quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Sempre atrasado

Para Rafael, uma histórinha cretina sobre a vida.
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"Porque o silêncio em si é como o som dos diamantes que podem cortar tudo"
(Jack Kerouac)



Queria ter-lhe dito antes da partida, mas se eu lhe falasse da partida seria como não querer partir. Preferi o silêncio escrito em letras amíudes, um silêncio que só você consegue ler. Não posso mais me atrasar, você sabe, estou sempre atrasado para a vida. Peguei o bilhete, me despedi de toda a culpa, peguei o que havia de melhor em mim sobre a cama e fui embora.

Por muito tempo eu perdi a vida pelas estações, a esperando. Passa tão rápido rente ao nosso corpo, que mal conseguimos entrar em um de seus vagões, então eu fico naquele desespero de, ter que pular entre o vão e a plataforma para poder alcançá-la. Não quero embarcar com Caronte, se é que estou sendo claro, não por enquanto, digo, ele sempre vai estar a nossa espera, porque adiantar as coisas? Você não quer embarcar nela, respeito sua decisão, mas eu preciso correr antes que mais uma vez, por todas as vezes, eu a perca. Ela não marca hora, a vida. Nunca espera por ninguém e nem vai esperar por você. E nós não esperamos pela mesma vida, no final, se o há.

No caminho, para a vida, comprei uma garrafa de vinho. Uma distração que se tornou em alguns goles uma maneira de me recordar do seu sabor. Talvez se pergunte qual o seja, mas ficarei calado. Prefiro que jamais saiba o sabor que a solidão tem. Me esbarrei com algumas pessoas, outros atrasados como eu e percebi que , quanto mais pressa temos de entrar na vida, mais atrasados chegamos por errar o caminho. É verdade, julgue me um cretino por não avisá-las, por vê-las pegando qualquer direção que não seja a da vida. Ou julgue-me um tolo, por achar que somente eu sei o caminho.

O que é certo para você prá mim há muito tempo já se tornou errado. Então deixei os cigarros dentro do maço, dei adeus ás nossas ruas, me levanto com o sol e me deito com a lua, o sexo já deixou de ser minha moeda de troca e espero muito mais do que o amor. Mantenho meu corpo são, minha mente livre, digo, não a prendo a pormenores, não sigo conselhos e livros de auto-ajuda. Deixei os escritores e os poetas falando sozinhos.

Mas a vida tem dessas coisas, um dia, ela inverte tudo, vai ver.

Um dia, compro um bilhete de volta à você.

segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Kevin Carter


Acordou assustado, talvez um pesadelo, mas era a certeza de uma lembrança. O corpo doía, os pulmões numa união com seu cerébro pediam por mais um carreira. Era a única maneira de não ser Carter, por algumas horas, ser qualquer Kevin, qualquer fotográfo, de casamento porque não? Mas não era um sonho, mero flash de memória. Fora seu flash, sua maldita câmera que o jogara definitivamente no inferno, com um único click. Queria chorar, as lágrimas há muito tempo o haviam abandonado. Se recolheu em posição fetal, os olhos fechados, a respiração falha. Jogou um pouco de cocaína sobre seus ombros e cabeça, na tentativa que fosse o pó de sininho e que voltasse a ser criança. Mas sininho daria um chute no saco dele se estivesse por lá, certamente. Qualquer criança, mas não ela. Ela que aquele maldito Pulitzer em sua parede jamais o deixaria esquecer. Grande ética profissional, além da brilhante objetividade. Só queria que enfiassem aquela medalha no cú, se isso lhe devolvesse sua paz.


Como esquecer a incumbência de fotografar a guerra civil no Sudão? Era um fardo ser um africano de pele branca e se sentir estrangeiro em seu próprio continente, um decendente daqueles que trouxeram ódio pelos mares em troca de ouro e escravidão. O fardo do homem branco, não era os tornar civilizados. O maior fardo era os ensinar a serem monstros, essa era verdade que nenhum livro de história havia descrito antes. A verdade que só a história, por si própria, nos conta. Os jornais não contabilizaram as famílias devastadas pelo apartheid, mas contabilizaram os lucros obtidos pela Alemanha unificada. Não descreveram o martírio dos presos políticos, tratados como assassinos repugnantes, mas que só lutaram sem armas, só com suas vozes e seus sonhos, por uma África mais justa. Tinha consigo a certeza de que assassinos eles foram, mas da mentira mostrada ao mundo de uma união fajuta, união que separava um país em dois, sem a necessidade de um muro de concreto, para isso. Um muro de Berlim de preconceito na cabeça de todo mundo. Mas ela, não, ela não tinha culpa. Era só uma criança lutando pela vida, implorando para o seu Deus que a salvasse, que chegasse a tempo no campo de alimentação da ONU, antes que aquele urubu a predasse. Irônicamente, o urubu em questão tinha uma câmera em mãos, um cantil de água e força suficiente para ergue-la e salvá-la. O verdadeiro urubu, injustiçado, era irracional demais para descriminar seu alimento, assim como ela, lutava pela sua vida nas terras áridas e esquecidas do Sudão. Mas ele, senhor Urubu Kevin Carter, respeitadíssimo, lutava pelo melhor enquadramento, o que lhe traria ou louros da vitória. O tempero da sua amarga derrota.


Mas era necessário, pressentia isso, não intervir na vida. Uma amostra grátis da realidade que muitos evitam ler em páginas de jornais, dos poucos, que tinham estômago para isso. Por isso não a resgatou, fugiu com o filme no bolso, fugiu do Sudão. Fugiu de si mesmo, por tudo o que lutara até então com seus amigos e sua câmera.

Olá New York Times, veja essa África que ajudaram a construir! Palmas para o Jovem fotográfo, para sua luta por mais igualdade em seu continente, pela libertação de seu líder Mandela, palmas para sua frieza, para sua estúpida vida de merda, palmas por favor. Por seu prêmio Pulitzer, que estampa seu peito como os tiros que seu amigo estampou em seu peito ao ser os olhos do mundo, em um dos conflitos da Etiópia, porque ele, caros críticos e jornalistas, interviu sobre a vida e resgatou os feridos daquela chacina. Seu prêmio, 8 tiros a queima roupas.


E agora, além do prêmio, só lhe restam críticas da população. Porque esses grandes filhos da puta brancos não compram uma passagem aérea até a áfrica? Facílimo criticar algo sentados em suas poltronas de couro, seus digníssimos cús execrando toda a boa comida que devoram. Se ele foi um covarde, está pagando seu preço agora. No mais profundo poço, com garrafas e mais garrafas da mais pura vodka espalhadas pelo chão, com seu nariz em carne vivíssima, muito mais do que ele, com seus pulmões protestando contra cada respiro. Ela aparece no seus sonhos, ás vezes. Pede ajuda, e ele consegue ver o seu sorriso em meio a tanta fome e feridas. Ele responde que promete, vai matar o verme que lhe abandonou, para que nunca mais o faça. Para que outros vermes, aprendam a lição, e não abandonem jamais seus ideias.


Fotojornalista sul-africano suicidou-se após anos registrando a miséria humana [27/06/94]


Conto baseado na história real do fotográfo Kevin Carter, sobre mais leiam http://www.revistawave.com/blog/index.php/2008/02/20/kevin-carter-1960-1994/

Ou ouçam

http://www.youtube.com/watch?v=T7hw5NkSPvs
(Manic Street Preachers - Kevin Carter)




sábado, 24 de outubro de 2009

Lazy Afternoon

Antes que a lua chegue
morda meu coração na esquina &
não me esqueça
(Roberto Piva)


Digo que sou meio cinza meio fênix
depende muito do meu humor & depende muito mais das tuas mãos sobre minhas pernas onde os barões do café deixaram seus resquícios & onde você me beija e deixa teus indícios
de que nada foi perfeito
(nem o amor
somente o pretérito)

Desabotoarei todo esse blues da tua camisa & com meus lábios roubarei todas as notas necessárias para que nosso jazz exploda num sonho que geme & invade com violência nossos mais recônditos lugares
e que nos faça crer mais uma vez
no pega pega de Adão e Eva
(mas eu me perco acima das tuas coxas & você desfaz minh'alma
num lençol encharcado de saudade)
O relógio
delira nossos corpos
Coltrane nos olha de canto
espalhados pelos cantos
e ri maliciosamente da nossa desgraça
meros atores esquecidos em preto-e-branco.

Eu poderia dizer que você está comigo
VOCÊ PODERIA DIZER QUE VOCÊ ESTÁ COMIGO
mas o mundo
não pára
de gritar isso
um só minuto.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Acabe já com seus problemas!

Segue em anexo receitas médicas infalíveis para os grandes males que assombram nosso dia a dia.

Dermatológicos - Passe diariamente em toda a pele, de maneira uniforme, sêmen (sempre fresco e quente, de preferência). Vá testando os diferentes tipo de sêmen até que encontre aquele que possa suavizar cicatrizes e rugas, além de clarear manchas. Aplicar duas vezes por dia ( para melhores resultados, esqueça a frequência, faça quantas vezes quiser por dia, mas faça todos os dias). Claro, não seja boba, seja atirada e peça-o em casamento. Claro, não seja boba, saiba que todo bom remédio tem prazo de validade, caso o seu expire, teste outros sêmens.

OBS: Homens também poder usar, que não sejam o próprio, porque isso é nojento, ok?

Visão - No uso freqüente de colírio, troque-o por delírio. Olhos precisam delirar, crianças. Se usa lentes, não seja hipócrita, mortos não enxergam nada mesmo, nem a um palmo e nem a sete palmos à sua frente.

Cardíacos - Pessoas que transplantaram seus corações cárneos por corações de pedra (dependendo da sua condição financeira você pode obter um coração de pedra lascada, granito, mármore Ou poderá ser excêntrico sem deixar de ser elegante, tendo por exemplo um coração de diamante. Só não o exibam por aí, não sejam bobinhos, alguém pode achá-lo muito precioso e roubá-lo) . Tais transplantados costumam apresentar vida longínqua, além claro, de não sofrerem mais com anginas, amores-não-correspondidos (gravíssimos, tomem cuidado, seus não-transplantados), taxas de colesterol, infartes, paixões repentinas que ora vão ora vem e sempre vão (e você sempre morre um pouquinho), sopros( perigosíssimos próximos ao pescoço). Relatos garantem que os efeitos colaterais de um coração desses é avareza e mal humor, o que são facilmente tratáveis com chocolate.

OBS: Não exagere no colesterol, mesmo que isso não vá lhe aflingir diretamente. Não se esqueça que pedras são quebráveis e um pouco de colesterol pode deixar o coração escorregadio em suas mãos, não seja burro em pedir que outrem o apanhe no chão e o ponha no lugar. Então, esqueça MESMO Marlon Brando (nada de manteiguinha, seus danadinhos)


Auditivos - Graças ao bom Deus da tecnologia, só sofre disso quem é burro. Simples, compre um mp3 (eu sou das antigas, não se esqueçam. Se quiserem, sejam moderninhos, comprem LP's e uma vitrola, adaptem isso a alguma-coisa-que-eu-não-sei-o-quê para ouvirem aonde quer que vocês forem) e toda vez que seus ouvidinhos doerem com Calypso e afins (segue lista em anexo. Resumi a Calypso porque é uma forma generalizada de música-ruim-péssima-que-nem-o-diabo-ouviria. Até porque ele deve ouvir Jimi Hendrix & amigos ao vivo todo o dia.) liguem o aparelho, aumentem o volume e sigam adiante (não se esqueçam de que buzinas são trombetas divinas avisando sobre uma possível morte estupidamente acidental)

Fonoaudiologos - Aconselho dois grandes remédios: Michaellis e Aurélio (você também pode comprar os pequenos, que cabem no bolso, caso queiram ser práticos)
OBS: Não consegui dar esse conselho a tempo a nosso presidente, e ele também já não tem tempo prá isso, sabem como é, as aulas de inglês com o Joel Santana tem ocupado demasiadamente o tempinho livre dele. Pessoínha de temperamento fleumático, esse hein? Não é a toa que tem aquela face de traços rabicundos e espartanos, pobrezinho. É tão frugal falar corretamente o português, não?

Prisão de Ventre - Até hoje NÃO ME CONFORMO DE SOFREREM DISSO AINDA! Seguinte, contratem um bom advogado. Porque ele deve saber que há mais de 148 anos foi legislada a lei do ventre livre. Convenhamos, só tem prisão de ventre quem tem rabo preso, né?

Pé de atleta- Céus, mais simples ainda, vire sedentário. Algum probleminha em ter pé de sedentário?

Sexuais - Abrange muitas soluções, mas vou me atar a duas extremamente comuns.
1- Saia do Armário, hoje no Brasil existem leis para te proteger. E SUS até cobre cirurgias de mudança de sexo.
2- Homens, meus amorzinhos, não digam jamais "ISSO NUNCA ACONTECEU COMIGO ANTES". Façam o seguinte, deêm um beijinho na sua mulherzinha e digam " Se você quer a melhor transa de todos os tempos, espere um pouquinho só, porque eu só consigo isso se eu fumar um maço inteiro de marlboro vermelho" (tem que ser vermelho hein, nadinha de silver ou light). E claro, FUMEM NÉ. Quando voltarem, ela estará dormindo profundamente e você com futuros graves problemas pulmonares.

Pulmonares - Melhor ter problemas sexuais, não?
OBS: Se estiver com o nariz congestionado, cheire uma vagina. São ótimas descongestionantes nasais.
OBS 2: Minhas amadas menininhas, não me vão cheirar a própria né? Peçam para suas amigas, afinal, elas também são para essas coisas.

E o principal é, dêem muitas risadas. Rir ajuda a enganar um pouco a morte.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Um breve relato sobre tudo isso que é inomeável

Você saberia com mais certeza do que eu mesma tenho do quanto isso, você sabe, que eu sinto percorrer o meu corpo por dentro e por fora, é inomeável, mas alguns dizem que é paixão outros vão dizer que é amor & eu irei dizer que é muito mais que isso.

Eu me despejo sobre as letras frenéticas de Miller & Bukowski numa tentativa muito bonita e muito poética de senti-lo também frenético se despejando sobre mim sussurando no meu ouvido here, there and everywhere, não importa que lugar seja isso, estaríamos em qualquer lugar e eu seria sincera ao lhe dizer que eu sempre esperei que aparecesse um dia à minha porta, sonho romântico despedaçado ao longo dessas noites em que meu corpo dançava sozinho com os resquícios do teu sobre minha cama. Porque eu te esperava mesmo sem saber teu nome ou o quanto você fumava e que esse gosto perpertuaria noite após noite nos meus lábios insones, mas eu apenas sabia o quanto você era exato para todas essas minhas razões aritméticas entre fórmulas absurdas que jamais tinham, até então, um resultado. O valor incalculável do x das minhas equações.

Eu tento entre, algumas noites das quais prefiro esquecer e tantas outras que eu ainda vou esquecer apesar de perder sempre para a minha memória, cretina, que sempre lhe trará a dança, reter você entre os meus dedos já que não posso lhe reter entre os meus lábios ou em meus abraços que lhe farão escorrer pelas minhas pernas tortas e extremamente brancas, nessa dança em que não saberemos os passos, nunca sabemos nada além do ritmo que o coração nos manda seguir & assim eu me conformo de só lhe ter por poucos instantes prolongados dentro dos meus sonhos
[porque dentro dos sonhos estão os sonhos]

sábado, 17 de outubro de 2009

Fragmento cut up de emoções racionais demais para que sejam lúcidas.

flores sonho flores flores olhar flores é flores

Paraíso, você diria se estivesse próximo a ele e tão longe de toda e qualquer consolação que pudessemos ter perto de toda a grandiosidade dessa noite feita de sonhos e flores espalhadas como papéis sujos e amassados, esses rostos sorridentes jogados assim inutilmente nas poças de água ou sobre os resíduos fecais dos quais geralmente nos sentimos em alguns dias iguais

renascendo renascendo vida renascendo vida

Você secaria as minhas lágrimas se houvesse alguma lágrima em meio aos nossos sorrisos que eram apenas um em uma única boca que eram nossos lábios unidos que se rasgavam em meio a todo aquele jogo caótico de ruas e luzes e vida que renascia a cada passo a cada grito a cada palavra que nem eu e nem você e nem ninguém mais poderia ouvir nesse interminável silêncio que suspende a minha alma e que espera que você diga mais e mais e mais

nota como entre sorrisos e luz de pernas som assim pernas e sorrisos luz de nota vezes assim

Recorto assim dos teus olhos alguma nota que faz um samba triste ou um bolero a dois que faz pernas se cruzarem trópegas e ébrias de tanta nostalgia encontrada em alguns copos e inúmeras garrafas com gosto de ideologias e canções derretidas em verbos mal conjulgados e conjurados.

assim nuvens algo pode poeira de nuvens nuvens pode algo algo estar pode

Espantei essas nuvens de poeira de solidão sobre nossos ombros que carregam ou não o nosso mundo, diferente a cada dia e a cada vez que olhamos e pensamos nele, porque a solidão é algo bom de se pensar a sós numa cama onde os toques pelo corpo sabem onde vão estar mesmo escorregando em lugares onde há tantas buzinas e algum carro quase nos atropela enquanto o frio congela as mãos que estão sem luvas e que se pegam com essas unhas roídas e sujas, sem cuidado e atenção, isso que a gente se dá quando se olha no espelho mas não quando se olha espelhado em alguém que necessita por isso.

tempo eu pisca cinzas e cinzas morte todasascores pisca pisca você e você vira todas as cores

Você e eu buscamos tantas cores que se fundem num giro rodopio de emoções em apenas uma, feita de branco e cinza e negro e um pouco do meu vermelho que é o seu cigarro, e corremos para elas para sermos bem mais do que meros borrões nessa avenida onde ninguém nos vê porque não existimos, porque isso não existe assim como todas as drogas que escorrem dos teus lábios trêmulos de frio dessa primavera que se aproxima com o um céu nublado e promessas de chuvas e eu queria ser você para que você me amasse com esse teu amor próprio demais e vasto demais como todas as cores que você vê em mim e eu vejo em você mas que eu possuo apenas uma cor, a cor dos teus olhos cinzas, que eu corro e corro e rodopio e giro e viro apenas uma cor entre todas essas que eu possuo na minha camisa listrada e no meu all star rasgado sem sola alguma.

depois por dia olhos mundo tarde tarde hoje sempre sol hoje fragmentos sol místico lua amor fragmentos ontem

Amanhã que é o seu ontem que já é o meu hoje que meramente é a porra do dia que não viveremos porque jamais vivemos isso que achamos que é uma geração frustrada com uma vida que se diluí nessa bebida barata que nos servem e que eu não sei o nome porque eu já nem sei mais o meu nome e o porquê do seu nome não sair da minha cabeça e da ponta dos meus lábios mordidos por mim mesma de ódio e desejo, mas eu seria qualquer nome que você pronunciasse e eu seria qualquer uma enquanto eu te espero quem sabe aqui nessa esquina, eu fumando qualquer cigarro e você o seu de sempre que não sei o motivo que me leva a comprar ás vezes sabendo o quanto isso vai destruir os meus pulmões que precisam estar saudáveis para berrar pelo teu nome porque você assim como todos esses que passam correndo pela minha vida não me verão se eu não gritar e gritar e somente gritar.

Maybe, I'm amazing


Apenas estou assim colando recortando amassando e jogando no lixo isso que você diria ser loucura, eu digo ser lucidez, você diz que é irracional e eu diria que é simplesmente amar.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Uma balada de amor & outros sentimentos inúteis

Para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter harmônica ou violão. O essencial é querer cantar. Isto é, portanto uma canção. Eu estou cantando
(Henry Miller).
Não apenas amor é o que se perde
quando se perde o amor
Quem perde o amor-próprio
perde também o próprio amor
Mas ainda em minha pele conservo este
que envolve o corpo de Joana D'arc
e escorre pelos meus lábios sujos de cigarros & ressuscita emoções das quais foram rasgadas pelas garras do delírio
e que
é tanto que não compreendo
Talvez precisarei ler o zodíaco
quiromancia búzios astrologia bola de cristal feitiçaria cabala macumba ciganagem vidência dados ocultismo espiritismo bíblia
estudar minhas próprias víceras e arrancar todo o simbolismo dos intestinos
(Adieu Baudelaire)
A verdade
[a única
verdade]
é que os sentimentos
tem que ter carne
para que possam
sangrar
e manchar teu peito de vida
Doer
para que saiba que não está
assim tão morto.
Digo
nada mais foi destruído
(nem mesmo tua imagem infernal ofertando teu sagrado coração de merda)
exceto minhas ilusões.
É preciso ter sexo nas idéias
para que nasçam revoluções
Penetra-me com o vigor de tudo o que sente
com tuas palavras
(ou enfia-me um Vinícius de Moraes bem fundo entre minhas pernas e
um Neruda ao pé do ouvido)
para que eu possa explodir de amor
(essa loucura em que as pessoas se dizem tão lúcidas)
E
o prazer que deixar o meu desejo
estará em suas mãos
A poesia
que calar em meu silêncio
estará em teu espírito
e é apenas isso que eu preciso dizer
antes de finalmente dizer que te amo
(que ainda há de se infiltrar vagarosamente em tuas veias e te fará arder até coagular em teu peito)
E a morte dos meus lábios em seus lábios é o último suspiro da história.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Singela homenagem aos poetas de merda.

Aos neo parnasianos de merda
que lapidam por horas e horas
seus versinhos de merda
Reverencio Walt Whitman
por ter deixado suas folhas pelo caminho
de Lisboa à Nova York
onde posso tomar um café com o mestre Caiero à tarde
e a noite
encher a cara com o companheiro Ginsberg
e seus parceiros na galeria six
enquanto todos uivam por uma América Abstrata
No meu grito
não há métrica que meça meus sentimentos
e nada rima
com minha verdade
que se esconde nua
pelas avenidas
e se deixa atropelar
vez ou outra
por um sonho acelerado
pelo ritmo das ruas de São Paulo
(que não consegue parar teu sorriso
preso no trânsito das minhas lembranças)

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Cântico aos desvairados de saudades e crentes em piadas sem graça.

Eu quase não vejo os meus passos, eu mal vejo o caminho esparramado à minha frente de rosas e asfalto em brasa que os meus pés sentem como se o fosse tua pele em seda se rasgando. Eu vejo muita coisa ao longe, porque longe elas devem estar de mim, coisas que os meus olhos mal podem saber se são reais e os meus dedos se desfazem ao tocar. A minha vida é feita de todos os quases e de tudo que não posso ter, sob o signo de uma lua tão branca que quase é azul, que quase inspira esse ar que esmaga meus pulmões acinzentados como os teus olhos perdidos por aí e dentro de mim, que tudo vê, como as incertezas que carrego comigo aonde quer que eu vá, mas prefere cegar-se com a noite que trago junto com os meus cigarros e com todos os grande amiúdes amores que me comem como um cancêr. A tua voz cala a minha e todas as outras num silêncio atormentado de saudade que ecoa no ar que expiro.

Colore em tons carmins os meus olhos com os teus lábios entrabertos em breves sorrisos que arrastam essa tarde e trazem tão logo a branda lua que se espelha em teu corpo. Você, leve como qualquer coisa que deixa-se levar pelo simples movimento do vento, tão leve como a nossa infância que se esconde nos rabiscos pelas ruas, das berlindas e das amarelinhas, onde eu não sabia que o inferno era jamais ter conhecido ou jogado a pedrinha no céu. O inferno era sentir aquelas tardes se evaporarem, agora somente a neblina sobre nossas cabeças, inalcansável, da qual eu respiro e sinto arder longamente em minha memória em preto e branco, tons de poeira em sépia(e eu nem me lembro do sabor daquela felicidade). E em algum devaneio que assombra meus olhos quebrados, estes meus ouvidos surdos de verdades, você vem flutuando e dançando dentro e muito mais além dos meus sonhos, em algo que parece e talvez seja uma oração a um Deus muito maior do que este que é trancafiado dentro de todos os templos do Universo. Mas ele cabe exatamente dentro do nosso peito.

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Dançando Descalço

Em comemoração à 1 ano da minha primeira publicação na mojobooks
http://www.mojobooks.com.br/





Estamos dançando descalços esta noite e você põe os seus pés sobre os meus talvez para não sentir frio ou apenas para ficar no meu tamanho, enquanto essa estranha música se desenha no ar. Eu te conduzo entre velas espalhadas pelo chão e taças com restos de vinho mesmo sem saber os passos, e você apenas confia em mim com este seu olhar fixo no além desta sala e esse seu sorriso tão espalhado por todos os cantos da minha vida. Eu tenho a pesada sensação de que estamos flutuando em nossa última canção, nesta última dança onde tocarei o seu corpo pela última vez com minhas últimas lágrimas, essas que você não poderá sentir e devolver. E eu estou com medo desta música terminar, de você se despedir e por algum motivo que eu jamais saberei, nunca mais voltar. E eu te quero, meu deus, como eu te quero para sempre sobre os meus pés dançando entre essas taças e velas, flutuando. Te abraço e te deito delicadamente no chão mas você não parece se importar. Ainda dança e flutua pelo ar em sua ilusão de felicidade, que afinal eu nunca lhe proporcionei. Teus olhos inundados de vinho me fazem acreditar na mentira de que nada será mais pela última vez.

Eu vejo morrer o outono em seus olhos da cor da minha morte e incertos como a minha vida, e uma rosa cárnea desabrochar em primavera entre suas pernas embebidas em fel e que eu não posso tocar ou colher. Tentativas inúteis entre seus movimentos delicados conforme a canção que ainda preenche o ar durante nossa última noite. É fácil pensar em suícidio quando não estou com você e é melhor manter-se ébrio quando você está longe e eu sei que mesmo que volte, ainda estará longe dos meus braços e do meu amor. Minha benção e minha maldição e toda a desgraça da minha felicidade incompleta. Entre cigarros e papéis nunca surgiram poesias à você por mais sujas e líricas que fossem minhas inspirações noturnas após o sexo, quando eu me sentia sozinho em seu corpo vagando pelo vazio do seu amor.

E você continua pura entre meus braços que se confundem entre os seus, nessa dança frenética sobre o carpete onde você não quer mais ser conduzida e quer que troque a canção, mas eu quero que seja esta e pego suas mãos que antes já foram minhas com tanta calma e as faço percorrer pelo meu corpo em febre. Seus gritos me soam como uma oração a algum Deus muito bom. Gozo sentindo suas lágrimas misturadas a todos os meus fluídos, enquanto você se afasta de mim procurando mudar a canção.

Agora ela é triste, assim como os seus olhos.

Agora ela é desesperada, assim como o seu adeus entre gritos de ódio e taças quebradas de vinho e sangue pelo carpete.

Agora ela termina, como em breve farei com a minha vida.

Estou dançando descalço mas ainda sinto o peso dos seus pés sobre os meus.



terça-feira, 6 de outubro de 2009

Canto aos últimos dias da minha vida.

Chegou a hora
em que a gente se ergue e em que fala
aos séculos
à História
ao universo...
(Maiakovski)


Este mundo é um paraíso, veja: cada demônio
estrangula mil almas antes de sucumbir
Consumidor ou contribuinte, concorrente ou trapaceiro
o homem tem que vender seu sangue para continuar vivendo

As serenas virtudes, teologias ou ignorantes filosofias
se reduziram à sua exata expressão financeira
Todos se dizem cristãos, mas seu único Deus
é o dinheiro com que pagam o direito de continuar mentindo.

Os mercados e as lojas, os armazéns e as feiras
expõem nas vitrines a produção dos famintos
E os jornais exibem em vermelhas manchetes
a felicidade de quem conseguiu ganhar muito com isso.

O sex0, o prestígio, a crença, a liberdade
se disputam e se compram como qualquer mercadoria
que possa ser levada dentro de qualquer bolsa.

As máquinas me penetram e me deformam por dentro
por saberem que eu quero continuar o que sou
A dor assumiu a forma de passagem para o céu
e o amor não se pratica, porque é caro e perigoso.

Os exércitos se armam por todas as gerações
e nos agridem ferozmente em nome da defesa
As armas cospem balas tão suaves e doces que não matam
deixam vivo o morto, para lhe cobrar suas dívidas

A guerra devora o que resta dos espíritos
e o governo decreta que o povo deva se sentir em paz
A vida humana? Vale tanto quanto o nada.

Olhando o espaço, onde a luz corta a poeira
eu prevejo o meu mundo - presa de corpo e alma
Agrido meu semelhante, e sorrio
chamo meu governo de corrupto, renego meus votos
e saio cantarolando meu orgulho de nascer e renascer nesta terra

Por este mundo, que deve ser a entrada para o inferno
passo
e atiro minha alma na mais próxima fogueira.

A poesia de amanhã
será feita pelos poetas de amanhã
Então, se precisarem de uma imagem destes tempos
os restos do que fui respoderão ao infinito onde estiverem.

domingo, 4 de outubro de 2009

A love supreme.

Co autoria de Bernardo Brum

You don't know how hearts burn
For love that cannot live yet never dies
Until you've faced each dawn with sleepless eyes
You don't know what love is
(Billie Holiday - You don't know what love is)



Com seus olhos de ópio e cão andarilho uivante, caminha por aquelas ruas que exalavam o mais puro jazz, feito de gemidos de prostitutas que se vendem por poucos cents ou por um mísero pico, músicos vadios que prostituem seus instrumentos para que notas macias e penetrantes como os tiros ao longe, gratuítos de dívidas viciosas, ecoem soltas e perdidas pelo ar sujo de noite e amargura. A única canção de amor que New Orleans conhece.

Ele não tinha resposta para isso, ele não sabia como resolver isso, ele pouco ou nada sabia. Ele bruxuleava com seu saxofone tenor por aí, na cobertura de prédios, nas varandas da vida, espectador do desespero, voyeur da podridão, em eterna e triste busca por uma nota perfeita, uma nota misteriosa, que não tenha elucidação, que nunca dê para ser transcrita, um sopro final, um uivo rasgado de um filho da puta condenado por si mesmo a só contemplar, a só assoprar, ele nunca vai chegar naquele momento, aquela curva ascendente, os joelhos dobrado, a lufada de ar inchando o pulmão, os lábios grossos circundando com sangue tesão e cuspe a trombeta divina dos anjos tortos e então virar num ângulo meio círculo soprando o sax tenor com toda a força que consegue, ele estaria morrendo, isso seria um post mortem, e jamais um carpe diem, e ele continuaria assoprando e seus olhos arregalados que lentamente vão se fechando e se esperemendo e sua respiração ficaria cada vez mais fraca e ele cometeria suicídio em pleno palco suicídio por asfixia iria vomitar seus pulmões fora apenas porque cansou de ser espectador e ele quer vomitar tudo num último sopro, transcendência, isso aí, ele não teria.

Ele estava é fodido. Mas seu sax o inocentava de todos os seus pecados, ali, sobre o qual seus dedos deslizavam como se deslizassem pelo corpo da mulher amada, onde seus lábios encontram os lábios macios e exatos onde, ele e todos, encontrariam no gozo a redenção. A tão sonhada redenção através do amor, esse amor que incendiava New Orleans, que incendiava as casas noturnas, os pianos, as baterias, os violões, os baixos, os saxofones, incendiava o jazz em cada santa nota que flutuava sobre aquele ar carregado de cigarros, charutos, heroína, cocaína, sexo barato e solidão.
Ele tinha que ganhar a vida, a perdia nas mesas de pôquer, precisava mudar. Tinha que apostar na vida, ela sempre ganha.

Lazy Bird, estaria em 2 ou 4 minutos, a incerteza era tão certa quanto a saudade.
Dela, ônix que escorria pela pele, diamantes que cortavam no olhar, que procurava algo mais do que ópio nos olhos dele, mas algo a lapidá-los. Dos lábios rios de sangue e desejos libidinosos. Todo o sexo ali, exposto, naqueles lábios cruéis que atiçavam e não se abriam em beijos, onde sua língua ousaria penetrar em explosões contínuas de orgasmos. Seu pau ficava duro só de pensar em beijá-la, tinha que se controlar, jogar aquele tesão todo no seu sax. Ele era seu membro rígido, seu motivo de orgulho perante todos os homens, o que levava as mulheres a orgasmos nunca antes atingidos, e elas, e eles, e todos, pediam mais e mais e mais. Grandes noites no Lazy Bird, grandes trepadas com o público. Fazia tanto sexo subjetivo que sentia falta do explícito.

Lazy Bird, casa cheia de cãos como ele, tão absortos em seus infernos pessoais paradisíacos que não percebem sua grande entrada. As putas, de canto, o sorriem, sorriso sujo de gozo alheio. Mas ainda assim, o mais puro de todos os sorrisos, o de reconhecimento. Devolve o mesmo sorriso de reconhecimento, o que seriam dos homens, sem as bocetas amigas das putas?
Toma o palco como seu, por direito. Despe seu grande membro dourado, encaixa em seus lábios. Uma pausa, um suspiro.
Como um anjo destituído de paraíso, estaria ali, com sua música-oração-a-um-deus-maior-que-aquilo, fazendo com que todos, inclusive ela, se entregassem á redenção. Que se perdoassem de seus pecados, de todos os pecados. Onde as putas seriam pobres moças virginais e ela, demônio, mais um anjo como ele.
Era o que queria, mas dos lábios, era só sexo que saia. Era sexo que invadia aquelas carnes, era sexo que aquele olhar ansiava, era sexo que o movia, que dava vida ás notas. A alma incendiava aquilo, os olhos eram apenas brasas. Os lábios, chamas.
O amor supremo, esse ficaria apenas no seu peito. Única coisa pura que poderia oferecer a New Orleans em noites como essa.


Na última nota soube, não adianta. New Orleans toca sua própria música.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Direito de resposta

Katrina pediu meus conselhos médicos. Eu Disse para usar colgate proteção total contra os dentes e comprar lixa grossa para os pés. Ela riu para amenizar a dor, se enterrava pouco a pouco, meio morta, quis viver algumas horas a mais, olhando fixamente para os dedos que mais pareciam tocos de cigarros apagados. Tenho receitas para dor, venderia pelo amor de alguém que me trouxesse um samba mais feliz que o meu. Ela não seguiu os meus conselhos, boa bisca que ela é, decidiu desviar os trilhos e acordar sozinha por debaixo do coração de são paulo. Ela escreve clássicos, enciclopédias de dramas na parede de seu quarto, recita poemas para bêbados que beijam a sua mão. Mora longe porque está muito perto.

(De Leandro http://letediz.wordpress.com/category/kl/)

Resposta

Esses dias encontrei Leandro num supermercado, dizia ele que precisava comprar Clarice para o almoço, estava de dieta, parou com o Trevisan nos intervalos para o lanche. Eu só estava ali porque meu Henry Miller só deu para um copo ontem a noite e eu não queria manter essa minha sobriedade por muito tempo, coisa mais triste ir dormir sem os lábios humedecidos de libertinagem. Falando nisso, me perguntou se me senti ofendida por ter me chamado de boa bisca. Absolutamente que não, eu disse, se me chamasse de puta, mesmo se eu não a fosse, eu seria. Faço de tudo para caber em seus textos. Ele disse que eu andava fácil, e eu ando, meus passos estão cada dia mais leves, por sinal. Sorriu, e porque não iria sorrir se eu estava enfiando sorrisos naqueles lábios? Doí de ínicio, com o tempo você se acostuma. Aliás, to procurando um inseticida, disse a ele. Sabe a vagabunda da Hilda Hilst? Andou me assombrando dias atrás, não me olha assim, eu sei que ela não está morta. Ela fica falando com Lennon pelas minhas costas, a vadia, e ainda por cima, fica tocando ao contrário meu Abbey Road repetindo cranberry sauce nove vezes, só para que não saia mais da minha cabeça. Diz ela que conversa com os espíritos, acredita? Ele acreditou, sempre acredita em cada palavra minha até quando nenhuma palavra minha existe. Posso pedir um favor, dizia ele enquanto enchia a cesta com as frutas do jardim elétrico, já que ela fala com mortos, vê se ela manda um recado meu prá Ana Cristina Cesar? É claro que sim, única resposta cabível, os nãos não me cabem, sabe disso. Qual seria? E ele, diga prá avisar que a ana é a melhor poeta que já existiu.
Com tanto veneno, prá quê inseticida?
Eu sei que ele saiu rastejando e ao virar a esquina saiu voando.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

De hoje e amanhã num ônibus.

Mariana resolveu que faria francês, ideia que há muito tempo fermentava em seus pequenos desejos mas que ainda não crescera. Mas o aroma permanecia ali, sempre a lhe lembrar do que prometera a si mesma num dia em que ouvira Anna Karina, meio sarcástica, bem apaixonada, dizer "Jamais je ne t'ai dit que je t'aimerai toujour", desfilando com aquele robe azul. A legenda dizia " Eu nunca disse que sempre vou te amar", mas para Mariana, soou como se Anna tivesse dito "Eu vou te amar para sempre", e com aquele sorriso e aqueles olhos encarando o pobre Jean Paul numa breve dança sustentada por suspiros, não era para se entender isso?

Convencera aos pais da sua idéia, usando de todos os argumentos possíveis, desde lágrimas de crocodilo de bolsas falsificadas até promessas de se rebelar contra qualquer ordem, uma fuga ensaiada de casa, quem sabe. Desistiu da agressividade e do drama, apelou para a realidade então, já que, para eles, seria muito conveniente que a filha fizesse francês. Era algo a mais para falarem aos seus amigos do clube, imaginem, nossa filha de 12 anos, além de falar inglês e espanhol, agora também fala francês!

Descrentes da excentricidade da filha, fizeram a matrícula na melhor escola de francês da cidade, indicação de alguns amigos que já haviam feito o mesmo curso. Sentiam-se felizes, como se a pequena de repente houvesse se tornado uma pequena mulher de grandes decisões. Não conseguiam esconder o orgulho e uma certa nostalgia, do tempo em que era tão dependente e tão pequena que cabia em seus braços. A menina, ao perceber a mudança dos pais de comportamento, agora tão corujas e doces como jamais foram, ria molemente sobre a cama. Se estavam assim, antes que ela aprendesse a falar qualquer coisa em francês, imaginem como ficariam depois das primeiras aulas? Bobinhos.

No primeiro dia de aula, decidira relutante que iria sozinha ao colégio. Os pais, preocupados, tentaram convencê-la a ceder ao menos isso, uma carona não faria mal a ninguém, se fosse vergonha, eles a deixariam na esquina mais próxima. A garota apenas dizia que da mesma maneira que escolhera falar francês, também queria a mesma liberdade de escolher como queria ir ao colégio. Não era vergonha, explicava, mas não era mais uma menininha, queria saber caminhar sozinha usando suas próprias pernas. Queria apenas que lhe explicasse qual ônibus deveria pegar, em qual ponto deveria descer. Se pudessem detalhar quantos passos dar, seria grata. Novamente, os pais, com o orgulho engasgado, descreveram todo o itinerário à filha, já que não havia mais o que fazer.

Mariana então pegou o ônibus no ponto próximo a sua casa. Subiu sôfrega os degraus, quase trêmula. Todos os medos juntos com as apostilas dentro de sua mochila rosa, o coração trôpego que ora batia no lugar do estômago, ora aparecia tão próximo dos rins. Procurou algum lugar onde se sentar, tinha um vago ao lado de um rapaz distraído com seus fones no ouvido e camisa de banda gringa que ela jamais ouvira falar antes, em uma outra ocasião até o acharia gatinho se não fosse o balanço do ônibus e o medo de prestar mais atenção no garoto do que no seu ponto. O outro lugar vago era ao lado de uma mulher, bonita até, um tanto familiar para se falar a verdade. Desconsiderando os hormônios pré adolescentes, sentou-se ao lado da mulher.

A medida que o ônibus avançava, o medo aumentava. E se passasse do ponto? E se o ônibus fosse assaltado, porque havia tantas notícias assim nos jornais de seu pai que achava que era muito provável que todos os ônibus fossem assaltados? E se, aquele cara negro de boné e roupas largas, perto do cobrador, estivesse mexendo em uma arma dentro do bolso? Tantos "e se" passaram por sua cabeça, que mal percebera que o que o jovem tinha em seu bolso era apenas um celular e que o olhar da jovem mulher ao seu lado, recaíra sobre sua face séria, traçado por várias linhas de desespero.
Preocupada com o seu ponto, que não saberia se poderia ser o próximo , perguntou então a mulher, se faltava muito para seu ponto chegar. Conteve a vergonha, esboçou um sorriso sereno, e arriscou:

-Moça, por favor, sabe se demora muito prá chegar até o ponto próximo à escola de idiomas?
- Daqui uns 15 minutos, eu vou descer um ponto depois, qualquer coisa te aviso.
-Ah tá, obrigada.
- De nada, aliás, espero que não me interprete mal, mas fiquei olhando para você e vi que parece tanto comigo, nessa mesma idade. Tem os mesmos traços que eu tinha quando ficava com medo
- E quem disse que eu estava com medo?
- Desculpa, eu só disse que parecia comigo. Faz algum curso de idioma lá na escola?
- Vou começar a fazer francês hoje.
- Olha só, que legal. Eu também comecei a fazer francês com a sua idade, mais ou menos. Acho que fiquei até uns 16 anos fazendo o curso. Todo final de ano eu preparava minhas malas, esperando que os meus pais pagassem uma viagem até Paris. No final, eu mesma que tive que arcar com ela.
- Ah não, eu não quero ficar tanto tempo assim fazendo francês, pretendo fazer só para entender o que falam nos filmes franceses. Sabe, meu tio tem uma coleção de filmes, até agora só consegui assistir os franceses. Mas sempre assisto escondida dos meus pais, eles não gostam que eu assista filmes de adultos.

- Mas que bobagem a deles! Na sua idade, eu decidi fazer francês quase pelo mesmo motivo, acredita? Lembro que assisti na tv ao Pierrot le fou, não sei se já viu esse filme. Numa cena, uma atriz, a Anna Karina, vestida num robe azul chega perto do mocinho e diz: Jamais je ne t'ai dit que je t'aimerai toujour, assim mesmo, fazendo o mesmo biquinho. Achei tão lindo na hora, sabe, a maneira como ela movimentou os lábios, como sorriu para ele, como ele suspirou bem baixinho que quase se dá para ouvir, mas dava prá perceber que ele estava completamente apaixonado por ela. Não consegui acreditar que ela tava dizendo que não o amaria para sempre, poxa, os olhos dela diziam outra coisa, tanta coisa, pareciam que diziam que ela o amaria para sempre. Achei que a legenda estava errada. Queria ver o filme sem legendas, por isso, fiz francês.

Mariana sentiu que suas pernas ficaram um pouco sem força e não conseguia respirar direito. Coincidência demais? Preferia acreditar que nada, mas nada mesmo, passava de mera coincidência. Um monte de gente deve ter feito aulas de francês por causa de algum filme do Godard, óbvio. Ainda mais se fosse o Pierrot le fou, em questão. Queria saber mais sobre a estranha, que não era assim tão estranha afinal.
-Posso te perguntar a idade ou você se sentiria ofendida?
-Claro que pode, ainda não me sinto mal em dizer que tenho 31 anos. E você? Parece ter 12 anos, estou certa?
- Sim, mas logo faço 13 anos. Você trabalha do quê? Fez faculdade? Morou em Paris mesmo?
- Calma, uma pergunta por vez minha querida. Nunca me fizeram essas perguntas dentro do ônibus, fico um pouco acuada assim, tudo bem? Vejamos, eu só fui para Paris uma vez, antes de me casar, mas fiquei pouquíssimo tempo. Aí terminei a faculdade de letras, comecei trabalhando como tradutora de livros franceses, os mais recentes. Aí me casei, não deu certo, fiquei com depressão, larguei o trabalho. Me afundei em dívidas, vendi meu carro e agora estou indo trabalhar como assistente em revisão, numa editora. De ônibus. Aliás, teu ponto tá quase perto.
- Nossa, e porque não deu certo seu casamento?
- De certa maneira ele foi o único cara da minha vida. Fazíamos francês juntos, quando me apaixonei por ele. Durante 4 anos fomos bons amigos, depois grandes amigos, aí namoramos, brigamos várias vezes. Aí eu fui para Paris com 17 anos, mais para esquecê-lo do que para aproveitar a cidade e viver meus sonhos, e quando voltei aos 18, não teve jeito, acabei voltando para ele, e no final nos casamos. Bom, no final mesmo, nos separamos. Foi trágico, trabalhávamos juntos, os mesmos amigos, os mesmos comprimissos. Sempre os mesmos filmes, os mesmos livros, as mesmas músicas. Com o tempo já sabíamos o que um ia fazer antes mesmo que este soubesse o que faria. Surgiram brigas, ele me traiu, eu o traí. Aí surgiu o divórcio, tão doloroso! Quase me matei, de tanto desespero. Aí contratei analista, advogado. Aé mãe de santo prá me livrar de tanto mal olhado, se fosse o caso. Olha, teu ponto é o próximo pequena.
- Afinal, porque tá sendo assim, tão sincera com uma menina de 12 anos?
- Querida, quem já assistiu Godard, já assistiu o que é a vida de verdade, sabe, pelo menos, o que começa a ser a vida de verdade depois que a gente descobre que estamos vivos. É daquela maneira mesmo, um pouco romantizada mesmo, ás vezes sem o esperado final feliz. Esperamos que em 2 ou 3 horas tudo aconteça de uma vez, e não é bem assim. Ela nem acontece, a vida. Mas não fica assustada assim não, é a gente que escreve ela, não nenhum francês pirado, fica tranqüila. Claro que se a gente sabe antes como a história pode terminar, ainda dá tempo de reescrever as primeiras cenas.
-Obrigada pelo conselho, senhora. Qual seu nome?
- Mariana, e o seu querida?
- Flávia.
-Teu ponto. Boa sorte na primeira aula, Encore plus!
-Ah?
-Assista Felinni, e Bertolucci. Não deixe os americanos de lado, nem os alemães.
- Obrigada!
-Até mais!

Mariana desceu no ponto. Resolveu ligar a cobrar para os pais, para que a buscassem. Não sabem, no meio do caminho, falaram sobre Berlim e de como a Alemanha vai ser o país mais importante de toda a Europa. Acho que alemão é uma língua mais importante do que o francês, não acham?