sexta-feira, 30 de maio de 2008

Dançando Descalço

Para João Ricardo


Estamos dançando descalços esta noite e você põe os seus pés sobre os meus talvez para não sentir frio ou apenas para ficar no meu tamanho, enquanto essa estranha música se desenha no ar.Eu te conduzo entre velas espalhadas pelo chão e taças com restos de vinho mesmo sem saber os passos, e você apenas confia em mim com este seu olhar fixo no além desta sala e esse seu sorriso tão espalhado por todos os cantos da minha vida.Eu tenho a leve e certa sensação de que estamos flutuando em nossa última canção, em nossa última dança, em nosso último contato corporal, nas minhas últimas lágrimas que tocarão a sua pele translúcida.E eu estou com medo desta música terminar, de você se despedir e nunca mais voltar.E eu te quero, meu deus, como eu te quero para sempre sobre os meus pés dançando entre essas taças e velas, flutuando.
Eu te abraço e te deito delicadamente no chão mas você não parece se importar.Ainda dança e flutua pelo ar em sua ilusão de felicidade, que afinal eu nunca lhe porpocionei.
Eu vejo morrer o outono em seus olhos da cor da minha morte e incertos como a minha vida, e uma rosa cárnea desabrochar em primavera entre suas pernas embebidas em fel e que eu não posso tocar ou colher.Tentativas inúteis entre seus movimentos delicados conforme a canção que ainda preenche o ar durante nossa última noite.
É fácil pensar em suícidio quando não estou com você e é melhor manter-se ébrio quando você está longe e eu sei que mesmo que volte, ainda estará longe dos meus braços e do meu amor.Minha benção e minha maldição e toda a desgraça da minha felicidade incompleta.
Entre cigarros e papéis nunca surgiram poesias à você por mais sujas e líricas que fossem minhas inspirações noturnas após o sexo, quando eu me sentia sozinho em seu corpo vagando pelo vazio do seu amor.
E você continua pura entre meus braços que se confundem entre os seus, nessa dança frenética sobre o carpete onde você não quer mais ser conduzida e quer que troque a canção, mas eu quero que seja esta e pego suas mãos que antes já foram minhas com tanta calma e as faço percorrer pelo meu corpo em febre.Seus gritos me soam como uma oração a algum Deus muito bom.Gozo sentindo suas lágrimas misturadas a todos os meus fluídos, enquanto você se afasta de mim procurando mudar a canção.
Agora ela é triste, assim como os seus olhos.
Agora ela é desesperadora, assim como o seu adeus entre gritos de ódio e taças quebradas de vinho e sangue pelo carpete.
Agora ela termina, como em breve farei com a minha vida.
Estou dançando descalço mas ainda sinto o peso dos seus pés sobre os meus.


Dancing Barefoot~Patti Smith

terça-feira, 27 de maio de 2008

Poeira do espaço

Relato real.
1971
Algum lugar.

Era de madrugada e eu estava calmamente fumando e observando o céu muito claro daquela noite.Estava acordado sem drogas e bebidas e sem café e posso afirmar com toda a segurança de que não foi uma alucinação ou um sonho tudo o que aconteceu perante meus olhos.Foi real, bem real, terrívelmente e adoravelmente real.
Aquela luz verde azul vermelha amarela, todas brancas, caíram do céu num único objeto em um estrondo como se fosse um raio.Estático apenas olhei, assustado e achando que era um sonho mas estava acordado porque meu corpo doía muito devido ao impacto, ao quase terremoto causado pela queda.Uma bola redonda achatada.Um disco, como todos aqueles hippies malucos e maconhados diziam que iam nos salvar qualquer dia desses numa hora dessas aí.Não fazia muito barulho o tal disco, era algo como um zzziiiiizzziiiimmm interminável e baixo.Não nego o meu medo inicial perante aquilo tudo.Estava ali estático agachado no chão e com muito frio quando o vi.
Ele, quasehumanoquasealgumacoisa saindo da nave disco brilhante com alguma coisa em suas mãos, algum livro parecia ou nem isso era.Olhava ao redor, tão assustado quanto eu, mas não me viu ou eu acho que não naquele instante.Ficou ali, observando tudo ao seu redor com aqueles olhos de criança que vê tudo pela primeira vez.Eu queria desesperadamente fumar naquele instante, mas meu cigarro morreu entre meus dedos que queimaram com a brasa mas que eu não havia sentido até aquele exato momento.Ele era mais importante que a minha dor idiota.Caminhou e correu velozmente pelo campo de braços abertos,como se quisesse abraçar o ar inutilmente e desapareceu.Suspirei aliviado acreditando que ele não voltaria,mas ele voltou e eu quase gritei com o espanto.Ele ali sorrindo para alguma coisa que meus olhos não conseguiam ver.Não sei, talvez algum amigo invisível vindo do mesmo lugar que ele.Nunca soube.Entrou em sua nave, e novamente eu pensei que não mais o veria.Estava mais uma vez enganado.Ele voltou, roupas normais (ou aparentemente normais, porque ele estava com um macacão prateado, anos a frente do que viria a ser moda aqui na Terra), desligou todas as luzes de sua nave e voltou a caminhar pelo campo, mas em minha direção.Sim,ele deveria saber que eu estava ali e que eu seria a única testemunha da sua chegada ao nosso planeta.Temi que me matasse por isso.Vinha em minha direção com uma sacola[?] em mãos[?], sorridente.Era belo, demasiadamente belo. Cabelos talvez vermelhos, talvez alaranjados e espetados para cima(o que futuramente veio a ser a moda entre os punks), vestido de jaqueta e calças jeans, e um corpo que me enganaria se eu não tivesse visto sua chegada.Eu diria que era um humano perfeito.Apenas os olhos eram estranhos, nunca soube a cor exata deles.Algo como roxo e vermelho e púrpura.Muito bonitos por sinal.Perto de mim.Podia sentir o seu cheiro, estranho e bom, acho que era um perfume igual ao que se usavam mesmo naquela época.Olhou em meus olhos e novamente esboçando aquele sorriso mágico me perguntou aonde ele poderia encontrar as pessoas daqueles lps.Sim,ele trazia na sacola[?] lps diversos.Me mostrou todos.Eram o revolver, white album, sgt pepers e o abbey road.Havia também o White light/White Heat,Velvet underground and Nico,The piper at the gates of down, a saucerful of secrets, atom heart mother,Beggars banquet,Let it bleed,My generation,a quick one e the who sell out.Fiquei abismado e perguntei como aquilo tinha chegado até ele.Me respondeu que beatles,pink floyd,velvet underground,rolling stones e the who faziam sucesso por lá, mas as informações sobre eles eram pouquíssimas.Os seres do seu planeta tinha repugnância a esse tipo de música vinda da Terra.Quase ri, não era tão diferente aqui da Terra afinal, onde alguns tinham repugnância a esse tipo de música.Respondi(e eu me lembro exatamente de como) "Eles devem estar na Inglaterra.É um país que fica lá na Europa cara."Ele agradeceu e sumiu.Corri até a sua nave, toquei-a.Era real.
Voltei para a casa ainda paranóico achando que qualquer luz poderia ser mais uma nave e que qualquer pessoa que estava vindo em minha direção seria ele.Minha vida nunca mais foi a mesma.Demorei para me recuperar desse meu trauma.Olhava todas as noites para o céu, esperando que ele reaparecesse e viesse ao meu encontro.Sonhava com ele, sonhava que viajávamos em sua nave por todo o espaço.Queria saber mais sobre ele.Bem mais além de saber que ele ouvia nossas bandas.Comprei aqueles lps e durante muito tempo fiquei ouvindo e me lembrando dele.Músicas para et's.
Algum tempo depois, tive notícias dele.
Ziggy Stardust and the Spiders From mars.
Comprei o Lp e fui até num show.
Ele parece não ter me reconhecido.
Ah, ele queria ser humano foi o que percebi em suas letras e em sua vida aqui na Terra.
E ele foi humano durante 5 anos.Talvez não tenha agüentado, talvez não fosse aquilo que ele realmente queria, talvez não seria aceito novamente em seu planeta.
Matou-se
E eu ainda me lembro daqueles olhos roxos vermelhos quase púrpuras.

sábado, 24 de maio de 2008

Sob o céu de maio.

-Seus olhos no céu ácido.
-Sua pele no asfalto que arde
-Seus lábios naquela dose de alguma coisa qualquer
-Sua língua nesse cigarro qualquer que fumei
-Vou chamar o sol de você
-Vou chamar a lua de você
-Encontrei pureza em cada puta quando lembrei de você
-Encontrei amor em cada homem com quem me deitei quando lembrei de você
-Sua boceta em cada pau
-Seu pau em cada boceta
-Seu pulso em meu pulso
-Minhas lágrimas em suas lágrimas
-Bob Dylan ouvindo você
-Beatles ouvindo você
-Você nos meus comprimidos sorridentes
-Você na minha agulha mágica
-Em vida
-Na morte

Estendidos na calçada com o olhar fixo um no outro sob o céu macio de maio.A última palavra em seus lábios prevaleceu

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Toda a praticidade da solidão

Para Arthur.

-E aí,que horas você foi dormir? Pelo jeito nem dormiu direito

Não sei se deveria responder a verdade, então resolvi me calar. Deveria ter dito "cacete cara, dormi mal prá caralho", o que não deixa de ser verdade afinal tenho dormido mal prá caralho nos últimos dias. Correção,últimos anos. Não sei como isso começou, talvez quando eu me mudei para São Paulo. E sim, ela foi a causadora da minha insônia com suas luzes artificiais iluminando toda a escuridão da minha vida até então. Outra coisa que também ajudou: odeio claridade, desde muito jovem já não era muito adepto da luz natural. Logo é mais confortável para mim dormir durante o dia e viver de noite. Deve ser por aí, uma junção do que evito com o que prezo. Não tô nem aí para o barulho da avenida do lado aqui de casa, até gosto para ser bem sincero. Não tem como morar em São Paulo e não ser obrigado a gostar desse tipo de barulho. Não que sejam realmente obrigados a gostar do barulho incessável de São Paulo, apenas com o tempo todos acabam se acostumando. No final todo mundo ama.
Vejamos, sou tímido. Aquele sujeito que fica bebendo e fumando no balcão e observando o movimento ao seu redor sempre muito quieto. Durante a minha permanência no bar algumas pessoas acabam indo falar comigo, não sei porquê. Pessoas sozinhas e desesperadas, algumas vezes bêbadas que só querem conversar. Na verdade só querem ser ouvidas, e é o que eu proporciono. Acabo sendo um bom ouvinte: elas falam e eu finjo que escuto e no final falo qualquer coisa totalmente simbólica, bem rebuscada mesmo com termos que só se encontram em dicionários, e que elas fingem que entendem. Ponto, todo mundo sai ganhando.O bar nos últimos dias tem sido o meu segundo lar. Sempre ali no mesmo balcão bebendo e fumando sem objetivo algum. Não que eu seja alcoolátra, talvez ainda não ou talvez eu já seja e não queira admitir. Enfim, o dinheiro anda em falta ultimamente. Sou repórter policial de vez em nunca. Não que não haja material para as minhas reportagens mas como é um ramo que cresce muito, tanto o jornalismo quanto a violência, o mercado de trabalho anda meio saturado entende? Já trabalhei em um grande jornal, anos atrás. Escrevia sobre política. Interessante não? Ganhava bem e tinha certa liberdade para escrever, bom era o que eu achava. Acabei escrevendo uma matéria um tanto que ousada sobre um certo político importante na época. Fui despedido sem justa causa e sem nenhum direito trabalhista. Acabei aceitando o emprego de escrever obtuários num jornal de pequeno porte, já que o dinheiro andava curto demais. Desespero sabe? Inicialmente me envergonhava de estar ali, sendo que eu poderia estar colhendo os louros da vitória se eu continuasse quieto e conservador no outro jornal. Com o tempo fui é me sentindo orgulhoso do meu feito, não ter me calado frente a tanta corrupção. Quem sabe futuramente meu nome seja lembrado nas faculdades de jornalismo?
Então, ainda tenho alguma coisa até o final do mês para as contas principais como a comida, a água, a energia e claro, pro bar.Quando sobra alguma coisa gasto em diversão.Diversão: Mulheres.Mulheres: Prostitutas. Como eu já disse,sou um cara tímido que fica bebendo e fumando num balcão e pessoas acabam vindo conversar comigo. Nunca fui muito bom em nada além de ouvir e escrever. Flertar definitivamente não é comigo, logo essa coisa de sair com prostitutas é sempre muito prático, apesar de um pouco caro ao final do mês. Não preciso conversar com elas e nem ser romântico. Também não preciso ligar no dia seguinte ou fingir que gostei dela para não magoá-la. Só sexo e nada mais. Nem o meu nome eu digo a elas. Nunca consegui me adaptar a relacionamentos amorosos de qualquer tipo. As mulheres que passaram na minha vida foram muito vagas. Vagas que eu digo de vagas mesmo, não de vagabundas. Nunca me atingiram ou me conquistaram. Com o tempo desisti de encontrar aquela que me completaria e toda essa baboseira poética. A última mulher com quem tive alguma coisa era uma modelinho em ascenção, que achou que só porque eu era jornalista deveria ter dinheiro e contatos. Foi até que interessante enquanto durou. Mas acabou quando o pai dela morreu e ela viu a nota do obtuário no jornal do dia seguinte. Ela jamais havia me perguntado em que área do jornalismo eu trabalhava.
Voltando ao bar. É lá que eu me sinto bem comigo e com o mundo. Acho que foi o Vinícius de Moraes que dizia isso em relação ao wisky. Adoro wisky e odeio o Vinicius de Moraes. Nojentinho com aquele monte de inho. Tomzinho, pimentinha, toquinho, poetinha, poeminha. Será que ele já mandou alguém tomar no cúzinho? Não gosto mesmo, já tentei algumas vezes ler os poemas e ouvir as músicas, um tanto que forçadas demais.Samba mesmo é Chico Buarque, sem frescura alguma. Cartola também. Cartola é algo mais cru, mais verídico, fala do morro e da pobreza. Quando é que o Vinícius cantou isso?Sei lá, no fundo esse meu ódio gratuíto contra o Vinicius deve ser porque ele só fala de amor com todo aquele blá blá blá poético. Como já isse, nunca me adaptei a relacionamentos amorosos. Nunca me apaixonei de verdade, nunca me entreguei de verdade. Não que isso hoje me faça alguma falta. Só amei uma pessoa em toda a minha vida.
Amei. Não amo ou nunca soube exatamente o que é amar então talvez eu ainda ame mesmo não percebendo. Bem confuso não? Por isso não gosto de amar ninguém. Por isso as garotas de programa. Por isso o bar. Por isso um apartamento pequeno. Por isso a noite no lugar do dia. Por isso um emprego medíocre e flexível. Por isso esse ódio contra todos os inhos muito bonitinhos do Vinicius. Por isso a abandonei e nunca mais a procurei. Nunca mais tive alguém. Não me lembro exatamente o porquê o final de tudo e a desistência total do amor, talvez eu tenha sofrido demais com ela, quem sabe? Eu preferi esquecer e de alguma forma funcionou. Essa coisa de amar só fode as pessoas. É mais prático não amar e ser indiferente. Ninguém sai ferido com nada. A manhã está nascendo, vou voltar para o meu apartamento e dormir até o nascer da noite, quando voltarei para o bar. Obrigado por ter me ouvido. Sei que minha vida é um pouco insossa, mas admita que é prática .Pelo menos eu não sou que nem os outros que não saem do bar para afogar as mágoas. Não tenho. Não tenho nada e por isso me sinto bem. Não exatamente feliz. Mas quem é feliz hoje hein?

domingo, 11 de maio de 2008

Aquele ontem

Para Rennan.A quem nunca dedico nada,a não ser a minha vida.



Consigo claramente lhe imaginar em frente a este mar que ondeia nossa música com a mesma brisa a lhe desmanchar o cabelo tão loiro,olhando sem entender o motivo pelo qual meu carro está aqui aberto e com uma pequena caixa azul da cor do céu que são seus olhos quase verdes,e com curiosidade você abre e sem surpresa alguma encontra esta carta.E lê e relê e desespera-se em prantos de risos e gritos.Espero que entenda e me perdoe.Doí-me ter que lhe escreve-la.Debaixo da minha escrita há sangue no lugar de tinta.
Por quê?Porque tudo é inexato e confuso.Crescemos juntos e dividimos nossos medos, amores, rancores, dores, dúvidas, feridas, cigarros e bebidas e drogas e a nostalgia de quando éramos puros,de quando chorávamos apenas por motivos fúteis e não por coisas confusas e inexatas.Me é difícil continuar com qualquer certeza depois de ontem,difícil continuar com o que morreu naquela noite,difícil continuar como se nada houvesse acontecido, como se estivéssemos intactos.Porque era puro aquele amor que sentíamos até ontem, porque eu sei que você me ama tanto quanto eu te amo mas talvez não sofra com isso tanto quanto eu sofro.Amor esse que nos levou a essa decandência.Amor não carnal prazer sexual e orgasmos.Amor beijos e abraços e cumplicidade que não se mede em palavras.E mesmo depois de ontem eu só te quero nos meus lábios e nos meus abraços porque o meu corpo palpita pelo teu porque o teu corpo acalma o meu.
Eu tentei de encontrar em outras mulheres, nos beijos e nos abraços delas mas só encontrei transas e orgasmos que eu gosto com o meu sexo de homem em perfeito estado de funcionamento.Eu tentei de encontrar em outros homens mas encontrei apenas nojo e ânsia de vômito e o meu pênis que não endurecia.E o que me restou foram apenas cinzas e faíscas das minhas certezas e mais e mais dúvidas.Dúvidas sobre o que realmente eu sentia por você.Você que era casado e estava com tantas outras mulheres e na minha imaginação paranóica flertava com outros homens enquanto dizia que me amava, e isso me fazia mal e eu sentia ciúmes ou algo como querer você só para mim.Seria você o errado nisso tudo?Não.
Você é o esplendor de eu haver encontrado algo quando desesperava encontrar algo.O meu estar feliz alcançando o infinito para trazê-lo à terra e fundir os dois numa única visão.O que me faz reecontrar comigo a cada vez que a tua imagem suspende o meu caminho porque a cada exata aparição tua me devolve meu próprio eu.Você que está em cada sorriso e que eu respiro.
Ontem.
Ontem.
Como não foi possível reter aquele momento que me separa hoje de você?
Nossos olhos se buscavam como a encontrar-se um no outro como a morrer um no outro.Nossos lábios se cruzavam como a penetrar-se um no outro como a morrer um no outro.Era todo o nosso ser que se entregava como a viver-se um no outro.O teu corpo no meu corpo tão em mim e tão no além.Nosso desejo.O meu delírio.O teu delírio.E no universo havia apenas o espaço e o tempo que ocupávamos nós dois, libertos de tudo sem mágoa e sem medo e livres e serenos e puros.Vibrando todas as fibras dos meus nervos.Vibrando todas as fibras dos teus nervos.Era um desses instantes em que o infinito se concentra num segundo.Era um instante infinito e passou.Passou apesar do absoluto em que vagávamos.Ficou somente a tua imagem que ora se vai ora se vem dançando nua.Nem sequer ficou a estrela que isolava aquela noite mas apenas o apelo do teu olhar sumindo no silêncio, apenas a delícia dos teus carinhos se esvaindo na distância, apenas a magia dos teus gestos desfazendo-se em ausência.E a espera seca e fria sem nenhuma esperança.Porque entre suor e sêmen era em sua esposa e em suas inúmeras amantes que você pensava.Porque entre suor e sêmen era esse meu amor que se afundava e se afogava nessa imundice de sêmen e suor.E você chorava depois.Chorando desesperado me perguntando se aquilo tudo foi real e eu inerte e enojado tentando balbuciar qualquer coisa como foi por culpa do álcool e do extâse que ingerimos.E você me olhando com esses seus olhos tão petrificantes e confusos gritando alguma coisa assim que não deveria ter feito isso com sua esposa e comigo e eu tentando te acalmar dizendo que nada daquilo aconteceu que essa noite logo seria esquecida porque não nos significou nada apesar de me sentir sujo com o seu gozo misturado ao meu por todo o meu corpo.Somos caras normais não somos, você me disse.E eu lhe disse que nada daquilo aconteceu.
Não amigo,ela aconteceu.É desesperador e dilascerante descobrir assim que eu te amava da maneira mais singela que existe e não da maneira mais atrativa,se é que posso me referir a isso dessa maneira.Tudo isso se reduziu a nada e eu me sinto mal e eu ainda sinto você em casa parte do meu corpo e na minha alma como se até nela você houvesse penetrado naquela noite de ontem.Não sei o que fazer, estou perdido e terrívelmente confuso.Não foi nossa culpa, eu poderia dizer.Mas foi mais minha do que sua,mas temos nossa parcela de culpa.Mesmo que não houvesse a porra do álcool e da droga,ela aconteceria a qualquer momento.A saída que encontrei para estar em paz foi esta.Dirigir até esta praia,escrever-lhe estar carta enquanto fumo e observo o mar.O mar que irei lançar esse nosso segredo.O mar que fará afundar comigo todos os vestígios de ontem.Que Deus faça ser doce morrer no mar nas ondas verdes do mar que é a quase cor dos seus olhos azuis da cor do céu.

sábado, 3 de maio de 2008

Peço que fique&que me ame.

Agora que esta sensação de amargura e de fracasso me dominam,sinto-me despida de qualquer orgulho fútil para lhe dizer com angustia que afoga minha garganta num doloroso e humilhante grito interior,um velho peso despótico em minha alma:Peço que fique e que me ame.
Ame esta mulher de grandes e profundas olheiras provocadas pela insônia,de tez pálida e seca pela má alimentação,de dentes amarelados e podres pelos cigarros,estes,que lhe deram um cheiro forte característico desde as pontas dos dedos até os fios de seu cabelo oleoso com caspa bagunçado e embaraçado.De nariz sempre vermelho de tanto coçar e de interior em carne viva,de olhos também sempre muito vermelhos com pupilas dilatadas e baços.Lábios secos descascados e em sangue.De roupas,as mesmas de sempre,velhas rasgadas e fétidas.De dores estomacais crônicas e prestes a ouvir a qualquer hora de qualquer médico que já possui cirrose.Ame-a desesperadamente.Peço que fique e que me ame.
Ame esta mulher que chama de lar as ruas,que se mistura aos mendigos e se sente como tal.A viciada errante desesperada de cocaína,que vendeu tudo que tinha de valor e se vendeu a tantos homens e que roubou para se manter no controle do seu mundo para se sentir.Sentir a si mesma sem nojo e sem desprezo e sem horror.E no final,quando a chave branca de mármore desfarelada que abre a porta que lhe dá acesso a esse mundo se perde no vento ou se diluí até desvanecer em seu organismo,retorna a fracassada mulher violentada imunda vomitada debilitada ao seu ciclo.Ame-a delicadamente em cada vão detalhe.Peço que fique e que me ame.
Ame essa mulher de tantas tentativas de suícidio sem sucesso obtido.Algumas marcas pelo seu corpo denunciam isso.De tantas lágrimas ácidas que lhe corroíam a face dando lhe como cicatrizes algumas rugas.De ar cansado e infindável tristeza ao se olhar no espelho e ver a imagem do que se tornou e ter plena consciência e certeza disso de ser aquilo e chorar e tentar se matar e ao não conseguir recorrer ao consolo do álcool sempre tão barato e vagabundo ou da cocaína quando por sorte há algum dinheiro ou alguém com piedade.Ame-a por pena.Peço que fique e que me ame.
Ame essa mulher que foi feliz um dia ao lhe ter.A que lhe fazia sorrir com simplicidade e espontâneidade e se sentia quase que honrada por isso.A que contornava seu rosto no escuro silêncio da noite sem errar nenhum traço.A que lhe dedicou único amor intenso puro sincero e eterno.A que se entregou violentamente por isso.A que lhe ofereceu o hímen e sua alma.A que você rompeu com tamanha violência e brutalidade a alma e o hímen.A que você mostrou nos mínimos detalhes todas as dores que uma mulher poderia sentir,várias vezes para que aprendesse.A que você jogou contra um abismo de sombria e impotente resignação,fazendo-a se refugiar em sua solidão.Ame-a por culpa,por regeneração própria.Ame-a sincera e profundamente como nunca amou.Ame-a por tê-la transformado em algo que você é e nega e tenta fugir por medo,medo das pessoas por elas não te aceitarem:Um cadáver em decomposição.Ame-a porque você sabe,sabe que somente ela te amaria e te aceitaria tal como você é.Todos querem amar e serem amados.Peço que fique,fique aqui.E que me ame.Ame

Obs: A partir de hoje comentários abertos