quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Entre vultos

Poderiam ter dito tudo o que precisavam dizer mas preferiram não dizer nada quando aquela porta se abriu. Nenhuma palavra era mais sincera do que qualquer palavra, mas Vinicius e Tom cortavam aquele silêncio como se A felicidade fosse uma navalha de um fio muito afiado. A breve abertura da porta encheu a sala com uma abstrata claridade que revelou um vulto esparramado na poltrona e uma brasa flutuado pelo ar em vagos gestos e um outro , em pé à porta, que observava atentamente com fundos olhos negros quase invisíveis o vulto à sua frente, esperando que ele fizesse qualquer coisa que calasse Vinícius antes de tristeza não tem fim, felicidade sim, mas ela estava intacta em seu silêncio. Em movimentos alcóolicos, ele caminhou até aquela poltrona onde ela estava desfeita, olhando fixamente para a brasa que se consumia e consumia seus olhos furta-cor incontroláveis, indizíveis.
Ele sorriu, ficou ali tentando encaixar o seu sorriso nos olhos em brasa apagados dela, que apenas murmurava cai como uma lágrima de amor, mas as lágrimas não eram de amor, eram salgadas e secas demais que quase desalinhavam o seu rosto. Ela o olhou, ele se desviou. Não conseguiu sustentar aquele olhar pesado de ressentimento que ela guardou por tanto tempo dentro daquelas palpébras etéreas. Sentiu-se inerte, ainda o perfume mais profundo dela lhe corroendo por dentro, ela ali tão próxima e tão distante dele a poucos centímentros, uma muralha que o impedia de tocar o seu rosto, de fazê-la ouvir o quanto sentia, que se, ela lhe desse outra chance, porque não, ele mudaria mais uma vez. Mas ela também mudou, era outra mulher dentro daqueles olhos impassíveis de piedade.
Disse "preciso dizer mais alguma coisa?"
"não", ele deveria dizer, mas apenas voltou para o quarto e fez suas malas. Ainda os restos dela por suas roupas, ainda restos dela mais inteiros que ele dentro de seu próprio corpo. Restos mínimos dele pelo quarto junto com a poeira que no dia seguinte ela varreria do chão. Ele um resto de si próprio em poeira que outras varreriam de suas vidas.
Acendeu a luz da sala para deixar a chave sobre a mesa.
Ela era um vulto apenas a meia luz. Ele era um vulto completo