quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Autobiográfico não autorizado

Você sabe o que é um poema, Esther?
- Não, o que é?
- Um pouco de poeira.
- Poeira são os cadáveres que você retalha. Poeira são as pessoas que você pensa que está curando. São poeira da poeira da poeira. Para mim um bom poema dura muito mais do que centenas dessas pessoas juntas.

(Sylvia Plath - A redoma de Vidro)



Ao meu grande amigo novelista do passado convertido no mais brilhante futuro


Ainda acredito que escreverá uma das melhores novelas autobiográficas de sarjeta já publicadas aqui e no céu, e que todos nós estaremos comemorando nossos pequenos fracassos em arrecadações lucrativas para o mercado literário em menos de 10 anos, devido a nossa imensa pressa de nos tornarmos imortais em prateleiras de sebos a 5 reais cada livro, mas ainda teremos a mesma esperança que tínhamos no ínicio, quando só queríamos escrever e escrever qualquer coisa que estivesse grudada em nossos dedos e incomodando nossa alma, como pedrinha dentro de um sapato furado.
Se os meus personagens são frutos da minha imaginação, os seus (e te invejo) são da sua realidade, desse teu passado que para qualquer um deve ter saído de algum desses seus livros jogados pelo quarto. Agora você pode brincar de Deus, retrocedendo o tempo de todos para ganhar um pouco mais de areia em sua ampulheta.
De qualquer forma sua novela não acabou ainda porque sua vida ainda tem mais capítulos a serem escritos por você, durantes essas madrugadas em que a gente conversa sobre caras que gozam em 10 segundos e ainda conseguem engravidar suas parceiras.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Quarenta e um graus de febre.

Para Jamess, amigo que quase me viu morrer a distância de febre.

Jamess
tive uma noite do cão.
Não, eu não uivei
como algumas mulheres uivam de prazer
esquece.

Eu tive quarenta e um graus de febre a noite toda
vislumbrei páginas em branco
e tive vontade de chorar

Será que o fracasso dói mais
do que as minhas costas?

(eu ouço você dizer:
"Mas deixa disso mulher,
as folhas em branco eram apenas
lenços para assoar nariz.
Se preocupa com as telas em branco
essas que te incomodam tanto
até que você preencha com qualque coisa
que possa, ser sim, poesia. Porque não?")

Talvez eu ainda seja aquela mulher
de 75 anos na calçada
que masca tabaco
e morrerá de velhice
como você me disse.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Surdo - mudo

Assim que chegou ao Brasil, todas as grandes emissoras de tv e rádio lhe agarraram pelos calcanhares em busca de uma coletiva de imprensa, ou na melhor das hipóteses, uma exclusiva sobre seu maior feito: ter descoberto que um dos satélites de Júpiter, na verdade, era um planeta. E o melhor, com grandes possibilidades de vida, comprovadas posteriormente com o envio de uma sonda espacial à sua órbita.
Optou pela coletiva de imprensa, não achava justo monopolizar a grandeza de suas informações para poucos por nada. Sempre evitou ser egoísta, sendo apenas quando necessário. Ensinamentos do pai, rígido, que pedia para ter orgulho de ser quem era, mesmo pobre. "Egoísmo é uma palavra que nós pobres deveríamos não conhecer. Mas já que conhecemos, não podemos praticá-lo, certo?". A frase do pai o seguiu por toda a sua tragetória e ainda orbitava em seus pensamentos, mesmo agora, momento de glória, homem feito e de futuro traçado, como o pai desejava.
Durante a coletiva, respondeu cordialmente todas as perguntas abordadas a respeito dos seus trabalhos anteriores e principalmente, sobre o seu feito, sempre com os pés no chão e de maneira simples, querendo assim, que todos pudessem entender perfeitamente do que se tratava todos aqueles slides e gráficos exibidos as suas costas. Uma pergunta, em especial, feita por um jovem jornalista, o fez sair do casulo da impessoalidade:

- Senhor, quando foi exatamente, que decidiu optar pela carreira de Astrônomo?

- Na verdade, eu nunca quis ser astrônomo. Nunca me interessei por nada acima dos campos que eu via pela minha janela. O que eu sempre quis ser, na verdade, era agrônomo. Papai era dono de um pequeno sítio, um homem muito simples e muito afável, apesar da educação rígida que me transpassava. Sempre deixou claro que queria que eu fosse um homem de bem e com um diploma na mão. Como eu gostava daquela simplicidade toda, decidi então, que seria agrônomo, estaria sempre cuidadando das plantações do papai e, ao mesmo tempo, seria um homem formado, como ele queria. Pois bem, um dia ele me perguntou de supetão, o que eu havia decidido da vida, isso por volta dos meus 12 anos. Meio assustado, eu respondi rápido: agrônomo! Se passaram alguns dias, e no meu aniversário de 13 anos, meu pai me presenteia com uma luneta! Eu fiquei perplexo, sem entender nada. Não questionei o velho e muito menos desdenhei a engenhoca em minhas mãos. No dia seguinte, ouvi atrás da porta papai desabafando com mamãe: Ele havia vendido alguns lotes do nosso sítio para poder me presentear com a luneta. "Imagina só mulher, o menino quer ser astrônomo! Não é um futuro e tanto pro nosso pequeno? Sair por aí encontrando estrelas e planetas?"

- Mas foi dificil pro senhor se acostumar com a idéia de ser astrônomo, para agradar o seu pai?

- Olha, o velho se empolgou mais do que eu! Mas foi a melhor coisa que ele poderia ter me deixado de herança, independentemente se era algo que eu queria ou não. Foi visionário, viu mais em mim do que eu, com uma luneta em mãos, olhando para o universo. Ele tinha um problema, era meio surdo. Eu também tinha um problema, eu era meio mudo. Mas, agora só penso em uma coisa: quem sabe, quando a vida for viável em Deméter *, eu possa finalmente realizar meu sonho: Ser agrônomo! Espacial, claro, prá agradar o velho.


* Demeter, deusa da agricultura na mitologia grega

sábado, 11 de dezembro de 2010

Litterae non entrant sine sanguine

O escritor e seus múltiplos vem vos dizer adeus
(Hilda Hilst)


Estou me vomitando. Não estou vomitando verborragicamente tudo o que agonizou um dia e morreu dentro de mim sob o signo do mais patético desespero muito menos quero dar sentido a uma dor que somente foi sentida por mim, dentro do vazio desta carne amorfa e trêmula. Estou me livrando dos meus resíduos superficiais, ajoelhado a uma privada, os lábios abertos balbuciando uma oração a qualquer Deus que ousou residir nesse altar que carreguei dentro do meu peito até que me revoltasse e com ódio, arrancasse com as minhas próprias unhas, sem a ajuda dos dedos, a única vida que me dei o direito de possuir. E usei o seu sangue para proferir insultos contra sua imagem e semelhança através das letras que hoje formam palavras impronunciáveis, as mesmas palavras que me fizeram. Isto, este que se vomita. Isto, este que se perde entre uma descarga e outra e nunca se vai, permanece, por vingança. Isto, este que carrega o doce fardo de reescrever a vida como gostaria que ela a fosse, possuí-la com todo o tesão que explode suas calças e fecunda o universo.

Mesmo doce o fardo escrito amargo com sangue dos lábios que o vomitam.



*Litterae non entrant sine sanguine - A letra, com sangue, entra.

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Tratado geral aos ignorantes de lirismo que se julgam poetas do apocalipse

A poesia não é feita de palavras que como pedras machucam se atiradas ou nos fazem cair pelo caminho no chão da compreensão, a poesia é feita de emoção e se seus olhos vêem palavras á sua frente então você é cego de lirismo. Se você quer construir um poema então você é o mármore sobre qual a poesia insiste em lápidar algo e tanta insistência faz da poesia cansada e envelhecida a cada linha de expressão que ela demonstra. Se você quer atingir alguém com um dicionário, deixe suas palavras complexas de lado e volte 100 anos antes e brinde com os paranasianos a decadência da emoção pela beleza. A poesia atinge com a simplicidade de um murro nas paredes que nos prendem em cavernas, e nada pode prender ela a não ser os nossos lábios. Não escreva para minorias, que muitas vezes pode ser unicamente você, não torne sua poesia solitária num buraco negro de mesmices. Escreva para seus iguais em alegria e dor, loucura e salvação, mesmo que eles nunca tenham feito uma faculdade de letras ou jamais saibam da importância de Ezra Pound e Whalt Whitman para a poesia que você despeja continuadamente em algum lugar onde eles jamais a lerão. Se a sua poesia não sangra é porque você ainda não sangrou suficientemente nessa vida e nem sangrará se seus pais depositam mensalmente em sua conta bancária uma quantia razoável da sua mesada para que você desista das lâminas e da vida.