quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Menagé a trois

Natália

-Eu me decidi, acho que vai ser melhor.
-Você nem sabe o que é o melhor prá você Natália.
-Claro que eu sei, se eu não o soubesse não estaria fazendo isso.
-Pensou por acaso em mim? Como eu estou me sentindo?
-Pensei, é claro que eu pensei em você. Porra, eu penso em você todos os dias, mas não dá, entendeu? Eu vou casar, é isso que eu quero.
- Você não se cansa de falar nisso, sempre fala prá me machucar mais ainda, muito mais do que já estou. Mas esse seu casamento não vai te trazer felicidade, não vai te mudar. Você está há mais de um ano noiva dele e não teve coragem de me largar ou de largá-lo e me assumir.
- Eu assumo que sou covarde, mas eu o amo. Assim como te amo
-Você sabe que não é assim Natália, você quer amar ele mas não consegue. Pode tentar, minha querida, mas eu lhe garanto que isso só vai te ferir e te frustrar mais ainda.
- Não quero pensar dessa maneira, não agora. Eu só queria que soubesse o quanto te amo, e que não está sendo fácil isso tudo.Nunca o foi, só eu sei o quanto sofro com isso. Eu queria ignorar todas as regras e ficar com você prá sempre. Mas eu não posso.
-É, eu sei. Mas entre ter ele no seu álbum de família do que me assumir e enfrentar as conseqüências e possivalmente ser feliz, você preferiu as fotos. Pelo menos queria saber o nome de quem vai te roubar de mim.
- Não seja assim tão cruel, prá quê quer saber disso? Vai fazer diferença? Se ocultei o nome dele foi para não deixar as coisas piores do que já estão.
- É, acho que sigo alguma doutrina masoquista, mas eu queria saber o nome do que está me matando.
- Porra, o que vai fazer? Ir atrás dele e contar sobre nós? Não vai adiantar, eu negarei descontroladamente.
-Eu jamais iria me sujeitar a um papel rídiculo desses. Se você quer assim, assim será. Não posso obrigá-la a seguir o seu coração. Siga a sociedade então. Seja feliz com isso.
-Por favor, sem sermões a respeito disso, eu mesma já me prego isso todos os dias. Deixe a chave na portaria, á noite eu passo para pegar as minhas coisas.
-Talvez não me encontre lá. Vou ver se passo a noite com alguém. Não é para te esquecer, deixo claro, não sou assim tão infantil, nem para te provocar ciúmes. Acho que eu quero ver como é que você se sente se deitando com uma pessoa estranha a você
-Não me importo, sabe disso. Talvez encontre a pessoa certa, torço por isso.
-Natália, eu...
-O quê?
- Nada, só não esqueça de dar comida ao gato.
- Eu colocarei.
Se despedem com um beijo no rosto, mas Natália não consegue segurar um impulso e beija aqueles lábios que somente seriam seus e de ninguém mais. Ainda sente o mesmo gosto inebriante, mas carregado de lágrimas. Evita olhar em seus olhos e segue em diante. Precisa passar na gráfica para ver como ficou a arte dos convites.

Eduardo

Eram 5 horas e ele se sentia sufocado pela gravata, por aquele anel em seu dedo e pela rotina que pouco a pouco ia esmagando a sua mente, estava angustiado para se ver livre daquele escritório e de todas aquelas pessoas que o olhavam com ares de felicidade trancafiada em quatro paredes. Sentiu vontade de abiri aquela janela e gritar o mais alto que pudesse, até que seu chefe viesse dar-lhe uma bronca e ele, respectivamente, mandasse ele se fuder. Era isso, queria que todos se fudessem, inclusive Natália.
O sexo com Natália ainda era bom, ele a amava demasiadamente, mas e aí? Do que adiantava amá-la se já estava cansado de acordar todos os dias ao seu lado, de ter decorado todos os contornos de seu corpo e saber exatamente sem surpresa alguma o que lhe provoca prazer? Jamais havia dito isso a alguém, jamais diria. Se sentia um cachorro por pensar assim. Qualquer homem daria tudo para ter uma noiva como Natália, ele sabia disso, sabia que seus amigos olhavam para Natália com desejo, e que o invejavam por tê-la, e se sentia maravilhosamente bem com isso. Natália era o seu prêmio, seu bibelô raríssimo à exposição de todos. Não era ela que o sufocava, para ser sincero sempre achou Natália distante demais, alheia a ele e a tudo que dizia respeito aos dois, era o jeito dela, esse jeitinho encantador de quem mora na lua e jamais pertencerá á Terra.Não era isso, era as formalidades, almoço com as famílias, prestação de contas, a mudança de móveis em seu apartamento, compartilhar o mesmo armário com ela, encontrar seus absorventes na gaveta da pia do banheiro, era vê-la sem maquiagem ou mijando enquanto ele se barbeia, brigar pelo controle remoto ou ver tudo ao seu redor irritantemente bem organizado.Era isso o casamento então? Só lhe faltava assumir de fato, assinar inúmeros pápeis e além de tudo o que já repartiam, repartiriam o mesmo sobrenome. Jamais negaria que a amava, mas só isso não bastava. Sabia que com o tempo, ela seria uma invasora e ele um refém.
Apesar de tudo, se sentia aliviado com o silêncio de Natália, as brigas que nunca tiveram, os telefonemas misteriosos que a tiravam de casa e o deixavam finalmente sozinho, sozinho para si mesmo, para ver tv ou fumar a vontade e desorganizar tudo. Sozinho como deveria ser.
Naquela tarde, havia sido chamado para o Happy Hour com alguns amigos do trabalho. Nunca foi de participar dessas pequenas reuniões onde os chefes eram massacrados e todos os demônios soltos.Ma especialmente hoje, sentia que deveria ir, que precisava disso para si. Só ligou para Natália para avisar que chegaria mais tarde em casa, mas ela lhe respondeu com frieza, como se não se impostasse se ele fosse a um bar ou a um prostíbulo. Ele também não se importava com ela, mas sabia que ela era fiel.
E era isso o que mais lhe incomodava.

Helena

Despejou-se sobre a mesa de um bar que encontrou ao dirigir algumas horas seguidas. Controlou-se até então, não queria mostrar a quem quer que fosse o quanto estava abalada e destruída.Mas ali, desfez-se de sua elegância e bons modos e chorou como jamais antes havia sido permitida.Não precisava mais ser educada consigo mesma, desferiu-se nomes impróprios que coçavam em seus lábios em sorrisos indecentes e amargos. Pagou por um hi-fi feito com alguma vodka de segunda,mas não se importou. Não seria um dry martini que lhe devolveria sua dignidade. Secou as lágrimas rapidamente quando viu que executivos entravam ali. Sentiu-se humilhada ao ver que todos olhavam sua maquiagem borrada e seus olhos inchados. Queria não se importar com isso, não se importar com mais nada, ainda mais ela que sempre pregou que a felicidade não estaria fundamentada no que os outros pensam a respeito dos outros. Mas é fácil dizer isso aos outros do que seguir isso ao pé da letra.
Um rapaz sentou-se ao seu lado, a gravata desfeita, os olhos também.Parecia cansado e entediado dos risos de seus companheiros. Olharam-se por alguns instantes e ela sentiu-se um pouco mais aliviada. Ele também parecia estar perdido. Ofereceu-lhe um hi-fi, mas ele não aceitou. Pediu logo um wisky, qualquer marca, e ela riu. Riu porque se fosse algum outro da sua roda social, pediria logo dois dedos de tal marca e com dois cubos de gelo, por favor. Ele não sabia tomar wisky, mas queria certamente algo bem forte para se distanciar do que quer que fosse.
- Helena
-O quê?
-Meu nome é Helena, e o seu?
-Eduardo, meu nome é Eduardo.
-Vem sempre aqui? Oh, meu Deus, que coisa horrível, acabei sendo clichê em minha cantada.
-Não se preocupe com isso Helena, eu não tinha me importado. E não, eu nunca venho aqui.Acho que não é bem o trajeto para a minha casa.
-Nem o meu, rodei algumas horas a fio até encontrar esse bar e entrar. Queria me sentir bem e sozinha por algum tempo.
-Eu não sei mais como é se sentir sozinho e bem ao mesmo tempo. Esses momentos tem sido um tanto que escassos nos último meses.
-Sozinha sempre estive, mas bem, completamente bem nunca.Na verdade, sozinha não é bem o termo. Solitária, soaria melhor.
-Pois é, as vezes eu me sinto assim, solitário. Aí eu olho prá minha noiva ao lado da minha cama e me sinto mais solitário ainda.
-Noiva?
-Isso implica em algo?
-Não, de maneira alguma.Ainda mais quando estamos do mesmo lado.
-Jogamos no mesmo time. Dos solitários acompanhados?
-É, bom, agora eu sou uma solitária completamente sozinha.
-Espero que a minha solidão seja uma fase.
-A minha não é, tenho certeza.
-Quer dar uma volta Helena? Acho que aqui não é um bom lugar para dois solitários que nem nós dois. Acho que dessa vez eu fui clichê
-Meu apartamento ou o seu?
-O seu,pode ser?
-Tudo bem, até melhor. Solitários e clichês, que bela dupla de fracassados hein!
Riem alto e mais alto que todos ali que estão se divertindo ao humilhar seus chefes e esposas.Mas é apenas seus risos que ouvem, apenas essa gargalhada melancólica que soltam. Entram no carro de Helena e somem pela noite.

Natália, Eduardo e Helena

Helena abre a porta de seu apartamente enquanto Eduardo percorre com suas mãos os contornos suaves e perfeitos dela. Fecham a porta e se despem com violência e ardor, como se pegassem fogo, um fogo doloroso que vai além da pele. Se invadem frenéticamente sobre o carpete da sala, murmurando palavras incompreensíveis e indizíveis, entre alguns gritos e lágrimas. Ambos jamais haviam sentido tal prazer com qualquer pessoa. Um prazer estranho, vazio, incontrolável e triste. Mas não se sentiam culpados, apenas se sentiam completos com a solidão que compartilharam naquele orgasmo.
- Se sente culpado?
-De maneira alguma, e eu me sinto mal por isso, eu deveria não?
-Acho que não, se não se sente é porque não fez nada de errado.
-Mas eu traí minha noiva, sabe, eu deveria me sentir um lixo.
-Mas não se sente, e aí, vai fazer o quê? Vai ficar martelando na sua cabeça como um mantra o quanto foi canalha até que finalmente se sinta como um?
-Tem cigarro?
-Eu não fumo.
-Que merda, desculpe, mas que merda!
- Tudo bem, eu acho que eu devo ter alguns aqui, em algum lugar. A pessoa com quem eu tive um caso fumava. Aliás, só fumava aqui, até disso tinha medo de assumir.
-Putz, que chato.
-É, era bem chato
Helena se encaminha nua até o quarto, e Eduardo permanece deitado exausto sobre o tapete quando, uma chave abre a porta, e é Natália que entra ali. O olha desconcertada, como se estivesse em algum filme de terror classe B, e não sabe exatamente do que mais a aterroriza, se é ver seu noivo ali nu ou a possibilidade que de ele e sua amante tenham transado.Queria acreditar o contrário, talvez com certa esquisitice, de que talvez Helena tenha sido cretina o bastante para ter contado tudo a ele e que ele, no alto de seu orgulho, tenha forçado Helena a transar com ele. Não poderia ser jamais, coincidência.
-Nat, ah, vocês duas combinaram, só pode? É algum truque malígno para testar minha fidelidade, é isso?
Natália se afasta da porta, se encosta do batente e desliza sem forças até se apoiar no chão, sentindo suas lágrimas molharem o piso do apartamento de Helena.
-Eu nem sei o que dizer, parece algo tão irreal, céus, eu quero morrer, acho que é a única coisa que eu quero agora.
Helena aparece, vestida com um roupão de seda chinesa que Natália a havia dado. Olha aterrorizada para o rosto transmutado de Natália, que parece muito mais velha e abatida do que já fora um dia. Sente-se culpada pela dor dela, e talvez pela a de Eduardo, mas ao mesmo tempo sente-se infernalmente aliviada pela verdade ter vindo a tona.
-Natália, eu não imaginava que vocês dois se conheciam...juro que não imaginava ele era o seu..
-Claro que sabia Helena! Sabia sim, por isso mandou que eu viesse aqui hoje porra! Sabia sim sua cretina miserável, sabia eu tenho certeza disso! O que é hein? Quer me machucar? Certamente contou a verdade a a ele sobre nós, sobre o nosso maldito caso, não é? Não é?
Eduardo se levanta e procura suas roupas, desnorteado pela revelação. Não sabe o que sentir, não sabe como se movimentar, apenas tenta encontrar no rosto de Natália algo que o faça acreditar que ela, que justo ela, o traía com uma mulher.
-Eu juro que eu não sabia que ele era o seu noivo, eu juro Natália, juro por tudo o que já vivemos! Confesso que eu queria mesmo que você me visse com outro, queria me vingar, queria te machucar. Sabe, eu tinha uma certa esperança de que você desistisse do seu noivo, que percebesse que poderia me perder, porra, que lutasse por nós!
Eduardo encontra algumas de suas peças e se veste se tirar os olhos dos olhos de Natália, que se fixam nos olhos frios de Helena.Sente como se lhe houvessem transferido um soco ao pé do estômago e que precisa vômitar, mas isso fica preso em sua garganta, o sufocando.
-Eu não acredito no quão cafajeste você foi comigo Natália, sabe, isso não me desce, eu não quero acreditar nisso, por favor, diz que isso é alguma brincadeira de muito mal gosto.Por favor, você não foi capaz disso, por favor, diga que não!
-A questão não é ser ou não capaz. A questão é, Eduardo, eu não sei o que lhe dizer, não acho que o deva, eu me sinto aliviada de que você saiba disso sem que eu tivesse te contado algo. Eu estou sem chão, arrasada, sem querer respirar, quero fechar os meus olhos e abri-los e só ver Helena na minha frente, dizer a ela o quanto eu a amo e que eu estou errada como sempre, é isso. Eu quis te amar, não consegui. Ia me casar e tentar isso pro resto da minha vida.
- Nunca me amou? Nunca, nem carinho?
-Tinha nojo.
- Nojo eu tenho agora de você.Olha, vou ser sincero, tinha nojo de você antes, mas eu não sabia que palavra dar a isso, de me sentir sufocado por você, por não aguentar mais isso de ver as suas coisas pela minha casa, de aturar a sua conversa vazia, desse seu silêncio, eu te enojava, é isso.
Helena então, se aproxima de Natália que se recua evitando que ela a toque.Mas Helena sorri, sorri de uma maneira que consegue tranqüilizar Natália, que consegue fazê-la se sentir segura, que a faz saber, pela primeira vez na vida, o que fazer.
-Eduardo, você é um monte de merda trancafiada num escritório. E olha, você era péssimo quando fazia sexo oral querido. E mais uma coisa, estou completamente aliviada por você saber da verdade, mesmo que tenha sido da pior e mais cruel maneira possível. É óbvio que eu estou puta com a Helena, mas eu a amo e perdoá-la será fácil. E pela primeira vez na minha vida, eu estou pouco me importando sobre o que vão pensar.Se quiser, sinta-se a vontade para ir falar para nossas famílias que não haverá casamento porque eu sou lésbica, sempre fui e nunca vou deixar de ser por pinto nenhum.
-Não, quero que você seja então tão mulher quanto está sendo agora e conte isso a todos. Vá lá, conte como contou para mim, se é que não se importa mesmo. Eu não vou dizer nada, essa vai ser a minha maneira de me vingar do que você me fez. Tomara Nat, tomara mesmo que você sofra com a verdade
Helena então se aproxima de Eduardo e transfere-lhe um tapa. Eduardo pula em cima dela mas Natália arremessa sobre sua cabeça uma estátua de bronze. O sangue escorre do ferimento feito pela agressão, ele está desmaiado, a respiração muito fraca. Natália então pega a estátua e volta a transferir-lhe novos e violentos golpes até que, uma poça de sangue se forma ao redor do corpo dele. Helena apenas olha aquilo abismada, sem saber como reagir, mas sente-se orgulhosa por Natália.
Natália também observa o corpo, corre em direção aos braços de Helena e suja seu roupão de seda com aquele sangue. Se beijam intensamente e se amam ali mesmo no chão, ao lado do corpo de Eduardo.

-Qualquer coisa, eu digo que ele tentou te estuprar. -Sussurra no ouvido de Helena

4 comentários:

Anônimo disse...

onde a testosterona não tem vez.

Adriana Gehlen disse...

é, não tem vez.

bah, furacão katrina.

fjunior disse...

no inicio eu achei bem Nelson Rodrigues... depois, vira uma coisa meio apocalíptica... será este o fim dos homens? Assassinados por amantes lésbicas? é uma boa perspectiva de futuro... hahaha

Anna Clara disse...

hahaha, e ela me deixou. por outra mulher.