sábado, 29 de agosto de 2009

29/08

Para Douglas, meu presente de aniversário



Escolhi vermelho. Nas unhas, bem perto do coração.
Os dedos impacientes brigam entre si, o vermelho borra as laterais, eu reclamo no silêncio, eu sei, eles querem logo encontrar você. Rascunhar seu rosto no espaço em branco do meu olhar, tocar o vazio ao meu lado na cama. Sorrio, enquanto limpo as unhas, ali tanta pele sua guardada, eu quase poderia ter mais um de você só com esses pedacinhos, e sorrio novamente, por lhe ter inteiro.

Sei que gosta do vermelho das minhas unhas na sua pele vermelha pelas minhas unhas, das minhas mordidas desaforadas causadas pelas suas mordidas quase obscenas, dos meus abraços apertados com medo de não lhe abraçar completamente, mera desculpa para sentir o seu corpo ofegante de encontro ao meu, da maneira mais discreta que se pode existir. Ao contrário do meu amor, indiscreto e peculiar, feito de suspiros e gritos, um não tão diferente do outro por sinal. A gente também, não tão diferente um do outro, por sinal. Vermelho, aquele que pára tudo.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Ballet.

Você dança sobre todas as imagens distorcidas que tenho de ti, ballet russo de emoções corroídas pelo tempo, marcações pelo palco á meia luz do meu sorriso desvairado de tanto desespero de só te ver acima de mim iluminada por todos os holofotes tal como uma deusa a qual devo me ajoelhar e adorar como os demais, de não lhe ter mais além das lembranças que você abandonou em alguma dessas composições improvisadas ao piano, onde se deixa levar para qualquer outro lugar onde ninguém possa saber quem é você, que só saibam do seu corpo em movimento preciso com as notas, dentro do espetáculo que você mesma criou e que ninguém mais pode participar, a não ser como mero espectador de mãos atadas, livres apenas para os aplausos.

Nem sabe do próximo ato que escrevo para você, o próximo que irá encenar com estes teus passos desprovidos de culpa, tão leves quanto a falsidade deste momento, da certeza dos aplausos admirados com a tua beleza que encobre essa tua pele de cobra, esses teus lábios de veneno, teus olhos de gelo que se derretem com o mínimo estímulo, mas que voltam sempre ao estado sólido de congelamento. Ciclo natural que não pode ser interrompido.

Aproveite este penúltimo ato sem se preocupar com o seu último.

Os panos caírão sobre o teu corpo e sobre teu corpo cairá mais do que minhas lagrimas, esse é o final do ato que preparo, em breve, em silêncio, aguardando pelo tempo em que recuarei da minha distância. Para você, para nós. Mas dance, por enquanto.

domingo, 23 de agosto de 2009

Singelo.



Das tuas mãos
fiz meu céu.

Em cores de outono, eu procuro o que restou daquele verão
singelo.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Body & Soul.

Publicado Originalmente em 23/04/08


- Leve o Coltrane
- Como assim?
- Leve-o, já disse.
- Mas você sempre disse que amava Coltrane.
- Menti, nunca fui muito chegado em blues
- Jazz.
- O quê?
- Jazz, Coltrane é jazz, não blues.
- Ah, prá mim é a mesma coisa.
- É bem diferente.
- Ah?
- Jazz de blues, bem diferente. Você realmente mentiu. Não era de se esperar.
- AH, desculpe-me senhora eu-nunca-me-enganei-antes. Sinceramente, não me importo muito em ser taxado de mentiroso por você, pelo menos, não agora.
- Tudo bem, exagerei um pouco mesmo. Mas porque afinal, você mentiu naquele nosso encontro? O segundo.
- Sobre o quê?
- Sobre gostar de Jazz, essas coisas. Lembra que você me perguntou antes do nosso primeiro beijo, se eu gostava de jazz? Eu disse que amava, aí você tirou da sacola esse álbum do Coltrane, me convidando para ouvir junto de você.
- Queria ser diferente, te impressionar antes de te levar para a cama.
- É, e conseguiu. Ouvindo você falar assim, até me sinto mal comigo mesma. Idiota, seria a palavra mais exata. Mas de onde você tirou aquele álbum? Você falou de Coltrane com tanta veracidade que realmente acreditei que gostasse mesmo dele.
- É, eu andava meio ansioso com esse nosso encontro, digo, o segundo encontro, o tal encontro. Peguei e ouvi antes o album sozinho. Foi então que eu fui atingido por todas aquelas notas, sabe, parecia que alguma coisa dentro de mim havia mudado, dentro demais de mim. Você veio a minha cabeça junto com aquelas canções e você já não era mais a garota com quem eu passaria uma noite. Era a mulher com quem eu passaria a minha vida.
- Nossa...mas, porque mentiu?
- Menti o quê?
- Sobre jazz e blues, disse que não sabia a diferença
- Eu disse que não me importava, eu não preciso saber o que é jazz e blues para gostar de Coltrane.
- Mas então, porque quer se desfazer dele?
- Eu não posso ficar com ele, não posso.
- Mas...
- Não entendeu ainda? Amo tanto Coltrane quanto amo você.
- Ah...
- Cada vez que fazíamos amor, mais ouvia Coltrane, mais ele fazia sentido. Vocês acabaram se tornando algo único, saca? Estavam mesclados de uma maneira impossível de serem separados. Você era tão suave e delirante quanto alguns solos dele. Eu me perdia em seu corpo com medo de me encontrar, sabe, aquele mesmo medo que a gente sente de que Blue Train acabe antes dos seus olhos alcançarem algo azul no final de uma estrada desértica. Eu encontrava todas as notas ali, escondidas em teu corpo, um convite para que meus lábios pudessem tocá-las. Não sei explicar isso ao certo, mas certo mesmo, é que não posso ficar com Coltrane. Seriam músicas estranhas, só músicas. Mais um cara tocando saxofone.
- Eu não imaginava isso.
- Nem eu
- Tudo bem, eu fico com o Coltrane
- Ouça-o por mim.
- Ouvirei sim.
- Adeus
- Adeus


Ela coloca o Coltrane debaixo dos braços e ganha as ruas. Vira a esquina próxima e joga-o no lixo.
Não suportaria encará-lo como mais um cara tocando um saxofone.
Músicas, só músicas.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Longa metragem.

Ótimo, parabéns, agora você pode lamentar não ter filmado porra nenhuma que chegue aos rastros daqueles filminhos franceses, dias de Godard na imaginação e de Truffaut na cabeça, sem aspirinas suficientes prá aliviar as malditas dores de cabeça e tantas dividas acumuladas pelos sonhos em rolos e rolos de películas já mofadas, sem público, sem a magia da tecnologia e todo aquele blá blá só para vender suas histórias mirabolantes de mocinhas viciadas que largam tudo por mocinhos do faroeste cangaceiro que se infiltram na política e saem de lá senadores da Gestapo. Ah sim, um prêmio um dia, nem me lembro pelo o quê, cinema underground de baixa renda, festival de grande prestígio no Acre, mas deve estar ali dentro de umas das caixas destinadas ao lixo junto com os roteiros dos melhores filmes ainda não produzidos pelo homem, pobrezinho. Que os catadores se animem com os roteiros e reescrevam seus próprios roteiros, melhores e mais ricos de verdade, porque claro, hoje em dia o cinema anda tão..verdadeiro! Papo de diretor frustrado, não liguem. Só porque não fez um ótimo filme de comédia onde todo mundo se come no final e toda a família pode ir no cinema, pagando obviamente, ver e aplaudir de pé, fica agora reclamando de tudo como se fosse o último grande diretor sobrevivente, grande porcaria, nunca foi.

Vamos por partes, você não consegue mais escrever e dirigir qualquer coisa, muito menos sua vida. A partir desse pensamento, muitos filmes poderiam ser feitos, aquela coisa toda de introspecção que no final sempre se encontra a tal luz no fim do túnel ou o cara enlouquece de vez, sem romances por favor, sua vida também não tem, não complique se apaixonando sempre por quem não deve ou fazendo que essa mesma te mate aos poucos dentro dela, se concentre na porra do trabalho, pense no melhor que pode fazer, sem querer Gilda, esqueça dela. Mas cara, então você escreve uma coisinha aqui, uma ceninha de merda ali e pronto, o filme já pode ser rodado e consumido. Só se você quiser continuar se sentido um frustrado.
Frustração é sempre melhor com dinheiro no bolso não?
Não.

Idéia fantástica I!

Roubar cartas, responde-las e envia-las. Reescrever a história das pessoas, melhor, roteiriza-las! Claro, se as pessoas se correspondessem hoje em dia, bando de anti-sociais grudados no computador. No máximo conseguiria roubar muitas dívidas a serem pagas, isso não faz filme, faz a vida. Idiota.

Idéia fantástica II !

Virar Hacker, invadir e-mails, respondê-los e reenviá-los. Roteirizar tudo depois, o que acha? Chamar uns atores de ínicio de carreira que topem algo totalmente inovador, tipo sair nus pelas ruas de São Paulo com câmeras imbutidas na cabeça a passos largos de dinossauros em tempos pré históricos com todo o aparato tecnológico, savana de fios espalhados.

Incluir os e-mails mais interessantes, com assuntos construtivos. Que façam pensar. Tipo o da garota que é mãe solteira e está dando em cima de um cara casado com familia constituída. Inveja é um bom tempero. Tem o do cara solitário que se inscreveu em muitas agências de relacionamentos mas até agora nunca conseguiu um encontro, ótimo, caras perdedores são clichês, mas dão certo no final. Não esquecer da prostituta que recebe por email o seu valor anual de constribuíção a sua igreja, vende o corpo para salvar a alma, nada mal.

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Conto comunitário- Caros leitores deste humilde e tosco blog: Quero dividir com vocês o final deste conto, por isso, peço que me ajudem com suas ideias, seja lá qual elas forem. No fundo, não sou eu bem que peço isso, mas meu personagem (NÃO TO FICANDO ESQUIZOFRÊNICA OK?). Enfim, sou péssima para explicações e vocês já devem ter entendido o que eu quero dizer, ele precisa de idéias para um filme e essas coisas.
É com vocês, beijos.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

33 rpm.

Para Fernando, que me abrigou numa tarde perdida



Então, poderia começar assim:

Você perdido entre a vastidão das suas lembranças e a confusão dos seus dias passados, de um ontem amargo com gosto de vodka vomitada num vaso sanitário, às escondidas da sua famila que perpetuamente acredita que você é uma boa pessoa e vai ter um brilhante futuro além das inúmeras linhas que você escreve e sonha, quiçá, ver em páginas reais e palpáveis, mas obvimente é algo tão distante quanto o lugar onde você se encontra agora do lugar onde realmente é o seu lar
e que você nunca pisou, nunca visitou mas sabe, com aquela indefinível e maldita certeza que somente as pessoas que já perderam muito na vida sabem, que é o seu lar
bom, mas você não saberia explicar onde ele está, nem como seria, mas certemente é o lugar onde você repousaria o seu corpo de todo o peso que o mundo insiste por sobre seus ombros, curvados.
Em um dado momento, entre inúmeras possiblidades de fuga, você decide fugir de todos os lugares e principalmente fugir de si próprio, a imagem de um buraco negro que engole tudo, principalmente a luz de um sorriso ás 5 horas da tarde em plena Rua Augusta, aquele olhar grudado no seu ás 6 horas da manhã, o jogo de luzes naquela avenida que nem sabe o nome, mas ri divagando sobre a mistura do branco e vermelho dos carros em uma artéria aberta e entupida, prestes a entrar em colapso, ataque cardíaco quando vê a pessoa desejada, derrame cerebral deixando o débil perante aquele corpo que se dirige até você, e você-buraco negro vai triturando tudo e esquecendo tudo isso, e então
você se vê sozinho e perdido, espaço em branco a ser escrito novamente. Rasgado e amassado.
Preso à 33 rotações envelhecidas como os seus sonhos.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Outros, pero no mucho.

O que vai ficando é distância,
estilos, afetuosas vacuidades,
e cada vez mais um pouco menos,
miséria porém em que se fica bem à vontade.
(Julio Cortázar)





Não falarei mais do que me permite esse silêncio feito de todas as horas desvividas por nós. É que parece tanto que somos os mesmos mas somos também outros. Mas um outro será ainda o mesmo, só que um pouco mais cansado do peso que carrega no olhar, distante a olhar para qualquer outra direção que pode ser a perna de uma cadeira ou os dedos envolvendo um cigarro quase apagado. Talvez um pouco mais velhos, bem mais conformados talvez. Os sonhos podem ter ganhado um pouco de poeira e os sorrisos podem ter saído tortos e caído no chão. Mas as ruas continuam as mesmas, os bancos um dia ocupados também, assim como as pessoas ao nosso redor, assim como as bebidas no seu balcão e nas mesas em que eu sento. Tudo carrega um pouco de nós, que nos desfazemos em cada lugar em que estivemos e fomos felizes. Não o resto dos nossos dias, mas a marca deles.