sexta-feira, 6 de maio de 2011

Excerto.

Simétricos, digo que são os dias em que se erguer das próprias cinzas já não pode ser considerado força de vontade ou persistência, mas insuficiência de provas de que nada vale a pena (e provavelmente posso estar errado também em relação a isso) e não há mais nada a se perder além dos anos, já perdidos, que se reservam ao direito se serem lembrados com amargura, num café muito forte e sem açúcar ao acordar & também se lembrar (são tantas coisas!) de que é necessário encarar o frio das 7 da manhã num ponto de ônibus, ao lado de pessoas que não se conhecem o suficiente para insistirem em conversas redundantes até que qualquer cordialidade é dissipada (não, talvez extirpada cairia melhor) quando as leis da física precisam ser postas em prova, vários corpos num mesmo espaço onde qualquer ação sempre será sujeita as piores reações possíveis e a inércia não existe a partir do momento em que o ônibus faz uma curva e 5 corpos jogam meu corpo contra a janela poluída com a vida do lado de lá. Então estou aqui reconstruindo tudo o que destruí, com os materiais mais em conta do mercado e com mão de obra desqualificada. E se um dia ela me perguntar o que é esta construção tão miserável, onde até os observadores se intimidam com tamanha humildade e falta de qualquer projeto assinado por um técnico, terei de lhe dizer (quase soluçando) de que se trata do meu caráter.









(Capítulo 8 do romancemprocessodegenerativo)

12 comentários:

Leandro Mayfair disse...

olha. talvez esse seja o seu personagem menos filho da puta que vc está escrevendo. talvez eu seja ele, ao menos nos olhos tristes.

Márcio Ahimsa disse...

extrair um caráter de si mesmo, é construir uma obra a partir do que experimentou de água e sal, de fel e mel num cotidiano mais ou menos agridoce, na ruptura de um verso, na queda de uma ruína, na perpendicular possibilidade de um encontro consigo mesmo. sim, caráter é um tijolo sobreposto um no outro, dia a dia, numa parede sem reboco, para que todos o vejam belo ou feio numa tentativa de ser gente, sem mimetismo, numa sociedade feita de cimento.

Julio P Vicente disse...

escrever tanta coisa tão bem em um parágrafo só, não é pra qualquer um. quero ler esse livro logo hein.

Antônio LaCarne disse...

moça, que texto esplendoroso! uma maravilha de se ler. verdade que é o capítulo 8 de um romance? pois boa sorte na conclusão e que você continue com esse feeling da ótima escolha das palavras e da condução dos fatos. parabéns!

Hermann disse...

A poética do dia-a-dia.


http://plumitivoledor.blogspot.com/

.maria. disse...

oh yeah

.maria. disse...

bom, preferia que fosse por email, mas como esse é o único meio de comunicação entre nós, vá lá:

eu e umas figuras deveras debochadas estamos fazendo uma revista que parece bastante com seu jeito nada sutil de morder a arte:

http://revistavixe.com.br/

mais tarde, receberemos algumas contribuições com textos nesse tom. Bjos!

Daniel disse...

Não identifiquei o que realmente você quis dizer com essa postagem, mas, pelo fato dela ter várias informações, informações reais ao meu ver, eu gostei demais.

Vi também como um dia cinza na cidade de São Paulo - A minha cida.

Daniel

Marcelo Mayer disse...

eu acho que vi você semanas atrás pelo centro daí

Heloísa Vilela disse...

Seu personagem me pareceu tão triste, tão preso na rotina, meio perdido. Ele se parece tanto comigo as vezes...

Bjs

Priscila Lopes disse...

Cheguei aqui através do twitter; "Otto_mm" nos colocou juntas pra dizer "talentosíssimas"; concordo com ele, pelo menos em relação a ti. me identifico com tua narrativa.

um abraço.

Nayara Borato disse...

Olá, desculpe invadir seu espaço assim sem avisar. Meu nome é Nayara e cheguei até vc através do Blog ponto final. Bom, tanta ousadia minha é para convidar vc pra seguir um blog do meu amigo Fabrício, que eu acho super interessante, a Narroterapia. Sabe como é, né? Quem escreve precisa de outro alguém do outro lado. Além disso, sinceramente gostei do seu comentário e do comentário de outras pessoas. A Narroterapia está se aprimorando, e com os comentários sinceros podemos nos nortear melhor. Divulgar não é tb nenhuma heresia, haja vista que no meio literário isso faz diferença na distribuição de um livro. Muitos autores divulgam seu trabalho até na televisão. Escrever é possível, divulgar é preciso! (rs) Dei uma linda no seu texto, vou continuar passando por aqui...rs


Narroterapia:
Uma terapia pra quem gosta de escrever. Assim é a narroterapia. São narrativas de fatos e sentimentos. Palavras sem nome, tímidas, nunca saíram de dentro, sempre morreram na garganta. Palavras com almas de puta que pelo menos enrubescem como as prostitutas de Doistoéviski, certamente um alívio para o pensamento, o mais arisco dos animais.

Espero que vc aceite meu convite e siga meu blog, será um prazer ver seu rosto ali.
http://narroterapia.blogspot.com/