segunda-feira, 23 de julho de 2012

Fotografia sobre a mesa


Tire alguma foto
da qual a realidade seja
mais agradável do que vista
sem nenhuma lente
sem nenhum preconceito
e sem nenhuma violência.
Alguma foto menos
Degradante
em que os rostos não tenham essas marcas
que os daqui carregam
tão doloridas
aos nossos olhos
que já quase não os suportam.

Tire alguma foto
que me conserve
sorridente
prá eternidade
porque você sabe
o quanto
isso é impossível
nesta realidade.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Sob uma lua de tango


Você acorda meu corpo de todas as promessas e imperfeições deste mundo amassado dentro da minha cabeça com seu cheiro agradável dos maços de cigarros que comprei na noite passada e que roubou alguns como roubou boa parte de mim e canta em meu ouvido nossos velhos tangos de amor, desse que se foi há muito tempo atrás sem nos dizer adeus. Acompanho suas pernas que envolvem as minhas e as tragam num suspiro único como Gardel jamais conseguiria fazer
agora estátua de pedra, não diferente de nós que num último tango silenciado por um cigarro que acabou e espera encontrar outro para preencher esse vazio de todas as canções.
Em algum lugar desejaria que eu fosse quem ama
mas não desejaria que fosse ninguém

Então vou almejar um céu do qual possamos compartilhar já que somos pó perante tudo,
buscando algo com o qual possamos chamar de vida
 e a minha se torna um pouco menos vida, muito mais destino, 
ao cruzar meus passos aos seus sob uma lua de tango &; dizer com a voz embriagada de nostalgia 
que você me conduz para dentro dos meus sonhos de Ícaro 
sem nenhum medo de alcançar o sol
& mesmo Ícaro de asas de carne e sorriso infantil
eu me derreteria por você.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

De todos os lados

Do outro lado da linha a voz diluía-se como o gelo no copo com um resto de coca cola e vodka deste lado da linha, de estômago embrulhado em papel toalha absorvendo todo o amargo de um dia complicado, mais um dia, tantos outros. O outro lado fica em silêncio, ouve-se uma porta rangendo com o vento que, do outro lado da linha, escancara as janelas e derruba um porta retrato vazio, comprado no dia anterior para preencher o espaço vazio da sala com a foto de um casal desconhecido, que no imaginário, era substituído inúmeras vezes. Deste lado da linha continuava, sobre o dia complicado, sobre a vontade de desaparecer completamente em alguma viagem astral ou de bike pelos pampas argentinos. Do outro lado reage, um riso sarcástico quiçá, percebe-se batidas de leve na mesa de madeira, alguma canção antiga ou código morse? Deste lago regurgita mais algumas reclamações, desaba um pouco na intenção de que do outro lado algo seja notado. Xinga, ofende, manda pro inferno e "vai tomar no meio do seu cu", com aquele sotaque mezzo paulista mezzo gaúcho e ri no meio do outro palavrão, e cu tem meio? Do outro lado ri e é claro que não, mas é algo a se pensar. Essa semana eu tentei mais uma vez, deste lado diz, até onde você resistiu? Do outro lado silenciou-se, alguns barulhos na linha indicavam a interferência de uma onda de rádio ou de celular, e ao se estabilizar ouviu-se apenas deste lado uma linha que caía cada vez mais no abismo.
Ninguém precisa fugir da realidade, ela também está em fuga

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O João

Rua Helvétia
a voz de um GPS orienta para despistá-la
as vozes de um casal de travestis
pedem um pouco mais de amor
as mãos estendidas, esperando por alguns trocados
as mãos fechadas, protegendo suas pedras preciosas.
Ainda existem faixas
pelas grades do terreno baldio
onde um protesto ecoa
em forma de uma revolução social
de poucas horas apenas.
(feitas por mãos de que de vício só conhecem o cigarro
e lutam para descriminalizar o baseado
que circula livremente pelas universidades
como matéria do exame final)

O João tem sete anos
um sorriso danado
e os olhos marejados de esperança
e diz que quer ser jornalista
como o moço que conversou com ele e tirou suas fotos
O João tem sete anos
tem as mãos e a alma corroídas
pelo crack
os dentes e alguns dos seus ossos
estão quebrados
e a cabeça está infestada de sonhos & piolhos
O João tem sete anos
não saber ler e nem escrever
mas sabe o que é ser chutado enquanto dormia
sabe o que significa a Rota
e sabe que o seu destino no destino deles é a morte.
O João tem sete anos
mas amanhã fará
oito anos
(assim eu espero)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Esquina da Augusta com Dona Antonia de Queiroz

Eu sou uma solidão nua amarrada a um poste

(Roberto Piva)



Qualquer lugar seria o paraíso
mesmo que a pedrinha
não fosse jogada com a mesma força
(com a qual resisto ainda)
perto de você.

Talvez um dia lhe diga
mas ouvir Joni Mitchell agora
é cometer um suicídio aos poucos.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O que ela não sabe

A solidão tem um teto
uma cama confortável
e pantufas.
Tem leite com achocolatado de manhã
e o pão ás vezes quente
uma ou outra fruta
que com uma ou algumas mordidas
já é jogada no lixo.
Ela tem 50 reais na carteira
um cartão de crédito e débito
o cartão do convênio médico
e da sua psicóloga.
Ela tem um celular
em que o namorado liga todos os dias
que os amigos mandam mensagens reclamando do sumiço
ou dos amigos chamando para beber
Ela doí nos calcanhares
depois de um dia com a sapatilha nova
ou depois de uma noite inteira
de saltos altos
pelas ruas da Augusta
onde dançou no Outs
e terminou na sinuca do Bahia.
Mas a solidão não tem ideia do que é estar só
e não ser sustentada por mais ninguém.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Vila Madalena mais Madalena do que Augusta

A delicadeza de um tango nos fones de ouvido
uma parte de mim é Buenos Aires
outra parte com mágoa
pelas ruas da Vila Madalena
onde todo mundo é poeta
de um poema só
do qual não rima com absolutamente nada
a não ser
com uma boêmia recalcada
importada da Augusta.

Eu ainda prefiro os grafites
dos que ainda resistem a isso
e dormem na zona norte.