas páginas anunciam o nosso amanhã que é tão breve quanto esta madrugada. Sussuro quase aos gritos de tão suaves e surdos que você mal pode compreender o quanto há de você em minha voz nesse silêncio que não consegue calar as vozes das mães da praça de maio, que clamam por seus filhos que estão muito além destas janelas, fechadas para todos os jogos propostos por Cortázar.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Concordância Verbal

O verbo amar
não concorda
com o sujeito
"você"

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Samba, I love.

Se meus pés estivessem nus
eu sambaria o mundo
em todos os encontros.
Por ora
fico com os desencontros dos meus pés
em qualquer tango
que é a dignidade que meus saltos me permitem
até que eles se quebrem.
Depois virão os pés, quando quebrados,
fazendo que eu dance nas mãos do homem amado
conforme a música que ele escolherá
que sem meus passos
quebrados
a cada nota, no meu ritmo
não seria nada.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

O que ninguém precisa saber

Recito minha vida
pros meus versos mais mortos.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

De passo.

Meu salto agulha
vai costurando por aí
as suas linhas de expressão
tão rotineiras.
Mas
de passo a passo
passo.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Vaso.

Estou olhando pelo lado de fora da janela e estou vendo o nosso velho vaso, ao longe.
Você não regou as plantas, estão meio secas e as flores parecem que estão mortas a algum tempo, queria sentir uma pontada de pena mas o que sinto é quase um desespero. De longe o vaso parece intacto, eu tenho vontade de rir um pouco com o que eu vejo, me controlo para não parecer patética. Mas só nós dois sabemos o quanto esse vaso já foi consertado, noites e dias a fio que nós dois, íamos colando os pedaços sobre outros pedaços e pegávamos outros pedaços de outros vasos, e nem sabíamos onde colar os pedaços, íamos colando em qualquer lugar sem se importar com o resultado, achando que se manteria firme e duraria por mais algum tempo. Olhávamos para ele como se fosse novo, se a cada dia fosse diferente, mas, se lembra, ele começou a parecer tão normal, tão ele mesmo, que virou mera peça de decoração no canto da sala. Por muitas vezes ele caia, juntávamos os cacos, já sem nenhum sorriso no rosto, apenas conformados que se quebrasse, oras, tínhamos cola.
Mas agora, vendo com outros olhos, meio míopes admito, eu vejo as imperfeições dele.
Olho pros meus dedos cheios de cola & me sinto cansada de tanto remendar.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Tiros em veludo.

Essa semana no desce mais um, vamos matar todo e qualquer poeta que se atreva a estar em nosso caminho.
Então, tomem cuidado, usaremos nossas melhores armas
(www.descemaisum.blogspot.com)

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Concentrado de laranja

Foram 5 laranjas, um pouco de água e nenhum açúcar. Não é só o suco que costuma ser ácido, os pensamentos enquanto processo as frutas também o são, as suas palavras dentro das minhas palavras pingam pelo chão e não sei se conseguirei limpar a nódoa que ficará, talvez eu nem me importe assim. Gosto dessa decoração sob meus pés, pisar sobre elas me faz ser forte. Você ainda não chegou para o nosso suco das 5, nem me ligou avisando que se atrasaria. Seus sentimentos nunca são pontuais e agora me deixou pensando se tudo poderia ser diferente mais uma vez. Recentemente uma sensação estranha de perda toma conta dos meus braços. As mãos não estão vazias, você bem sabe, se não são as laranjas, são outras mãos. Não sei se devo deixar algumas lágrimas no seu copo, será que assim você saberia o gosto de ter te amado? Ando um pouco doente, já lhe disse? Tremo na ponta dos pés, perco o equilíbrio perto das suas recordações. Meu caso é clínico, uma paixão não anula a outra, multiplica, criam tumores que sangram eternamente dentro do crânio e na caixa toráxica. Aconselharam a me manter longe de objetos cortantes.
(mas em mais 6 minutos o suco fica pronto. Não se atrase mais uma vez.)

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Paris, 1972

Essa semana, no desce mais um, beberemos com os grandes escritores, mas não pagaremos a conta
(até porque somos pobres e literatura não nos tem dado dinheiro)

sábado, 9 de janeiro de 2010

Notícias populares

O noticiário da tv anuncia hoje
o passado
que ainda está por vir.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Nota residual de um blues onírico.

Onde, não lembrarei qualquer nome e talvez por isso seja um sonho, mas era apenas um bar daqueles onde se entra impulsionado pelo desespero de esquecer algo dentro de copos e mais copos de qualquer coisa que te faça ser qualquer coisa que não seja você, com esses olhos indefinidamente escritos por todas as sarjetas onde todos saberão o seu nome e uivarão por ele em qualquer outro sonho, onde qualquer arma recém disparada do peito não será quente suficiente para queimar os seus dedos sedentos de poesia, um violão
(ou qualquer coisa úmida que os aceitem dedilhando qualquer canção de amor barata)

dentro dos sonhos
estão os sonhos.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Re-verso.

(Cézanne - Afternoon in Naples with a Black Servant)



Meus lábios tendem a arder nos teus ouvidos em palavras soltas em frases afiadas, não posso me desculpar pela minha natureza de matar qualquer coisa que pulsa violentamente dentro do meu peito. Tento lhe rasgar com minhas pernas para guardar as melhores partes dentro de mim, mas consigo apenas algumas feridas, salgo com meus dedos e provo do sangue das lembranças encontradas. A verdade é que elas doem muito mais em mim do que em você por jamais ter estado presente em nenhuma delas,

provo do meu próprio sangue & é o pior sabor que existe.