segunda-feira, 6 de junho de 2011

Paulistanagens #3

As mãos dadas não denunciavam o desconhecimento do nome uma da outra durante a contagem regressiva para 2011 e o abraço após o primeiro segundo do novo ano demonstrava um reencontro de outra vida e de outros corpos. Sorriam enquanto no palco uma escola de samba tocava brasileirinho fazendo algumas pessoas ao redor sambarem levantando seus copos plásticos com cerveja com seus corpos suados e indecifráveis, imersos no nada. Não conseguiam se comunicar até que tentaram alguns gestos e então compreenderam: Precisavam sair da Paulista.

- Quer colar lá na Augusta?
- Mas você está sozinha?
- Não, estou com você! E você?
- Eu também estou com você!

No trajeto entre desvios e empurrões se calaram. Usavam para si mesmas a desculpa da impossibilidade de qualquer comunicação com toda aquela movimentação. Tentavam descobrir como seria a outra pelas roupas e gestos. Uma usava um vestido xadrez e um cinto na cintura que combinava com a bota de couro de salto médio, muito delicada em seus movimentos esguios e no seu sorriso tão doce ao terminar de pronunciar um palavrão, que a outra chutava gostar de Bob Dylan e Beatles, literatura em geral e filmes cults. Essa tinha o cabelo curto e roxo, usava uma camisa com estampas de caveira e uma calça de couro, que fazia a outra acreditar ser punk e feminista, talvez até lésbica, grossa e ofensiva.
Conseguiram vencer a multidão até alcançar a rua Augusta sem maiores problemas, rindo sempre ao se lembrarem do que foram obrigadas a fazer para que conseguissem chegar até ali.

- Eu belisquei a bunda de um homem!
- E eu que tive que empurrar uma senhora de idade?
- Cara, eu acho que eu fiz uma criança se perder dos pais
- Sério? Eu pisei no pé de um cara manco!
- Você é pior do que eu imaginei!
- Só porque eu não sou tão feminina quanto você?
- Claro!

Encontraram um bar aberto e lotado de jovens deslocados de todos os ritmos & de toda a esperança de que aquele ano fosse um feliz ano novo, mas se sentiram finalmente confortáveis, num refúgio que poucos saberiam explicar. Ficaram de pé no balcão tomando uma cerveja e comendo algumas coxinhas das 10 da manhã. Conversaram por muito tempo (talvez horas) até descobrirem que Roberta, a de vestido, tinha acabado de chegar de Ribeirão Preto e havia se perdido dos amigos, que não atendiam seus celulares por qualquer motivo absurdo. Também não ligavam e possivelmente estavam tão felizes que não sentiriam sua falta por algum tempo. Não conhecia Bob Dylan mas era simpática aos Beatles, gostava mesmo de musica sertaneja universitária e MPB. Não conhecia São Paulo e não queria passar logo a sua primeira noite perdida e abandonada por todos, do tipo de pessoa infeliz que se encontrava pelas sarjetas. Clara, a de cabelos roxos e atitude punk, era uma ex modelo que havia desistido da carreira para cursar Física na Usp e não conseguia conceber a idéia de absurdo nisso tudo, mas achava graça mesmo assim. Era fã de Fiona Apple e Neil Young (gostava pouco de punk, o visual foi inspirado em uma modelo Russa que ela nunca mais lembraria o nome) e era paulistana da gema, morava próxima a cidade universitária e trabalhava num escritório de importações. Havia brigado com o noivo poucas horas porque ele havia saído com uma amiga (e talvez transado, na sua imaginação) antes de aparecer sozinha na paulista e fumar escondida atrás de uma banca um baseado com um pessoal que ela conhecia.

- Já são quase 4 da manhã, vai tentar ligar de novo para o seu pessoal?
- Desisti, prefiro esperar o dia amanhacer e ver se eles se tocam que eu não estou com eles. E você, vai ficar por aqui mesmo? Já tá pensando em ir embora?
- Não sei, não tenho muitos planos além de dormir e só acordar dia 2. E você, quais são os seus planos para 2011?
- Não ter planos? Já comecei 2011 sem tê-los quando resolvi te acompanhar.
- Isso é o plano B.
- O plano B seria permanecer ali tentando mandar sms para eles, ou tentar encontrar algum cara que topasse transar comigo num lugar onde eu pudesse dormir depois. Mas eu abortei todos os planos, o de ficar perdida ou de acordar sem um rim.
- Vai acordar amanhã sem estômago, isso sim.
- Talvez, e você?
- Com você.


2 comentários:

Roberto B. disse...

bela paulistanagem! gostei, gotei bem, meo!

Antônio LaCarne disse...

essa paulistanagem me fez pensar na minha primeira viagem a sp. sensação de saudade gostosa. texto belíssimo, querida.

grande beijo.