domingo, 27 de abril de 2008

Para não dizer adeus

Não vou abrir a porta,desista.Páre de bater,não seja tão inconveniente.Rezo para que canse,que perceba neste meu silêncio um adeus e se conforme com isso.Páre por favor,não me faça dizer o que já me é doloroso de pensar.Essas palavras sufocadas devem morrer em minha garganta antes de lhe chegar aos ouvidos.Guarde o nosso último olhar,o som do nosso "eu te amo",uníssono e compartilhado.Não vamos transformar isso em mais uma discussão,em que se encerrará com feridas abertas e lágrimas,em que você vai dizer que eu sou a culpada e eu,para não lhe perder,aceitaria calada.Em lágrimas eu lhe suplico que páre.Por que continuar?Estávamos saturados e cansados um do outro,mas apenas eu tenha percebido isso antes,ou o aceitado antes.Não bata mais essa porta.Não destrua nessas batidas violentas e nesse urros desesperados tudo o que de mais belo nos aconteceu
Já não tínhamos mais as mesmas intensas experiências,devaneios,excitações,surpresas e alegrias.Nossas conversas eram sempre as mesmas e prevíamos os atos um do outro.Nossas palavras não mais deliravam,ficavam estáticas em nossos lábios sem emoções presentes.O gosto dos seus beijos se tornou nojento.O que antes era algo que me extasiava,adocicava meus lábios e me envolvia em sua suavidade se tornou algo asqueroso,lábios frios invadindo minha boca com força e sabor de cigarro vagabundo.Muitas vezes tive que segurar a imensa vontade de vomitar.
Fazíamos amor.E era algo que me inundava de felicidade e me completava em movimentos delicados e amorosos buscando apenas o meu prazer e que no final ambos urrávamos de alegria e todos os sentimentos possíveis.Você era meu,eu era sua,éramos um,éramos todo o universo contido naquele quarto.Com o tempo virou algo triste e sistemático:movimentos mecânicos com o único intuíto de preservar o instinto.Me sentia algumas vezes estuprada.Eu já não tinha mais orgasmos e você nem me beijava.Tornei-me em sua cama uma puta velha e cansada.No final das transas/programas/estupros,me trancava no banheiro e com o chuveiro ligado,chorava,me rasgando por dentro,jogada no chão do banheiro como uma casca.E você fingia não saber disso.
Páre de bater a porra dessa porta! (ah,como eu queria realmente gritar isso!)
Você era um poeta,lembra-se?Algo como um Verlaine mais brando e menos vago,de versos musicais que flutuavam e encontravam um abrigo no meu coração.Ontem,ao arrumar suas malas,li seus ultimos poemas.Versos,meras rimas de alguém desesperado e perdido,que mostravam claramente e dolorosamente sua decadência.E você não quer aceitar isso,e vai insistir em escrever,mesmo sabendo que vão ser as mesmas merdas rimadas de sempre.E eu sei,confesse,que sua inspiração morreu por minha culpa.Eu não era mais a sua musa,a de vastos e longos cabelos louros que refletiam o sol,a do corpo deslizante e translúcido,de olhos azuis puros incendiários.Meu cabelo se tornou ralo,eu o cortei e pintei algumas vezes,engordei razoavelmente e meus olhos se tornaram tristes e cansados.Culpa sua.
Você começou a beber,a beber sempre e por qualquer motivo e sem motivo também.Achava que ébrio seria mais feliz do que sóbrio.Ah,esses velhos mitos urbanos...E eu lutei por você,lutei para que você parasse e você lutou para continuar,lutou contra mim,lutamos fisicamente.Meu rosto,o qual você tanto acaricíava com ternura,ganhou hematomas e cicatrizes.
Pouco a pouco fui saindo da sua vida.Iniciativa primordial sua,ao me esconder seus planos e a ter segredos dos quais,antes,nem pensávamos em ter,mas que no final acabei concordando em fazer o mesmo.Nos tornamos dois estranhos sentados num sofá brigando por um controle
remoto.Calados,inertes e frios.Você tinha amantes,e eu me masturbava no banheiro ou no nosso quarto ou em qualquer outro lugar.Você se afundava mais e mais nas bebidas e nos jogos e em tantas drogas que eu nem saberia enumerar,enquanto eu lia e relia os romances da Norah Roberts e do Sidney Sheldon,vivendo naquelas páginas tudo aquilo que um dia,de alguma forma,vivi com você.
Acabou,entenda isso nesta porta fechada,em suas malas pelo quintal e no som das minhas lágrimas caindo no chão.Te amo,é claro que te amo.Mas não posso lhe dizer adeus,não posso.Não com lábios inchados e morrendo de dor pelo corpo todo ferido.

quarta-feira, 23 de abril de 2008

Body and Soul*

-Leve o Coltrane.
-Como assim?
-Leve-o
-Mas você sempre me disse que adorava Coltrane
-Menti,nunca fui muito chegado em blues
-Jazz
-O que?
-Jazz.Coltrane é Jazz
-Ah,para mim tanto faz.São a mesma coisa
-É bem diferente
-Ah?
-Jazz de blues,bem diferente.Você realmente mentiu.
-Ah,desculpe-me senhora-eu-nunca-me-enganei-antes
-Tudo bem.Mas me diga,porque mentiu no nosso primeiro encontro?
-Sobre o quê?
-Sobre gostar de jazz.Você me perguntou se eu gostava,e eu respondi que sim,que eu amava jazz.
-Bom,queria te impressionar.Inicialmente queria te levar para a cama.Apenas não queria que você pensasse que eu fosse como os outros caras com quem você saia antes.
-Ok,agora você se mostrou terrivelmente igual a eles.Mas isso já não importa.De onde tirou o Coltrane?Você me disse que amava Coltrane
-Antes de ir te encontrar,estava nervoso,ansioso demais.Acabei ligando o rádio para tentar relexar um pouco.Foi quando ouvi Don't know what love is.Jamais me esquecerei...Paixão mesmo a primeira ouvida.Como se aquelas notas do saxfone dele tivesse mudado algo dentro de mim.Até a maneira como eu te enxerguei logo após,foi diferente.Novos significados.
-Então porque você mentiu?
-Menti sobre?
-Jazz.Disse que não sabia a diferença entre jazz e blues.
-Não disse isso,disse que não me importava.Não preciso gostar de jazz,para amar especificadamente Coltrane.
-Então porque está se desfazendo dele?
-Não posso ficar com Coltrane
-Mas por...
-Porque eu amo tanto Coltrane quanto amo você.
-Ah...
-Cada vez que vazia amor com você,mais amava Coltrane.Cada vez que ouvia Coltrane,mais amava você.Vocês eram algo único saca?Se mesclaram em minha vida de uma forma definitiva,impossível de separar o significado de um do outro.Você era tão suave como alguns solos dele.E ele era tão delirante,tão profundo,quando os seus lábios.Não sei,não sei te explicar isso ao certo.Mas seria lascinante ouvir Coltrane sem você.Se tornariam músicas vazias,secas.Mais um cara tocando um saxfone...
-Eu não imaginava isso
-Nem eu
-Tudo bem,eu levo o Coltrane
-Ouça-o por mim
-Ouvirei
-Talvez algum dia,eu volte a ouvi-lo.Mas quando isso não me ferir
-Adeus
-Adeus

Ela põe Coltrane debaixo dos braços e sai pelas ruas.Vira uma esquina e o joga em uma lata de lixo.Ela também não suportaria encarar Coltrane como mais um cara com um saxfone.


*título de uma música de Coltrane

domingo, 13 de abril de 2008

Canto pluvial

Andando por estas ruas,tantas ruas,sem sentido&alegria
sob esta chuva pesada,fria calculista
já nem ouvindo os meus passos sobre as poças
(que explodem)
eu páro e deixo que ela me encharque,que me afogue,que lave a imundice da minha pele&dos meus lábios
e que me leve em sua enchente se quiser
Se ela não afogar as minhas mágoas,afogarei as eu,no bar ali perto
onde um bêbado está vomitando na sargeta
Quisera eu ser aquele bêbado
vomitar não na sargeta,mas em mim mesma
e sentir finalmente um nojo sincero e sem pretenções do que sou,
sentir esse vômito asqueroso&negro&fétido
percorrer todo o meu corpo.
E ali,perto do bar,perto do bêbado,alguns passos da minha casa que não é o meu lar,ali,lugaralgum,nenhumlugar de onde estou
eu sento e concluo que eu estou pouco me fodendo para os noticiários e para os novos números do IBGE sobre os pobresmortosdefome&violência&ignorância
quem eu quero enganar senão a mim mesma com esse papo burguês de doações esporádicas
se nunca olhei nos olhos deles,se nunca os beijei,se nunca senti o gosto amargo da pobreza&sujeira&esgoto aberto
1 quilo de alimento e um agasalho muito usado calariam a voz deles em minha cabeça
E eu sou parte dessa multidão irreal,multidão de burgueses com o rabo cheio de facilidades&conforto
em que todos se dizem cristãos,mas o seu único deus é o dinheiro com que pagam o direito de continuar mentindo
em que o sexo,o prestígio,a crença e a liberdade se disputam e se compram,como qualquer mercadoria
As máquinas me penetram e me deformam por dentro,por saberem que eu quero continuar o que eu sou
A dor assumiu a forma de passagem para o céu,e o amor não se pratica por ser caro e perigoso
Os exércitos se armam por todas as gerações,e as bombas cospem dardos tão suaves que não matam
Como animais trabalhamos(ou como máquinas)
destruindo nossa juventude em deveres e angustias.
Olhando o espaço,onde a luz corta a poeira
(e quase já não é dia,sob o céu que desaba)
eu prevejo meu mundo-presa de corpo e alma
a tudo aquilo que hoje eu vejo e me enojo
Esse mundo,que deve ser a entrada para o inferno
passo
e atiro minha alma na rua
misturada com a lama e as poças.

sexta-feira, 11 de abril de 2008

Abril despedaçado

Abril despedaçado
infinitamente reconstruído
com promessas sob o seu céu
impuro e seco
que sangra tempestades
e abriga borboletas
que provocam
delicadamente
furacões

quinta-feira, 10 de abril de 2008

Fique longe de mim
construa sua fortaleza
proteja suas crenças
toque o divino
enquanto entramos nesse túnel
Feche os olhos
eu posso acreditar
mesmo não confiando na escuridão e em você
Todas suas teorias
Se tornaram poeira
Eu preferi me esconder
de tudo aquilo que eu não posso ver.

sábado, 5 de abril de 2008

Para se perder no abismo que é pensar e sentir

Não sei traduzir o porque ou como de ainda enxergar você no meio de tanta luz e prédios vestidos de preto, escondidos na noite daquela cidade imensa. Como eu queria que você tivesse me deixado te levar para o meu lugar de saudade e que tivesse vivido um pouco mais desta noite comigo. Parte minha, vida, que queria ter te apresentando pessoalmente e depois de algumas longas conversas e filosofias nossas de todo dia. Te levaria aos meus sonhos mais vazios que ficaram por lá e tudo que construi de mais sólido. Teria te ensinado a viver e entender aquela dança de luzes brancas e vermelhas, eu lhe apresentaria os lugares mais inusitados e inesquecíveis. Apresentaria o meu passado, o que eu fui e o que eu conheço que não está tão perto. Assim como você, mais longe do que eu gostaria e mais perto do que eu possa prever. Você que eu não conheço tanto ou quase nada,ou que conheço tanto,que conheço mais do que qualquer outra pessoa.Foi tudo tão rápido que você nem levou algo deste pretérito com você, nem ao menos alcançou o que ele carrega de belo e também frágil. Se na sua memória ficou um vídeo antigo, fico eternamente satisfeita. Aquele não foi meu primeiro tombo e nem será o último, mas creio que meu orgulho te poupou de ver como dói quando a gente tem que se segurar pra não se desfazer em pedaços na queda. Daquele meu passado, retire meu presente. Eu caio, trupico, tropeço e vou ao chão, como uma criança, quase numa corda bamba, quando anda.
Não quero mais pensar ou sentir,e me perder nesse labirinto,nesse abismo.As luzes,os prédios e todas as palavras que você me disse,na grande,nas pequenas cidades,na janela azul virtual do meu quarto e da sua sala,as guardei.Porque todas elas apenas me remetem a um sonho,partículas dele.Um sonho em forma de um sorriso delirante,ébrio,onde estrelas explodiam e que matava a escuridão&a afogava,de uma tez branca e quase delicada e angelical,com suas marcas juvenis,denunciando que não se era tão velho como se pensava,de lábios ardentes&comestíveis&doces,de olhos incandescentes,imanentes infantis,com uma misteriosa esperança(não para aqueles que se fixam em seus olhos.Uma esperança só dele,que ele mesmo se dá e não percebe)e uma alegria contagiante,mística&exaltante.
Mas como todos os sonhos bons,há sempre a decepção quando acordamos,com os primeiros raios da manhã(ou da luz da lâmpada do quarto,o que seja) que vão incomodando nossos olhos pouco a pouco,até que finalmente,acordamos(mal humorados algumas vezes,não é?).Acho que tentei segurar esse sonho,ignorando esses raios incômodos,mas não consegui.Não era o final perfeito para o meu sonho e nem para esse texto.

sexta-feira, 4 de abril de 2008

Fragmentos

Despedaçada
fragmentos de uma solidão jogados ao vento.
Um céu cortado
sangrando
e dois minutos de silêncio.
É AQUI ONDE ENCONTRO PAZ.
um deserto.
reconstuído
e sem direção.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Balão.

Balão vermelho
que se soltarmos,voa,flutua
sem rumo pelo horizonte azul,
se mescla a ele
azulmelho
vermezul
se perde,quem sabe explode
no céu chinês de estrelas amarelas reluzentes.De ouro?
Estrelas de balas?
Explode,e vira manto social capitalista
derramado no chão do Tibet
nos lembrando sangue.
Sangue?Que absurdo
ontem no jornal chinês da meia noite
falou-se num sussurro que não era sangue
(sangue,oras,coisa dos ocidentais)
Aquilo lá no Tibet,não era nada,
era apenas um povo festejando
com fogos de artifício cedidos pela China,
dançando pelas ruas
comemorando mais uma alta da bolsa de Beijin,
as olimpíadas
e a paz entre aqueles povos.

Mas,eu só queria o meu balão de volta...

terça-feira, 1 de abril de 2008

Brinquedo sem nome,subtentido pelos gritos.

Caleidoscópio flutuante
cores
e gritos
progressivos
Alucinação giratória
meus olhos cerrados
querendo abrir.
Alegria eufórica minimalista
(reduzida a gemidos de prazer
e risos perdidos)
Pânico paralizado
e o vento gélido dando liberdade
uma sensação de quase poder voar
e alcançar o céu negro ofuscante
feito de pontos luminosos
pisca-pisca delirante
Era domingo?Não sei
quando puder voltarei lá mais uma vez.