quinta-feira, 26 de março de 2009

Bilhete.

Para Douglas
após ouvir Augusta, Angélica e Consolação.
nossos passos ainda estão lá, as promessas também



Sobre teus olhos recaíram todos os neons de todas as ruas de todas as esquinas de todos os faroís de todos os bares de todos os sorrisos ébrios e desesperados de todas as infímas cores que essa noite nos apresentou vestida de veludo como a sua pele jogada sobre a minha sobre a maciez dos teus lábios de linho das tuas mãos etéreas pelo meu corpo de pedra rolante em grama e asfalto e de complexidades incompletas como aquela canção do Tom Zé sussurada em meu ouvido enquanto seu dedo entrava dentro da minha vagina e me fazia urrar de amor e a tua língua redescobriu meus lábios escondidos
redescobriu algo melhor em mim, tua língua
pronunciou o meu rosto em letras em pequenos trechos de músicas de ruas de estradas de poesias reinventadas do amor inventado e verídico que só você tem e me ofereceu, aceitado de todo o coração e de toda a minha vulva, preenchendo as lacunas reservadas para isso, placas e setas, não há como se perder de mim, por favor, não deixe que eu me perca de mim.

[Porque agora é outro rosto dentro do espelho
que sorri por ver os teus olhos em meus olhos]

Dentro dos seus abraços coube uma avenida coube o meu peito coube minha esperança coube todos os meus vastos desejos de ser e estar feliz e eu entrelaço meus dedos neles e percorro as ruas próximas esperando que elas não tenham um fim.
Eu só os abandono para pegar um bilhete premiado dourado escrito com tinta vermelho berrante e azul piscante, na próxima esquina perto da [algo que deve ter sido escrito por alguém lá da Frei Caneca
de pêlos que crescem disfarçadamente e maquillage saltos 25 cm e cabelos postiços peruca vagabunda comprada na 25 de março ou no Brás, 50 reais por tudo por uma noite sendo humilhado, mas garante, é incrível,
não vá se esquecer disso.
É quase como se estivesse de olhos fechados em algum puteiro sujo da baixa Paris com alguma francesa
sábia em boquetes
feche os olhos, pense nisso, pague os 50.
É elegante]

(Augusta mandou dizer que te ama e que sente falta dos seus passos sobre ela)

Recado lido, entregue em mãos.
O meu, entrego no beijo

não vá se esquecer de mim.

segunda-feira, 23 de março de 2009

Março, mon amour

Andei
sobre trilhos de várias estações até que eu encontrasse alguma que me levasse até você, talvez eu tenha errado, tenha escolhido o caminho mais curto e menos sinuoso e talvez eu tenha encontrado outra pessoa no final dele, mas é março, você poderia dizer que todos os caminhos do mundo me levariam à você e eu digo que todos os caminhos do mundo me separam de você.
Só encontrei outono
encontrei um céu que não se abre em azul e vermelho pelas ruas de São Paulo
(procurando o céu-da-sua-boca)

Sentei numa esquina, uma moeda em mãos, nem cara ou coroa. Dei para um artista nobre, rico com sua música e roupas sujas e sorriso em farrapos, mas ele cantava a nossa canção, aquela que você nunca irá ouvir. Meu coração batendo na cadência da saudade acelerada pela noite em brasas.
[mas eu irei cantar para você, porque eu só preciso de algumas notas e muita inspiração paixão desejo amor & toda a eternidade. Eu vou cantar. É essa a composição de todas as melodias harmoniosas]
Andei
mas ainda é março
ainda é outono
mon amour, ainda é você

sexta-feira, 13 de março de 2009

De milagres inacreditáveis.

Vá lá dizer a todos o que você tem de dizer e diga que eu fui um cretino, diga que você foi a pobre menina que amou demais e se entregou demais a um abismo cheio de belas ilusões, aproveita e diga também que eu nunca soube te tocar que, você sentia muito frio ao meu lado, desse frio que se sente dentro do peito. Vá lá, pode dizer isso, diga que o que vivemos foi frágil, caiu e quebrou e sem reparos, não adianta, você tentou a vista de todos juntar tudo e colar com dedicação, mas não adianta, eu só ficava esperando um milagre acontecer, e pode dizer que nunca fomos crentes em milagres.

Eu não me importo mais que todos saibam a sua verdade, e eu sei que eles serão como você, vão me odiar por coisas das quais eu sei e você sabe que eu não fiz, e talvez seja por isso que me odeie, afinal. Eles não precisam saber que eu te amei demais, digo, muito mais do que eu era e sou capaz de amar, que fui ao fundo de tudo para te encontrar, que me entreguei e deixei-me ferir como se você fosse uma bala que detroçasse o meu peito, tiro de canhão, bomba nuclear. Fui eu que implorei para que os mínimos pedaços se reconstituíssem e ficassem inteiros sem marcas, como se fosse um milagre, mas então você me lembrava que milagres não existiam.

É, eu chorei, rastejei atrás de você como um verme, isso, eu fui um verme rastejante, eu fui menos do que um verme, tenta imaginar agora algo menor que um verme, será que existe? Então eu fui um grande vazio quebrado atrás de você, implorando para que a gente pudesse consertar o que se foi desmanchado, eu estava assim e você parecia tão inteira e tão convicente que eu admito de tão reais que foram as suas palavras contra as minhas que não conseguiam ficar em pé, que me fizeram acreditar que eu sou repugnante, e que eu fui culpado por tudo e por não ter te feito mais do que mais uma mulher, e você merecia ser bem mais do que isso, merecia ser feliz. Felicidade acompanhada, um ritmo só.

Vá lá, diga isso porque eu sei que é o seu consolo. Melhor acreditar que ninguém lutou, ficar imaginando vários finais, sorrindo perdida para cada um deles, quebra cabeças colorido e berrante. Sendo feliz com a sua imaginação contendo a minha.

Louros da vitória para você, fracassada.

Pedras para mim, intocáveis.

Não vou dizer que chegamos a todos os finais possíveis, não quero esgotá-la deles.

O seu sorriso ao me imaginar outra pessoa ainda é, e sempre será, o único milagre no qual eu acredito.

terça-feira, 10 de março de 2009

O que ainda há.

Ainda carrego o encanto das suas retinas
sobre as minhas pupilas dilatadas
pela noite que ainda não acabou.
Encontro algo mais do seu sorriso
sobre o meu sorriso desorientado
e inacabado, sufocado pelos travesseiros.
Toco a sua pele
sobre a minha pele demarcada
pelos lugares em que você nela esteve.

(Me resta saudades, sobra)

domingo, 1 de março de 2009

Diamante contra mármore

Eu a olhei, sim eu a olhei porque ela estava me olhando, e ela poderia estar olhando para qualquer outro mas não, foi alcançar os meus olhos entre tantos outros que estavam perdidos naquela festa, e, só por isso a olhei, mas eu não sei como ela é, só sei que a olhei como ela me olhava e eu jamais saberei então a cor daqueles olhos intactos aos meus de pedra mármore.

Ela simplesmente me olhava, não sei desde quando, mas me olhava sem reparar no meu terno alugado e já tão gasto e fora da moda e do meu cabelo sem corte algum, ela só me olhava como se isso não fosse nada, como se só eu e ela estivéssemos ali, mas meus amigos estavam falando sobre alguma coisa e eu só estava tentando extrair daquele silêncio frases inteiras sobre ela ou eu. E enquanto aquele silêncio me assombrava, eu ia bebendo qualquer coisa da qual eu só ia me lembrar no dia seguinte.

Todos ali pareciam tão parte daquela festa, coisas inseparáveis e mescladas, mas ela e eu não, estávamos a parte disso, alguma piada social de mal gosto da qual só íriamos rir depois de muito tempo, juntos. Ah, eu tentei reparar em sua roupa, esquadrinhar seu rosto, percorrer os detalhes do seu corpo, mas não, era só os olhos e somente eles, assim para mim como para ela.

Eu não ia me aproximar dela e nem ela de mim, era como um acordo de respeito mútuo, mas em que ambas as partes estavam prestes a ignorar. A maneira como me olhava me desmontava em pequenas peças de um infinito quebra cabeças que ninguém, a não ser ela, se atrevia a montar. O meu olhar sobre o dela não a afetava, era o que me parecia. Seus olhos apenas riam para o meu explícito medo de adolescente ao ser visto nu, com tantas partes que não eram assim agradáveis de serem vistas. Mas eu não me sentia ridículo, me sentia bem em saber que ela não estava assustada com o que estava descobrindo. Eu estava ali, totalmente aberto à ela e eu sabia que ela estava se abrindo para mim através daquelas enormes pupilas de diamante (diamante, pensei logo, destroí pedra mármore), talvez ela também queria que eu descobrisse o mesmo que ela havia descoberto em mim, como se fossémos iguais no fundo de nossas pupilas.

Eu ia quebrar o acordo, eu ia mesmo quebrar a merda desse acordo e ia sentir com os meus dedos as pálpebras daqueles olhos e só depois, só depois eu iria ver como ela era e isso, isso não me importava. Fui a passos largos e calculados, aquele medo terrível de que os olhos dela se fechassem ao me ver ali tão perto, mas não, estavam abertos como um abraço, e o meu coração ia contra a música lenta, violento e impulsivo. Diria a ela que ela poderia invadir muito mais do que dois velhos olhos cansados de ver oas mesmas coisas, perto dela tudo o que eu sentia estava renovado, tudo sabe, até todos os amores que vivi, é isso, já ia dizer a ela que eu a amava. Então eu ri, olhos fechados e nulos, ri de mim mesmo por estar vivendo esse momento, que nem eu sabia se algum dia alguma outra pessoa havia vivido.

Mas aí tudo foi tão rápido que eu mal pude aspirar um pouco daquele ar dela, eu mal pude tanta coisa que eu não consigo acreditar que foi mesmo, algo real. Abri os olhos, sorriso ainda esboçado nos lábios, preparado para mais um batalha, diamante contra mármore, mas e aí, onde estava meu oponente? A música alta, as pessoas altas quase que flutuando enquanto eu caminhava, passos frenéticos quase alguma dança de salão, penso agora que talvez um jazz sapateado, mas eu estava com o meu coração parado e os meus olhos a procurar os dela que eu não sabia nem como era, porque eu só olhava para ela e nada mais precisava ser visto além do que precisava ser visto. Respirei fundo e fiquei ali parado, como o meu coração e todas as minhas reações, todos dançando a música de suas vidas em toques nostálgicos pelos corpos suados. Se debatiam contra mim, uma estátua de mármore, não mais os olhos. Pensava se ela, em algum lugar ali, estaria também parada, desesperada a procurar pelos meus olhos para a guiarem para fora daquele lugar que não nos pertencia.

Peguei uma cerveja e sentei numa das cadeiras vagas do salão. Talvez ela também estaria sentada esperando que isso terminasse e novamente nos olhássemos.
E eu esperei a festa terminar para, só então descobrir, que aquele diamante havia riscado os meus olhos para sempre.