terça-feira, 26 de abril de 2011

O lapso incalculável




Durante um lapsto incalculável, a que nenhuma medida se adequaria, tudo permanece, subsiste, isolado e simultâneo, o pelo suave e suado, a mão, a confiança, o alívio, o olhar, o gosto do café, o café, a transparência cinza do ar que envolve, quase que resplendorosamente, apesar do céu baixo e negro, os corpos que latejam monótonos e o vazio que os separa, riscado pelas gotas intermitentes e oblíquas, cada vez mais numerosas, que vêm estatelar-se no chão. Quando as palmas batem, por fim, uma na outra, ecoando, o salva-vidas se vira e começa a descer na direção da praia, o Gato levanta a cabeça, olhando para o portão, o segundo gole de café cobre o primeiro na garganta de Elisa, o baio amarelo começa a sacudir a cabeça sob a pancada de chuva, e o lapso incalculável, tão vasto quanto longa é a totalidade do tempo, que teria parecido querer, à sua maneira, persistir, submerge, ao mesmo tempo, paradoxal, no passado e no futuro, e naufraga, como o resto, ou o arrasta consigo, inenarrável, no nada universal.










Trecho de Ninguém, nada, nunca, de Juan José Saer.

4 comentários:

Nara Sales disse...

Um paradoxo perfeito.

Antônio LaCarne disse...

nossa, que texto interessante. a descrição meio que perdida e ao mesmo tempo fiel dos detalhes.

Érico Cordeiro disse...

Oi, Katrina,
Convido você e seus leitores para as comemorações dos dois anos do jazz + Bossa + Baratos Outros (http://ericocordeiro.blogspot.com).
Fazia um tempinho que não passava por aqui e adorei o novo cabeçalho do seu blog - Kind Of Blue é uma experiência do outro mundo. Como disse o Jimmy Cobb, baterista do disco, ele parece ter sido feito no céu!
Abraços!

Guilherme Navarro disse...

Trecho muito bacana!
Toda a ideia de tempo ficou muito explícita. E a coerência distorcida e caótica dá uma fluência legal!