domingo, 12 de julho de 2009

Uma lembrança qualquer.

Estávamos ali, como se não estivéssemos, naquele bar onde éramos estranhos entre tantos outros estranhos, luz negra impregnando nos detalhes brancos da minha bolsa e no seu tênis importado daquela marca transadíssima, que me incomodava a visão todas as vezes que eu era obrigada a fugir de você e olhar para o chão, uma lembrança qualquer, espaço em branco em que eu poderia ter escrito algo a mais, diferente das reticências. Você não me olhava ainda com esse olhar de desespero e eu não te olhava ainda com este olhar de pena e de cansaço, mas meu olhar era de qualquer coisa como algo desprendido de qualquer lugar, mas sua mão se perdia no meu cabelo mal lavado e embaraçado, tateando minhas ideias vagas , prendendo meus sonhos entre seus dedos e os deixando ali, jogados e abertos como uma fruta podre. Um punk esbarrou em você de propósito, eu disse, é o que dá vir aqui com um tênis desses e uma cara tão lavada dessas e você, rindo, dizendo que era o único lugar aberto aquela hora e a gente tem que beber hoje a qualquer custo não importa se a gente usa um tênis importado e se não somos darks, claro , eu quis morrer e não te disse, você quis me beijar mas eu evitei, disse, acho que não somos bem vindos aqui.
Sorri pros punks, numa tentativa de parecer mais amigável e entrosada, do tipo de garota que só está lá porque se sente a vontade entre eles e não porque entrou pelo impulso de um cara escroto e pelo terrivel e mortal tédio de se estar ao lado de quem não se ama assim tão completamente, erguendo de uma maneira ridícula o meu copo de cerveja enquanto eles se aglomeravam em volta da tequila. Olhei para você que me condenava na falta de um sorriso, mas foram 3 garrafas de cerveja e você nem disse o que queria afinal de contas, eu mesma esqueci que estava ao seu lado, achava que era um estranho incômodo que me pagava as cervejas, mas quando me beijou, trouxe-me para a realidade. Você era o que me restou.
Não era pena de você, naquele momento, era pena de mim entende?De tanto lutar, procurei algo em que pudesse descansar meu corpo logo após a última batalha, ainda sangrando com um tiro próximo do coração, ali cravado na cravícula, a maldita cicatriz que não vai sumir como as outras, que vai doer no frio do verão, não importa que remédios eu tome, não importa que abraços me aqueçam. Fiquei perdida, estendida naquele campo, até que me achasse. Eu não pedi que me salvasse.
Você pegava minhas mãos, as faziam percorrer o seu rosto, carinhos involuntários. Cedi muito mais do que minhas mãos, deixei que meus olhos se fixassem em você, enquanto eu cantava com os demais, uma maneira de fugir do que eu tinha para lhe falar, I kill my baby and it feels so bad/ guess my race is run/She's the best woman that I ever had/I fought the law and the law won/I fought the law and the/Robbin' people with a six-gun, abafar sua voz entre um coral de punks depressivos que se debatiam entre si, muito parecido com o que acontecia ali entre eu e a minha maldita consciência, de te deixar logo no final da música sem motivo aparente, mas e a coragem? Onde está a tal da coragem, da determinação? Onde está minha felicidade, do seu lado incrivelmente bêbada e drogada que mal pode se levantar e se apresentar a mim?
Até hoje não sei.

9 comentários:

Fabio disse...

Todos temos uma lembrança dessas. De não ter feito o que deveria ter sido feito

Não importa disse...

Muito chocante seu jeito de comparar.

"mas sua mão se perdia no meu cabelo mal lavado e embaraçado, tateando minhas ideias vagas , prendendo meus sonhos entre seus dedos e os deixando ali, jogados e abertos como uma fruta podre"

Gostei disso... E de outras coisas tbm.

Márcia(clarinha) disse...

Sentir-se pena...que pena.
Quem não passou por momentos questionando sensações?
Belo texto.

lindo dia flor
beijos

Adriana Gehlen disse...

poisé, e a coragem não sei onde está.
depois de 3 cervejas a gente não sabe mais, não importa muito na verdade.

Fernanda disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Marcelo Mayer disse...

o pior é lembrança do que ainda não aconteceu

Diego disse...

Bom texto, gostei do coral de punks depressivos.
Essa coragem nunca se manifesta quando precisamos.

Carla Arend disse...

eu estava lá, no canto esquerdo de quem entra. massa!

Anônimo disse...

ia destacar o mesmo trecho que a sentilavras. cheguei tarde.