segunda-feira, 19 de maio de 2008

Toda a praticidade da solidão

Para Arthur.

-E aí,que horas você foi dormir? Pelo jeito nem dormiu direito

Não sei se deveria responder a verdade, então resolvi me calar. Deveria ter dito "cacete cara, dormi mal prá caralho", o que não deixa de ser verdade afinal tenho dormido mal prá caralho nos últimos dias. Correção,últimos anos. Não sei como isso começou, talvez quando eu me mudei para São Paulo. E sim, ela foi a causadora da minha insônia com suas luzes artificiais iluminando toda a escuridão da minha vida até então. Outra coisa que também ajudou: odeio claridade, desde muito jovem já não era muito adepto da luz natural. Logo é mais confortável para mim dormir durante o dia e viver de noite. Deve ser por aí, uma junção do que evito com o que prezo. Não tô nem aí para o barulho da avenida do lado aqui de casa, até gosto para ser bem sincero. Não tem como morar em São Paulo e não ser obrigado a gostar desse tipo de barulho. Não que sejam realmente obrigados a gostar do barulho incessável de São Paulo, apenas com o tempo todos acabam se acostumando. No final todo mundo ama.
Vejamos, sou tímido. Aquele sujeito que fica bebendo e fumando no balcão e observando o movimento ao seu redor sempre muito quieto. Durante a minha permanência no bar algumas pessoas acabam indo falar comigo, não sei porquê. Pessoas sozinhas e desesperadas, algumas vezes bêbadas que só querem conversar. Na verdade só querem ser ouvidas, e é o que eu proporciono. Acabo sendo um bom ouvinte: elas falam e eu finjo que escuto e no final falo qualquer coisa totalmente simbólica, bem rebuscada mesmo com termos que só se encontram em dicionários, e que elas fingem que entendem. Ponto, todo mundo sai ganhando.O bar nos últimos dias tem sido o meu segundo lar. Sempre ali no mesmo balcão bebendo e fumando sem objetivo algum. Não que eu seja alcoolátra, talvez ainda não ou talvez eu já seja e não queira admitir. Enfim, o dinheiro anda em falta ultimamente. Sou repórter policial de vez em nunca. Não que não haja material para as minhas reportagens mas como é um ramo que cresce muito, tanto o jornalismo quanto a violência, o mercado de trabalho anda meio saturado entende? Já trabalhei em um grande jornal, anos atrás. Escrevia sobre política. Interessante não? Ganhava bem e tinha certa liberdade para escrever, bom era o que eu achava. Acabei escrevendo uma matéria um tanto que ousada sobre um certo político importante na época. Fui despedido sem justa causa e sem nenhum direito trabalhista. Acabei aceitando o emprego de escrever obtuários num jornal de pequeno porte, já que o dinheiro andava curto demais. Desespero sabe? Inicialmente me envergonhava de estar ali, sendo que eu poderia estar colhendo os louros da vitória se eu continuasse quieto e conservador no outro jornal. Com o tempo fui é me sentindo orgulhoso do meu feito, não ter me calado frente a tanta corrupção. Quem sabe futuramente meu nome seja lembrado nas faculdades de jornalismo?
Então, ainda tenho alguma coisa até o final do mês para as contas principais como a comida, a água, a energia e claro, pro bar.Quando sobra alguma coisa gasto em diversão.Diversão: Mulheres.Mulheres: Prostitutas. Como eu já disse,sou um cara tímido que fica bebendo e fumando num balcão e pessoas acabam vindo conversar comigo. Nunca fui muito bom em nada além de ouvir e escrever. Flertar definitivamente não é comigo, logo essa coisa de sair com prostitutas é sempre muito prático, apesar de um pouco caro ao final do mês. Não preciso conversar com elas e nem ser romântico. Também não preciso ligar no dia seguinte ou fingir que gostei dela para não magoá-la. Só sexo e nada mais. Nem o meu nome eu digo a elas. Nunca consegui me adaptar a relacionamentos amorosos de qualquer tipo. As mulheres que passaram na minha vida foram muito vagas. Vagas que eu digo de vagas mesmo, não de vagabundas. Nunca me atingiram ou me conquistaram. Com o tempo desisti de encontrar aquela que me completaria e toda essa baboseira poética. A última mulher com quem tive alguma coisa era uma modelinho em ascenção, que achou que só porque eu era jornalista deveria ter dinheiro e contatos. Foi até que interessante enquanto durou. Mas acabou quando o pai dela morreu e ela viu a nota do obtuário no jornal do dia seguinte. Ela jamais havia me perguntado em que área do jornalismo eu trabalhava.
Voltando ao bar. É lá que eu me sinto bem comigo e com o mundo. Acho que foi o Vinícius de Moraes que dizia isso em relação ao wisky. Adoro wisky e odeio o Vinicius de Moraes. Nojentinho com aquele monte de inho. Tomzinho, pimentinha, toquinho, poetinha, poeminha. Será que ele já mandou alguém tomar no cúzinho? Não gosto mesmo, já tentei algumas vezes ler os poemas e ouvir as músicas, um tanto que forçadas demais.Samba mesmo é Chico Buarque, sem frescura alguma. Cartola também. Cartola é algo mais cru, mais verídico, fala do morro e da pobreza. Quando é que o Vinícius cantou isso?Sei lá, no fundo esse meu ódio gratuíto contra o Vinicius deve ser porque ele só fala de amor com todo aquele blá blá blá poético. Como já isse, nunca me adaptei a relacionamentos amorosos. Nunca me apaixonei de verdade, nunca me entreguei de verdade. Não que isso hoje me faça alguma falta. Só amei uma pessoa em toda a minha vida.
Amei. Não amo ou nunca soube exatamente o que é amar então talvez eu ainda ame mesmo não percebendo. Bem confuso não? Por isso não gosto de amar ninguém. Por isso as garotas de programa. Por isso o bar. Por isso um apartamento pequeno. Por isso a noite no lugar do dia. Por isso um emprego medíocre e flexível. Por isso esse ódio contra todos os inhos muito bonitinhos do Vinicius. Por isso a abandonei e nunca mais a procurei. Nunca mais tive alguém. Não me lembro exatamente o porquê o final de tudo e a desistência total do amor, talvez eu tenha sofrido demais com ela, quem sabe? Eu preferi esquecer e de alguma forma funcionou. Essa coisa de amar só fode as pessoas. É mais prático não amar e ser indiferente. Ninguém sai ferido com nada. A manhã está nascendo, vou voltar para o meu apartamento e dormir até o nascer da noite, quando voltarei para o bar. Obrigado por ter me ouvido. Sei que minha vida é um pouco insossa, mas admita que é prática .Pelo menos eu não sou que nem os outros que não saem do bar para afogar as mágoas. Não tenho. Não tenho nada e por isso me sinto bem. Não exatamente feliz. Mas quem é feliz hoje hein?

7 comentários:

Anônimo disse...

beber? Fumar? Jornalismo? Cara, isso não funciona na vida real.

só faltou mesmo brahma e Benson.

Mell disse...

belo texto.

mas ele( a personagem ) é infeliz e leva uma vida medíocre.

Anna Clara disse...

ainda bem que não. e por isso digo, meu Deus, me ajuda a ser crua.

teko t. van kuyk disse...

sempre achei que amor fodesse mais o bolso e a carteira que o coraçao própriamente dito.

Adriana Gehlen disse...

É mais prático não amar e ser indiferente.

yé.
todo mundo tá escreveu coisas 'pra mim'. mesmo sem querer.
FODA.
sou feliz amando e não.
quem venha o que quiser. me entrego toda.

Adriana Gehlen disse...

quantos erros.
foda-se

Adriana Gehlen disse...

não acho uma vida medíocre.
credo, hein!