terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Péssimo dia

Despertou com um forte arrepio pelo corpo, como se inúmeros insetos percorressem demoradamente a sua pele, mas achou que fosse somente o típico frio de uma manhã de segunda feira. Tentou se levantar, mas era como se sua cama fosse um grande imã que a atraía de tal forma que, qualquer esforço seria meramente em vão. Lutou para que uma das pernas pudessem ficar para fora da cama, enquanto a outra lentamente se desgrudava dos lençóis. Após uma verdadeira batalha dantesca, conseguiu enfim apoiar os dois pés no chão e se arrastar até o banheiro para tomar banho, mas no meio do caminho, entre a sala e a cozinha, pôs para fora todo o resultado de um domingo entre quase amigos e desconhecidos agradáveis.Resmungou entre um pano sujo e um rodo jamais utilizado que aquela segunda feira seria uma merda.

-Porra de ressaca do caralho.

Vestiu-se numa velocidade quase maior do que a com que o relógio marcava o seu atraso. Esqueceu sobre a cama a carteira e sua maquiagem. Acabou deixando a si mesma sobre a cama, sem perceber.
Correu pelas ruas acumulando sobre si a poeira do cotidiano daquela cidade que parecia engolir a todos, um grande triturador de sonhos e pensamentos. Um liquidificar de sentimentos e planos sobre as suas imensas avenidas. Precisava chegar a tempo em seu emprego, não era a primeira vez que corria contra o tempo mas era a primeira vez que sentia que seria inútil, que talvez não conseguisse chegar lá. Com vida.
Não adiantaria pegar um ônibus, a cidade estava emaranhada e perdida, sendo engolida por um trânsito caótico e infernal, o que lhe restava era correr até chegar a uma estação de metrô e ter a sorte de não precisar enfrentar fila alguma. Seus sapatos novos pareciam desgastados demais, sua roupa branca parecia refletir o asfalto e o banho que tomara, foi em vão, estava suada e fedendo como um pedreiro ao fim de um dia de trabalho. A maquiagem havia derretido e nesse instante se lembrou que esquecera de suas bases e pós sobre a cama. Quis chorar. Não sabia se a cidade era a culpada, se ela era a culpada ou se a existência do tempo era a grande culpada de toda a merda que lhe acontecia, odiava ter que correr para chegar no horário correto. Sabia que aquele seria um péssimo dia, no final das contas.
E correndo não percebeu que o trânsito então, como um laço mal feito, se desatou de repente, e ela, um mísero ponto tão cinza quanto a rua, estava no meio de toda a movimentação, dentro do coração selvagem de pedra que pulsava. Viu apenas como um borrão vermelho algo a se aproximar tão rapidamente de si que a atravessara. Apenas sentiu o seu corpo estar tão leve que poderia voar sobre todos aqueles carros e cair delicadamente sobre o asfalto quente e seco. Ouviu ao longe pessoas gritando, buzinas enlouquecidas e passos quebrando mais ainda o seu corpo. Não sabia o que estava acontecendo, mas sabia que chegaria muito atrasada e que certamente seu chefe lhe daria um aviso prévio.Não conseguia abrir os olhos para se certificar se estava próxima ao prédio do seu trabalho, o sol estava implacável e algo a impedia de abri-los. Ouviu quase que surdamente algumas sirenes e, quando finalmente conseguiu, com esforço igual ao que teve ao se levantar, abrir um dos olhos, viu ao seu redor várias pessoas e algumas câmeras.
Estava atrasada, estava suja, estava esticada dilascerada numa avenida, estava sem maquiagem e ainda por cima queriam fotografá-la. Amaldiçoou a todos, mas principalmente a ela mesma, por ter esquecido o seu estojo de maquiagem sobre a cama.
Não queria aparecer com aquela aparência fúnebre na capa de qualquer jornal.

-Que porra de ressaca do caralho. - sussurrou antes que o seu dia terminasse. Para sempre.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Bravado

Jamais acreditaríamos no final. Mas finais existem e finais sempre vão ter algo de triste, algo de perdido, algo de jamais ter chegado ao paraíso e sentir finalmente que tudo valeu a pena. Mas agora eu só sinto os seus abraços cada vez mais distantes dos meus, você sente os meus lábios mais frios e mais rígidos, eu sinto o seu coração cada vez mais e mais fechado ás minhas palavras e eu sinto o seu corpo cada vez mais seu e não mais meu, então, a gente começa a acreditar que isso é o final.
Eu não disse que seria, você nunca soube que seria, então vamos pagando esse preço caro que é viver os últimos dias como se eles fossem os primeiros dias: dois estranhos tentando se conhecer numa cama enquanto tentam se esquecer do que já viveram com outros, sem coneguir com sucesso, procurando um no outro algo a se amar, algo no que acreditar.Mas encontramos dois corpos suados se misturando e se penetrando. Nada mais do que isso.
Eu queria que fosse, você sempre quis que tivesse sido, então só nos resta esses pedaços que deixamos para trás, alguns sorrisos, algumas sinceridades, poucas lágrimas de felicidade, surpresas agradáveis.Mas o que ficou, o que nos restou mesmo foi esses sorrisos falsos e sarcásticos, essas sinceridades sinceras demais, essas lágrimas após brigas intermináveis e essas surpresas desagradáveis.
Eu tentei vencer, você achou que já houvessemos vencido, mas estamos batalhando ainda. Eu te tenho, você me têm, nós nos temos, e é tão simples e tão puro e, acordamos, eu não te reconheço e você finge o mesmo, e é isso que se resume o pesadelo que vivemos. E porquê, eu te pergunto sempre calado, sempre olhando bem pros teus olhos sem maquiagem, porquê ainda estamos nessa batalha, pelo o quê batalhamos? Olhe para dentro de mim, mas olhe bem e verá todas as feridas dessa guerra, e querida, você também está tão ferida quanto eu, até sangra mais do que eu. Mas e aí, quando vamos dar por vencida essa guerra? Eu procuro algum sinal de paz, como uma bandeira, e eu acho que não vou encontrar.
Todas as músicas cessaram, todas as luzes se apagaram, tudo o que era para ser dito foi dito.
Estamos num paraíso perdido
ou num inferno proclamado?
Não vamos vencer isso.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Coração (samba anatômico)*

Que fosse um samba qualquer, que fosse um adeus qualquer, que fosse sim um amor qualquer. Mas não fora qualquer e, é , eu sei agora por essas ruas e por essa escuridão e por todos esses rostos que me olham despercebidamente tentando entender o porquê dessas lágrimas numa madrugada, mas ah, fodam-se, estão mais bêbados do que eu e então eu até acho que estou paranóica em achar que eles sabem o que é amar, o que é chorar por um amor distante em quilômetros(e perto demais do coração) mas chorar de felicidade e imensa falta e porque, há tanta coisa bela que eu queria que os olhos dele, e os meus junto aos dele, vissem, mas os outros não sabem disso
[ porque eles só sabem beber, fumar & comerem o primeiro rabo que lhes é ofertado.]
Que fosse sim, mais um samba, em prelúdio, em interlúdio, mas que fosse qualquer, que não fosse essa letra saída do dedilhado de um violão desafinado(mas ele também tem um coração meu amor), que fosse uma benção, que fosse belo e que não tivesse fim como a felicidade, mas acontece que eu preciso voltar para casa porque a noite está fria, acontece que o meu coração ficou frio e a coisa mais triste que existe é quando o amor se desfaz
[mas o que se desfaz é a tristeza porque eu mandei a minha saudade tocar você].
Mas que seja um samba, já que não será mais do que isso & é maior do que isso,
é maior que
qualquer coisa
é maior que
o meu peito
é maior,
é maior do qualquer coisa e
a gente só pode ouvir uma vez
essa canção que de nós nasceu.

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* Noel Rosa

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

À uma quinta feira

As folhas me abraçavam enquanto o meu corpo encoberto de terra mas também de desejos se consumia e era sim, era o vinho, eram aqueles sorrisos, era esse seu maldito sorriso que não saía da minha cabeça e esse maldito jagger fica dando adeus a uma terça feira e eu digo até logo quinta ou sexta e não importa porque é
mais um dia que eu não estou com você
é mais um dia que estarei mais perto de você & os meus lábios estão rubis de vinho e de sangue minhas pernas & os meus lábios verdes assim pouco verdes mas o suficientes para que eu diga
para qualquer um e para todos e para mim mesma
& para você e unicamente para você porque eu já disse isso de uma maneira não tão convencional
mas tão emocional e sincera que
tão sincera que ainda repito, nos restos de hoje
nestes restos que estão pelo meu corpo
que eu te amo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Palavras, apenas.

Eu não consigo escutar o que você diz, é isso, então tudo bem, pode dizer o quanto eu sou um idiota, um completo covarde por não querer ouvir as suas palavras por ter medo de ver o meu mundo, não esse mundo ao redor, mas esse mundo que gira e brilha dentro dos seus olhos, ir aos poucos desaparecendo sem que eu possa tocá-lo novamente, sem que eu possa invadi-lo com suavidade e me sentir tão morador dele quando deste aqui, onde o meu corpo repousa inerte e os meus ouvidos evitam entender as suas palavras que não passam por eles, vão direto ao meu peito para tentarem o rasgar. Mas as palavras, as palavras minha querida, elas são palavras apenas, são letras uma após a outra que formam palavras, palavras que uma após a outra formam frases, frases que uma após a outra formam o que hein? Formam isso que eu sinto, esse medo enorme de te ouvir e sentir um desespero de não morar mais nos seus olhos , que formam isso que você está sentindo, esse vazio desprendido, essa ordem de despejo. Palavras são apenas palavras, querida, o que as fazem ser mais do que isso, o que as fazem ter consistência de lâminas são o que elas querem dizer não por elas, letras apenas, mas pelo o que saí de dentro de você. Ah, eu sei, você jamais entenderia isso com essas minhas palavras, porque são palavras misturadas com esse sentimento que você não quer mais, mas quer, porque precisa dele para continuar e então, querida, não tenha medo de ser covarde, porque eu também sou.
Então só peço que deixe-me entrar dentro desse mundo mais uma vez, a última vez, deixe-me fazê-lo girar, deixe-me fazê-lo brilhar, aí, nos seus olhos para que saiba o quão hipócritas tem sido essas suas letras após letras.
Eu sei que você está me ouvindo, mas eu não consigo ouvi-la, e me sinto completamente aliviado por isso.
Suas palavras, essas que você jorra por seus lábios, são apenas palavras, nada mais do que isso.
Pela primeira vez, eu consigo apreciar esse silêncio vindo de você.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Dores em néon

Neon.



Andava entre os carros, desviando-se deles com extrema habilidade ébria enquanto os seus olhos se enchiam de neon e o seu corpo sumia em plena avenida como se fosse alguma lâmpada que lentamente ia perdendo a força, e somente os seus olhos brilhavam, duas faíscas incandescentes, dois pontos luminosos vermelhos. De neon. Era como um pássaro preso numa gaiola por muitos anos, mas agora ela estava completamente livre, poderia ir para qualquer lugar mas mesmo assim era um pássaro de asas quebradas se debatendo contra uma gaiola de vidro imaginária que, por algum motivo, se quebrara e agora não existia mais qualquer gaiola, ela estava solta e perdida num mundo estranho a ela, onde os carros não entendiam a sua dor e buzinavam loucamente, onde as pessoas que cruzavam com ela não viam que sangrava e se debatiam contra ela, se manchando com aquele sangue e aumentando as feridas, onde a noite caía cada vez mais com um peso maior sobre o corpo exausto e de asas quebradas que ela possuía e que o dia não cicatrizava, onde não se sabia separar mais o que era o sujo do limpo, os humanos de animais.Ela era parte agora desse mundo egoísta, imundo e miserável, e não sabia o que mais lhe doía, se era essa verdade ou suas asas quebradas, dilasceradas.



Gostava da dor de estar presa a sua gaiola, tão diferente dessa de estar livre. Não que fosse uma dor agradável mas era uma dor da qual já estava acostumada, uma dor amiga da qual a confortava,que não a deixava sozinha, ali sempre latejando por todo o seu corpo, sempre a lembrando da condição de pássaro numa gaiola, presa para sempre. Mas essa nova dor era demasiadamente cruel, ela não a sentia. Essa nova dor a abandonava, deixando feridas infeccionadas, pus amarelo escorrendo ora meio rosado pelo sangue ora meio preto pela sujeira das ruas por todo o seu corpo e por dentro dele.Era a sua maneira de dizer que ela estava abandonada a sua própria sorte, a seu próprio corpo e nem ela, a dor, queria estar com ela quando a noite chegasse, nem a dor, repetia para si mesma, teria piedade do seu novo destino traçado com lápis sobre um guardanapo. Ela via aquelas feridas, aquele sangue e as suas asas quebradas, mas não sentia de fato dor apesar de sentir essa dor dilascerando parte por parte do seu corpo de uma maneira tão insuportável que, já não sabia se era humana ou um animal, se era limpa ou suja. Sabia apenas que agora aquele era o seu mundo e que devia se acostumar a ele como todos os outros.



Então, descobriu algo ao encher seus olhos de néon pela primeira vez.



Sua dor tinha medo da luz, como todos os monstros noturnos que se escondiam da claridade do dia, luz do sol que não existia mais naquele mundo. Iluminado apenas pela artificialidade do néon.

Se debatia dentro dela, ela sentia a sua dor sentir dor, urrar de dor, quase podia ouvir sua dor pedir misericórdia.E todos os dias, que não eram dias eram sempre noite e madrugada, ela enchia seus olhos de néon como os enchia antes, quando era um pássaro perdido naquela noite suja, e não sabia dizer que dor era aquela que lhe queimava.

Agora sabia.

Se lembrou dos dias da gaiola, onde se esbaqueiava contra as pequenas grades de metal e vidro, mas que não sabia o que era se sentir sozinha.Havia aquela dor, a dor de suas asas quebradas como a de todos os outros que também estavam presos em gaiolas vizinhas e semelhantes, tão sozinhos como ela e a sua dor.Mas agora sua dor era ela, numa gaiola de carne e sangue, dependente dela. Dependente da escuridão e dos medos para se alimentar e se fortalecer. Pela primeira vez sentiu algo como um prazer( uma explosão de orgasmos múltiplos, se ela soubesse o que isso era isso), de ter o poder de controlar a sua dor, de humilha-la como antes ela fora humilhada, não ia lhe dar a escuridão e nem medos. Era dona da sua dor e somente ela decidiria quando destruir aquela gaiola e deixá-la livre.
Rompeu a escuridão daquele mundo e se inundou de néon.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Poesia&prosa


And those were the days of roses, poetry and prose
and Martha all I had was you and all you had was me
there was no tomorrows, we'd packed away our sorrows
and we saved them for a rainy day.
(Tom Waits-Martha)




Nos tocamos, frações de segundos eternos e mais eternos do que qualquer outra coisa que exista, mais eternos do que suas poesias e mais eternos do que minhas prosas &

a sua voz ainda permanece por todo o meu corpo que ainda é e continuará em brasas
(eternas)
incenciando os meus sentimentos
(eternos)
acelerando os meus delírios & compondo meus sonhos
em letras em prosa em poesia em canções que
quisera eu ter escrito á você
que vai me tragando que vai me colorindo em tons matinais
eu que sou um mosaico decomposto e desbotado
eu que
nego constantemente mas é inútil negar é um absurdo negar e é errado negar
todas essas coisas todas essas palavras que são inertes & sem nenhuma poesia
porque ela, a poesia
esté em ti e ficou neste espaço de sombra que perdura entre o meu desejo e o teu amor
por onde vão deslizando os meus sonhos
as tuas poesias
as nossas prosas

(e somos poesias e somos prosa e somos literatura)

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Passinhos felinos.

Para Bernardo



Sempre assim.



Entra felina pela sala, aturdida talvez, vai se esquiando pelos móveis da sala até encontrar o meu quarto e esbarrar no cinzeiro transbordando de cigarros e papéis amassados, de recados antigos que ela deixara na geladeira. O carpete persa-chinês muito imundo agora, de cigarros, papéis e as roupas dela que despe meio ávida, meio tímida. Finjo como sempre que estou dormindo tão profundamente que não ouço os passos trôpegos dela seguidos de alguns soluços indo em direção a minha cama, onde se enfia por debaixo dos lençóis com uma delicadeza quase que infantil, de criança com medo do escuro, que se enfia entre os pais de uma maneira que não os acorde, para que eles não a mandem para o quarto novamente, enfrentar o bicho papão. Vai se acomodando, encontrando uma posição confortável até que um de seus braços fique jogado sobre mim num possível abraço. Sinto o cheiro de outros sobrepostos ao cheiro que o corpo dela emana, cheiro de saliva e de gozo, desodorantes de farmácia e loções após barba. Então durmo.

Acordo e finjo surpresa ao encontrá-la ao meu lado e até consigo esboçar um sorriso quando ela acorda sorridente e me pergunta que horas são, e eu lhe digo olhando para aqueles olhos borrados de rímel e delineador que formam um círculo negro em volta deles e para aquele rosto de pele tão marcada por pequenas rugas e remanescências juvenis que formam um belo contraste, "são 11 da manhã, eu tenho que ir trabalhar mas antes eu vou preparar o teu café quase almoço que vai ser o seu jantar" e ela ri e eu sinto aquele hálito de gato morto e podre de vodka, "posso dormir até as 3? Eu juro que arrumo a sua casa antes de você chegar" "Claro que pode, não precisa se preocupar com isso", mas ela vai dormir até as 7 da noite, quando vai se levantar e ir caminhando desengonçada com os seus saltos e apenas eles do quarto até o banheiro, onde vai se olhar no espelho e se assustar ao ver que ao redor dos seus olhos de mel e fel está cinza nublado e sua pele amarelo urina.E vai chorar sentada na privada, e eu acho que é pelo mesmo motivo pelo o qual ela está li sentada. Ela rouba uma das minhas camisas que estão jogadas do cesto de roupa suja e com aquele andarzinho de felina ferida vai esquentar a comida que deixei pronta esperando que fosse seu almoço mas como sempre, é sempre o seu jantar e vai fuçar nas minhas gavetas alguns trocados para o táxi, se tiver sorte, ou para o ônibus, se tiver azar. Volta para a cozinha e desliga a panela e a deixa sobre a mesa com uma colher, que, aos poucos, vai rechando e levando a boca enquanto vai lixando as unhas dos pés. Mal termina de comer e corre para o banheiro, "quer morrer é?tomar banho quente depois de comer?" "relaxa, até agora não morri querido", engraçado como ás vezes eu queria encontrar o corpo dela ali, debaixo do chuveiro para poder rir amargurado e dizer o tão clichê "eu te avisei querida". Deixa a porta aberta durante o banho e a tv da sala ligada no noticiário, onde, saí correndo para ver a alta do dólar, talvez para incrementar o papinho de mulher-inteligente-que-sabe-que-o-dólar-está-a-2,25, quem sabe, alguns homens devem gozar melhor sabendo disso. E isso me irrita porque acaba molhando todo o chão da sala que,por sua vez, denuncia a saída dela, marcas de saltos muito altos sob pernas bem definidas, porque eu ainda tenho a esperança de encontrá-la em casa ainda, isso quando não a encontro na portaria. Eu chegando exausto e ela saindo recomposta, outra mulher dentro de um vestido do qual tão bem reconheço deixando pelo ar o perfume dela que está cravado na minha pele, uma visão, um flash de néon que me atravessa e leva consigo meus sorrisos e um "boa sorte dessa vez".

-Mas não precisa me esperar hoje à noite,não volto.
-Caso volte, sabe onde a chave sempre está.
-Mas eu não vou voltar.
NÃO
VOU
VOLTAR.

E assim, como sempre, ela vai.Passos firmes de quem não irá voltar com passinhos de felina atropelada, felina vira latas que é, com esse papinho de que "hoje eu não vou voltar porque eu encontrei alguém melhor que você, o homem da minha vida, e eu vou ficar com ele e eu sei que vou ser completamente feliz", mas a vida dela acaba todas as noites e amanhã será outra vida, será outro homem a fazê-la feliz, porque ela acha isso, porque acha que faz ALGUÉM feliz, e é a isso que ela se agarra. Felicidade querida não é ver o sorriso de alguém quando te come, eu deveria ter dito antes, talvez hoje.E ela volta, desmanchada e com a noite nos olhos e com " tive pena de te abandonar, porque eu sei que você não vai sobreviver sem mim, eu sei disso.E no fundo eu te amo, não tanto quanto você, mas eu tenho pena, é isso.", isso que diz com os lábios cheios de vodka e gozo alheio que, queriam que fossem os meus lábios a pronunciarem numa canção tão suave que acalmaria a sua alma inquieta, mendiga de farol por amor&atenção.
Mas eu nunca digo nada, estou ali dormindo, fingindo estar sonhando com algo melhor que isso, tê-la aos pedaços.

Eu a odeio. Odeio por provocar em mim esse maldito amor incondicional que não me permite esconder a chave em outro lugar, essa piedade que explode a cada movimento dela que implora por proteção e compreensão pela sua procura errante pela noite por alguém que, como eu, a ame com estes olhos borrados de negro e cinza sobre um amarelo urina, que veja nas suas rugas traços perfeitos e nas suas espinhas inflamadas a sua juventude aflorada num sorriso tão doce e tão puro apesar do cansaço do contorno dos seus lábios e que cure os seus pés, pés felinos, de passinhos ágeis e delicados, fatais e atordoantes. Que só veja nela o que eu vejo todos os dias quando ela acorda sorridente fazendo que mesmo que eu não queira, sorrir ao ver a mulher da sua vida. Por isso ela sempre vai voltar. Por isso ela sempre sorri mesmo sem ter um motivo para sorrir quando desperta.Porque vê nos meus olhos a mulher que ela sempre quis ser para mim, e já é sem perceber.
Mas me calo, nem digo nada a ela. Eu a amo assim cada dia mais com esses seus passinhos felinos em direção a minha cama.

domingo, 30 de novembro de 2008

Destrago.

Li demais cara, li até o que eu não deveria ler e fingi ler o que deveria ter lido. E fumei demais, e eu nem trago tão bem assim, aliás eu só gosto do sabor do cigarro nos lábios como distração, como companhia ás vezes, e eu não te traguei como eu lhe dizia enfaticamente. Até ligava para te avisar, mas veja só que patética eu sou (ou que patética eu voltei a ser, ou evito ser).
Tentei
juro que eu tentei de tragar. Traguei, tossi e assim ia tentando com certa inutilidade.

Ah cara, acho que eu te TRAGUEI DEMAIS, foi isso. E tanto ter tragado outros, fui acumulando vários cânceres, miásmas pelo corpo e pela mente. Até na alma acho que já tive um câncer. E é isso, você sabe,
tenho medo de mais um, eu sinto ele ir nascendo, é bem leve, quase imperceptível, eu quase posso acariciá-lo
(isso porque eu digo sou saudável, olhe como eu ainda tenho forças para continuar isso.Olha como eu ainda sei sonhar,não é incrível?)


Hoje eu acordei com um gosto de cigarro nos lábios & decidi que eu ia parar de fumar por um bom tempo.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Em algumas horas

Não há qualquer honra em esperar em vão as horas serem exatamente aquelas que deveriam ser, e não são.
(Hermamm Hesse)





Então é madrugada
de novo
como sempre e mesmo que amanheça ainda será madrugada neste espaço minúsculo onde
eu deveria carregar um coração mas ele deve e provavelmente está enterrado como o de seth então quem o encontrar terá em suas mãos algo inútil e terá o poder de acabar com toda essa inutilidade & eu irei sorrir a contragosto e porque eu gosto sim de sorrir quando nada faz sentido porque isso não faz sentido
mas é
madrugada e estão todos ao meu redor e eu não sou eu
sou outra pessoa até melhor porque ela é fria mais fria do que o tempo que está lá fora e que nenhum relógio
QUE DELIRA
marca nos ponteiros
essa falta quase que ardente, que rasga & que esvazia os meus olhos algumas vezes que eles deveriam
sei lá
observar o quanto isso tem sido patético para mim mas ao mesmo tempo único & e doce
tão doce que eu sei
ah mas eu sempre sei, como se Delphos fosse logo ali
que vai acabar, como sempre acaba, como sempre se acorda de um sonho para a realidade
(este sonho que fuma loucamente e que diz que vai me esperar)
assim como são 6 horas e já não é madrugada.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Blues sugar Blues

He's not much on looks
He's no hero out of books
But I love him
Yes, I love him
(Billie Holiday- My man)




Retiro com pressa e avidez de uma amante insaciável os teus versos sujos & as tuas prosas doentias e vou desabotoando um por um esses teus complexos de cão solitário que vaga pela madrugada quase rasgando o teu alcoolismo vagabundo enquanto meus dedos vão procurando os teus antigos amores que vá lá saber
se realmente são antigos ou se foram de fato amores & os meus lábios vão se aprofundando nos teus lábios mofados de blues, doce blues e vão se perdendo em seu pescoço,
sugar blues
& vão de aproximando de toda a inspiração,
blues sugar blues
ali onde meus lábios não vão ser lábios mas apenas dois leves pedaços de carne, porque nossos corpos vão
ser apenas carnes sobrepostas,
carnes que se invadem,
que se machucam freneticamente e não sentem dor
mas nós,
eu digo isso que é mais do que carne & sangue & fluídos,
seremos massa incorpórea, notas que vagam pelo ar saídas de uma guitarra, gaita, sax, seja o que for,
seremos jazz & blues
poesia mon amour em corpo de poema.

domingo, 23 de novembro de 2008

Volvió una noche

Não merecemos estar aqui, entre tantas e tantas pessoas que só nos fazem nos sentir cada vez mais e mais sozinhos e abandonados dentro de nós mesmos e por isso, e somente por isso aceitei ser conduzida por você entre todos aqueles bêbados e alienados patéticos para fora daquele mundo em que somos apenas estranhos de passagem. Não digo o seu nome e nem dirás o meu, talvez você seja aquele que realmente amo e talvez eu tenha sido aquela que você tenha abandonado, mas por hoje, por essa noite, não vamos ser ninguém além de dois perdidos numa cidade repleta de muros impenetráveis.Rasgamos a noite com esses nossos sorrisos amarelo-doentio que caem pelo gramado molhado e morto como todos esses sonhos idiotas que idealizam amores perfeitos( orquídeas para mim e lírios para você), esse amor mais que perfeito do presente e do passado. Eu vomito sobre você todos os meus antigos amores enquanto os seus lábios abrem os meus lábios num soluço interminável.Abraça-me entre tuas pernas & diga por favor que todos os tangos serão para nós, apenas por hoje e eu lhe direi o quanto eu te amo por esta noite, e só por esta noite, antes que os meus cigarros acabem, antes que o nosso vinho acabe,
Del fondo de mi copa, su imagen me obsesiona

antes que eu saiba quem você é e você saiba quem sou.

Mentira mentira, yo quize decirle
El tiempo que pasa ya no vuelve más

O que eu amo, o concreto convulciona para dentro de si, para longe de mim, para além do que eu sinto com estes meus olhos de tráfego.

Toque o meu peito e rompa meu coração incendiado de tudo isso que jamais teremos.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Garoa de moedas (ou um poema vagabundo após ler Piva)

Entre as gotas
impuras
puras putas
que caem do céu
e molham assim as páginas do Piva que
eu não sabia
você está ali em cada verso
e é talvez por isso
que chove agora na merda do meu coração.

O meu rosto que se esconde dentro dele mesmo
que foge do reconhecimento alheio
que odeia reconhecer coisas alheias a ele próprio
(que se descobre de si, todas as manhãs, sem maquiagens, sem máscaras)
corre pela rua, não quer se molhar
derreter e revelar quem eu sou.
Oras, mas chovia no teu coração de merda
e talvez por isso eu tenho medo de me molhar.

E pelo caminho, esbarro, caio
tropeço e me levanto
entre
carros tocando velhas canções de rádio
mas que eu só queria
ouvir a tua voz sobreposta a essas velhas canções
e os seus olhos encontrando as minhas imperfeições
e sorrindo
porque elas completariam as tuas imperfeições
que são perfeitas.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Nem tenha um título, por não querer ser nomeado.

Sei que fazer o inconexo aclara as loucuras. Sou formado em desencontros. A sensatez me absurda. Os delírios verbais me terapeutam. Posso dar alegria ao esgoto(palavra aceita tudo).(E sei de Baudelaire que passou muitos meses tenso porque não encontrava um título para os seus poemas. Um título que harmonizasse os seus conflitos. Até que apareceu Flores do Mal. A beleza e a dor. Essa antíteseo acalmou.) As antíteses congraçam.

(Manuel de Barros)



Começo assim.


O alcançaria em meu voô noturno em plena claridade desta cidade inundada de escuridão, à contramão de mim mesma, dexisplicável ave de rapina com asas de borboletas e olhos de morcego que se esbaqueia, se esfaqueia rumo a ti. Tu que não te moves de ti, eu que não me movo de ti. Disperço meu tempo, apresso meu desvelo, que ora é apenas as cinzas desses meus amores-cigarros ( eu que não fumo), ora restos dos meus sonhos-copos-com-qualquer-alcool( eu que não bebo).
Sobrevoo estas flores que, não sei, sejam pedras-palavras tuas balas tão suaves que não matam, que atingem e escorrem pelo meu corpo como sangue quente, de feridas nossas, e que os meus lábios lambem para que, no encontro com os teus, acabem tendo todos os significados que deveriam ter (e que talvez não o tenham).

Continuo.
Tome fôlego (ou qualquer coisa que custe 4,50 em um bar)

Encontro-o derretendo-se em algum cruzamento da vida-grande cidade-imunda em que a chuva, essa tão idiota chuva ( lembre-se de Ben Jor Jorge, chove chuva, chove sem parar. Continue a letra e lá encontrarás o que digo), mas é você, enfim, a imundice dos meus olhos e a pureza do meu amor (Se não o fosse, São Paulo seria pura quase santa de tão exata em seus cruzamentos, mas, não é).

Talvez piedade, amor piedade.

Abraço-lhe com minhas asas multifacetas-multicoloridas-multidoloridas que vão se rasgando, pedaços que os bueiros vão escoando junto com isso, que diríamos, poderia ser algo como o meu parco amor próprio (mas não dizemos, estamos mudos, a chuva molha nossa voz).
Então nascem meus braços, meus olhos tem lentes e estou tão abaixo dos céus que nenhuma consolação é o bastante para o inferno que será chegar até o paraíso.

sábado, 8 de novembro de 2008

Kevin Carter


Acordou de repente, com o coração acelerado. Exagerou na última carreira e na superdosagem de heroína na noite passada. Mas era aquele sonho, aquele MALDITO sonho que o perseguia, tinha certeza disso. Antes fosse um mero sonho e não um flash, um flash que havia acabado com sua frágil normalidade. Estava suando apesar da noite fria. Precisava de alguma coisa, qualquer bebida, talvez cocaína, algo forte, mais forte do que ele, mais forte do que ela, aquela menina, aquele flash. Queria chorar, se recolher em posição fetal no chão imundo da sua casa, se sentia humilhado. Não pelas contas a serem pagas e nem pelos seus exageros em drogas e álcool, tão criticados por seus colegas da profissão. Estava pouco se fodendo agora para isso. Só queria chorar por ele e por aquela menina. Ela que lhe rendeu a maior glória da sua vida e lhe jogou diretamente para o escárnio, a lama, a podridão, até onde um homem pode chegar numa escala de humilhações que passam de todos os limites. Seu Pulitzer, na estante, sempre o lembrando de seu brilhante profissionalismo, ética e objetividade. Queria enfiar tudo aquilo no de todos aqueles malditos críticos que lhe deram aquela porra.


Se olhou no espelho e só via ela, rastejando por comida, abrigo ou qualquer coisa. Claro que poderia ser qualquer coisa, ele se sentia o maior filha da puta do mundo por não ter lhe perguntado o que queria. O melhor enquadramento, era só isso que ele queria. Ele era um predador, mais um urubu na cena.Maldito, se odiava por isso.


Ele não queria isso, a grande verdade seja dita. Ela apareceu ali, quase implorando por aquela foto, que culpa ele teria? No fundo achou que aquela foto a ajudaria muito mais do que leva-la até aquele abrigo da ONU, tinha certeza disso. Ele só queria fotografar a guerra, era um jovem pacifista, o Sudão em uma guerra civil perdida, o mundo todo cego a ela. Queria sim horrorizar os jornais com aquelas cenas, queria que todos soubessem daquilo, que suas fotos fossem balas, gritos, o crepitar de corpos em meio a fogueira. Era isso.A menina apareceu porque queria que isso fosse mostrado da maneira mais cruel possível. Se sentiu orgulhoso por ter conseguido o que mais queria afinal. Era um membro do bang bang gang, sentia-se orgulhoso por ter mostrado ao mundo o inferno do apartheid, a libertação de Nelson Mandela e tantas outras atrocidades políticas em sua África. Colocou a sua vida em segundo plano, pelo amor ao fotojornalismo, por amor a verdade. O mundo precisava deles. Oosterbroeck estava morto; uma bala perdida cravada em seu peito e sua câmera ensanguentada, Marinovich; sete cirurgias, mais um câmera ensanguentada. Sabia que era injusto, que todos os que o aplaudiram por sua coragem e por sua competência, agora, o repudiavam, riem as suas costas por sua situação humilhante. Sádico e desumano, era isso que todos disseram após a foto ser publicado no New York Times.

Talvez o fosse, porque não? Maldito egoísta.

Encontrou nas drogas e no álcool algo em que acreditar, algo que o fortalecesse, que o fizesse esquecer daquela menina. Encontrou nela muito mais do que um prêmio e uma denuncia. Encontrou nela aquilo que em breve seria.


Não, jamais haveria alegria naquele sorriso.

ASSASSINO, escrito em sua testa. Era apenas isso que ele lia todas as vezes que se olhava em algum espelho, em alguma lente.

Ele queria ter a salvo, mas não foi forte o suficiente para isso.
Queria ter se salvo.


"Eu estou depressivo…sem telefone…dinheiro para o aluguel…dinheiro para o sustento das crianças…dinheiro para as dividas…dinheiro! Eu estou sendo perseguido pela viva memória de matanças, cadáveres, cólera e dor…pelas crianças famintas ou feridas…pelos homens loucos com o dedo no gatilho, mesmo policiais, executivos assassinos…”

Trecho da carta de despedida de Kevin Carter

Fotojornalista sul-africano suicidou-se após anos registrando a miséria humana

Johannesburgo, 27 de julho de 1994.


Suicída-se o fotografo Kevin Carter.

O corpo fo encontrado próximo a um lago em sua cidade natal,Johannesburgo,África do Sul, dentro do seu carro. A morte foi provocada por inalação de monóxido de carbono.

Kevin Carter foi o grande ganhador do Prêmio Pulitzer deste ano, pela foto em que mostrava o horror da guerra do Sudão através do sofrimento de uma menina sendo devorada em vida por um abutre.Kevin era membro da renomada bang bang gang. Grandes jornalistas que arriscavam suas vidas para mostrar ao mundo que de fato ocorria em todo o continente Africano.
(Conto Baseado na música "Kevin Carter-Manic Street Preachers" e na reportagem do blog "Revista Wave")
http://www.revistawave.com/blog/index.php/2008/02/20/kevin-carter-1960-1994/

PORQUE NÃO PODEMOS DEIXAR QUE ISSO SEJA ESQUECIDO.



PS: Não estou aqui de maneira alguma defendendo a causa humanitária. Não que eu seja fria o bastante para isso, mas enfim. O texto é uma forma de protesto contra a injustiça cometida contra Kevin Carter e o seu precoce esquecimento.





sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Pandora

Ao aniversariante.

As mulheres e as crianças são as primeiras a desistirem de afundar navios.

(Ana Cristina César)

Tempestade.
Sozinha em sua nova casa, arrumava o restante da mudança com uma taça de vinho em mãos. Olhava para as caixas com um leve sorriso desapontado, de quem queria deixa-las de lado e correr pelo quintal, como fazia quando era criança, quando não havia grandes mudanças e caixas fechadas de lembranças.

Andava pela casa iluminada apenas por alguns abajoures, dançando uma música qualquer, no silêncio quebrado pelos trovões e pelos fortes ventos. Seus dedos corriam pelas janelas, desenhando na umidade dos vidros o nome dele. Se assustou com alguns raios e cobriu com lençoís os espelhos próximos. Voltou para a janela, observando a tempestade que só aumentava, e seus dedos novamente desenhavam aquele nome. Gritou para que eles parassem, deviam abrir caixas e não feridas.
Sentada no chão, foi abrindo as caixas com um certo ressentimento, como se fosse Pandora e sua caixa. Ao abrir, talvez revelasse maldições que carregava consigo, que a destruíriam. Deja-vu

Ali.
Roupas, livros, cartas e fotos.
Mordeu o lábio, respirou fundo e tomou de um só gole mais uma taça de vinho. Era hora de revirar no chão, como um lixo, todo o seu passado.
Suas roupas que ainda continham o cheiro dele, os livros que recomendavam e liam um para o outro e aquelas cartas de amor e ódio que eram e não eram remetidas. Fotos desde quando era uma criança até aquele momento, onde ostentava o peso de sua maturidade. E em todas aquelas fotos, era como se ele estivesse. Aquela presença só dele que estava em tudo, e dentro dela.
Mais uma taça de vinho, trovões, todas as caixas rasgadas como ela, espalhadas pelo chão, pedaços dela que completavam os espaços vazios dele.
O coração apertado, batidas fortes, suor frio. Seus dedos que tremiam, que faziam ela ir até o telefone, dedos com vida própria que discaram para aquele telefone que ela havia esquecido, eles não. Caiu de joelhos, pernas bambas a cada toque. Do telefone, dos lábios, da pele dele sobre a dela.

-Alô
-Sou eu, por favor, não desligue.Está chovendo
-É, eu sei, aqui também.Tudo bem?
-Está chovendo dentro de mim, entende?
-Chove dentro de você?
-Eu não sei. Só você sabe fazer isso parar, pode vir aqui? Eu te passo meu novo endereço
-Não posso...Meu filho está com pneumonia e com medo dessa chuva. Mas eu sei que você é mais forte que isso, saberá fazer isso parar.

Desligou em sua cara

Ela então vai se recolhendo pelo chão, recolhe a ele também. As caixas vão ganhando novamente um sentido, um peso. Talvez sua consciência.
Abre a porta, a tempestade continua implacável.
Arrasta as caixas até lá, revira-as sobre a lama, sobre todas as poças. Vai as vendo murchar, virar nada alem de caixas molhadas, papéis destruidos, roupas sujas. Ri. Começa a correr pelo quintal de braços abertos, girando , como fazia quando era uma criança. Sem nenhuma caixa aberta de lembranças a sua frente .Não era mais Pandora.

Volta correndo para dentro de sua casa.Não queria pegar uma pneumonia.

domingo, 26 de outubro de 2008

Oração a qualquer Deus que exista.

"Não estou só. Estou no meio de outros solitários. E cada um e todos nós falam sua linguagem singular! Equivale a virmos, juntos, de deus distantes, cada um envolvido na aura de seu próprio mundo incompreensível."
(Henry Miller)


Outubro, dores vermelhas, tristeza violeta seca que não floresce nesta primavera que toca nossos corpos delicadamente, brasas em cinzas espalhadas pelo preto e branco de nossa memória.

E se algum Deus existe, não existe. Mas

Peço-lhe que gentilmente não deixe para trás esse resto de mim que há em você, páginas viradas e amassadas, sujas de vãs tentativas poéticas, porque nós sabemos calados e conformados, que somos vãs tentativas de tudo, feitos de um vazio impreenchível e permanente de sonhos.
Escute.

Dilascerante.

Isso que desce pelos ouvidos, amarga os lábios, queima a alma, mais uma dose.
A cada esquina, cada bêbado, cada lixo, cada som, cadência, saberá que fomos feitos para nos completarmos nessa maldita solidão que nos afoga.

Lira flutuante salgada, corpo e alma, Coltrane
Amém.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Música que perdeu as notas musicais sob uma fina garoa.

Digo-lhe
encontrei com você ontem a noite. Malboro azul. Jazz pela casa, Lee Hooker. Um pouco do seu sorriso ainda pelo meu rosto apagado.
No brilho da tv, algo do seu. Algo do meu que se foi. Algo de nós dois.
A madrugada que se prolonga, 4 da manhã de uma quarta feira que eu sinto que já é quinta feira, eu perdi o controle do tempo, sabia? Queria dizer que realmente eu já não consigo dormir com facilidade, então eu compreendo o porquê da sua cara de mal humor quando eu o acordava, porque é essa a minha cara, o meu atual humor.

Esse sorriso agora sim pode ser falso de verdade.

De mãos, de sorrisos, de beijos, sobraram alguns rascunhos. Sua letra, a minha. Nosso sonho num papel reduzido a somente folhas amassadas e rasgadas.

Então me lembro do nosso último abraço sob uma fina garoa no final de um domingo, e o que era um samba a dois, cartola e chico, insisto num vinícius, perdeu ali algumas notas.
Chuva, tempestade torrencial dentro de mim com raios apocalipticos&trovões ensurdecedores, que não me deixam ouvir aquelas palavras que saíram da sua boca, aquele adeus que não fora um adeus, fora um até logo, mas um até logo quando?

Apagou, eu acendo, sem problemas

O seu gosto sempre nos meus lábios, e sim, ainda haverá de ser um cancêr.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Laelia.




- Qual flor me indicaria?
- Uma orquídea.
- Não entendo nada de orquídeas, acho as apenas delicadas.
- Delicadas e sensuais.
- Sensuais?
- Sim, sensuais. Seu perfume e suas cores vibrantes sempre nos excitam.
- Mulheres!
- Hermafroditas. Orquídeas possuem os dois sexos.
- Não acredito! Uma flor tão feminina!
- Porque não acreditar? Nós homens também temos uma parcela feminina em nossos genes. Esqueceu que temos um X? Claro que não afloramos com facilidade esse nosso X, mas ele está ali para provar que nós homens não somos totalmente homens, temos a delicadeza das mulheres adormecida. Isso se aplicaria as orquídeas.Elas possuem um androceu, que seria o seu orgão masculino, o seu grande Y exótico, que está ali por meramente necessidade reprodutiva. Mas isso não tiram delas a sua femininidade, tão exclusiva delas e só delas.
- Ah? Nunca fui muito boa nessas coisas.
- No quê?
- Sexo.
- As orquídeas são ótimas amantes. Exalam seu perfume e explodem em suas mais diversas cores, o que atraem os insetos ao seu interior. Oferecem-lhes seu doce ginoceu, ali tão protegido como se fosse algo intacto, puríssimo, embebido em resquícios de néctar e pólen, que fazem seus amantes delirarem. Êxtase.
- Mas isso ocorreria, caso eu a levasse para casa?
- Claro, você seria sua amante. Não de todo o modo, como lhe diria? Ah, você se sentiria em êxtase a cada vez que tocasse delicadamente suas pétalas, exalasse o cheiro de seu ginoceu e levasse aos seus lábios um pouco daquele néctar. Flertar com sua orquídea ajudaria a floresce-la. Manter-se sempre jovem, bem cuidada. Amor recípocro. Próprio.
- A orquídea?
- Ambas.

sábado, 18 de outubro de 2008

Agora.

Agora, somente somos fotografias,
sorrisos congelados em abraços paralizados nesses momentos retratados pelo toque das nossas mãos.
1 ano em um segundo de espera, pela sua voz.
ou 1 década em um dia de espera, pelo seu rosto que modifica o meu.
Agora, apenas uns cigarros apagados, não fumados
pelas cinzas de que nos tornamos
de todas as cinzas do que não fomos.
Eu sempre estive errada, nunca verdadeira
estes meus olhos que nunca mostravam a pouca verdade que havia em mim.
Sei que encontrará nos restos do que fui
os cacos dos sonhos que partilhamos.
Agora

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Tango anacrônico

Deslizo sobre teu corpo enquanto Gardel chora por sua Buenos Aires convalescente, e os teus olhos encontram os meus lábios que encontram em suas pernas algum resto de tango.Jornais velhos com o rosto de Perón em suas capas anunciam o nosso amanhã que é tão breve quanto essa madrugada que se esvai em nossos apelos por mais um verso borginiano.Sussurro quase aos gritos de tão suaves e surdos que você mal pode compreender o quanto de você há em minha voz, nesse silêncio que não pode calar as vozes das mães da praça de maio, que clamam por seus filhos que estão muito além das nossas janelas, fechadas para todos os jogos propostos por Cortázar.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Trecho.

Para Camila.


Lembrou-se.
Aquela face silenciosa, como haveria de esquecer algo tão sublime?
Um pensamento que jamais mudava e persistia numa mentira estúpida. Sim, ele se fora, não ela.
Ela seria a mesma, a poetisa de sua alma, aquela que exorcisava todos os seus demônios com sua pureza e

seu sorriso quebrado que logo morreu ali, em frente aquela tela.

Vestiu sua camisa favorita, pegou o casaco e saiu de casa sem fechar a porta.
O que roubariam? Quando lhe roubam a alma, qualquer coisa se torna amiúde.

Andando pelas ruas imundas, ele era imundo e não se importava mais com isso, a casa era limpa demais, somente papéis brancos espalhados pelo chão e algumas cinzas de cigarro, a empregada sempre fazia um bom serviço e ele sempre o conservava com essa sua maldita doença por limpeza porque ele era imundo e tudo que tocava se tornava sujo.
Não ela, ela jamais.

Sem rumo, sem pensamentos.
Apenas sentimentos.
Entrou na primeira estação de metrô que viu, ficou feliz pela bilheteria estar sem fila, não queria esperar, não poderia.
O vagão estava vazio, sim, estava cheio de pessoas, mas quanto mais pessoas ao seu redor, mais solitário se sentia, mais vazio.

Era estranha a sensação que ainda sentia de esperá-la como quem espera o inverno através de janelas entreabertas, mesmo que ela o aquecesse como o verão em tempestades de prazer e vida, (essa coisa que ele já desconhecia para que servia) refletidos naqueles olhos que faziam todas as cores da primavera florescerem, o matando como as folhas pelo caminho feito de outono.
Ele estava entre estações e não importa em qual delas ele parasse, em nenhuma ele a encontraria dispersada em algum sorriso ou perfume.
Sentia a ausencia dela dentro do seu corpo, assim como sentia a ausencia de si mesmo dentro de si.
Onde ela estaria agora?
Não sabia, sentia.
Desceu algumas estações depois, sem olhar para trás. Apenas seguiu os demais que corriam em direção à saída com tamanha pressa que se esqueciam dentros dos vagões.

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Vou deixar o blog temporariamente.

Motivo: Em breve, se contentem com o trecho acima.

Reapareço em breve para tirar a poeira acumulada.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Sobre o que é amar [OU um monólogo doentio enquanto Eu sei que vou te amar toca em algum lugar.]

Para Diogo.

Ame sim, ame forte, ame intenso, mas ame em liberdade. Por isso, todas as coisas que amar, deixe-as livre.Se voltares é porque às conquistou, se não voltares é porque nunca às teve.
(Fernando Pessoa)



Eu não sei como começar a lhe dizer isso então eu acho melhor te tocar para que você sinta a minha pele arrepiada como sempre fica quando toca ou pressente a tua, e assim você saberá o quanto de você permanece em mim. Eu te amo e sempre irei te amar, e isso é tão simples e tão bobo até que eu acho que você não deve ter se impressionado com isso, porque eu sempre te disse o quanto eu te amava e o quanto eu te amaria até o final dos meus dias e toda essa coisa melosa que casais falam e que sempre falarão mesmo sabendo que amanhã ou depois isso será uma grande mentira e para um dos dois, ou para ambos, irá doer mais do que jamais ter ouvido algo assim.
Eu te amo e sempre irei te amar porque você me fez encontrar em seus olhos a mim mesmo, tão perdido e tão fragmentado e espalhado por tantos cantos como alguma poeira, algum resto de nada e eu deveria ter milhares de outros motivos para te amar e que talvez você até saiba quais são, mas eu prefiro deixá-los subtendidos assim nesse nosso sorriso, nesses nossos olhos que sorriem um para o outro e nesses nossos lábios que olham fixamente um para o outro.Acho que você está fria demais, deve ser o tempo que esfriou lá fora ou qualquer coisa assim, e é claro que eu vou tentar aquecer as suas mãos com as minhas, que já estiveram por todo o seu corpo assim como as suas já estiveram por todo o meu corpo, e que assim como nossos corpos também já foram uma única mão, nesses momentos em que eu não sabia qual era a minha língua ou onde estava a minha perna ou se realmente o meu peito era mesmo o meu peito, e tínhamos um cheiro único, só nosso e que só sentíamos embriagados de amor e de prazer e luxúria, e nem precisávamos estarmos em uma cama ou no sofá ou simplesmente no chão da sala e do banheiro, esse cheiro exalava até quando andávamos de mãos dadas pelas ruas, e até aí eu também não saberia dizer qual mão era a sua ou a minha.
Eu te amo e sempre vou te amar mesmo nessa sua despedida, mais uma entre tantas outras que me levaram ao desespero e a angústia de me sentir perdido e mais sozinho do que jamais antes alguém já fora, jogado no deserto que carrego dentro de mim e que você sempre floria com essa sua vida que explodia em cada movimento do seu corpo em direção ao meu em cada volta sua, que trazia de volta a mim mesmo essa vida que eu deixava de lado sem motivo algum de viver sem você. Estou mais conformado agora e talvez seja porque eu sei que logo você voltará como sempre volta, e é bom acreditar nisso, eu que era tão cético e que ria dessas suas bobagens transcendentais e que agora vejo que a maior bobagem é não ter fé em nada, e eu preciso ter fé para acreditar que ainda estaremos juntos novamente, e é para isso que eu irei viver, unicamente para te reencontrar, para dizer que eu te amo e que eu sempre vou te amar e que isso nunca será o suficiente, que eu não te disse o suficientemente para que você se sentisse verdadeiramente amada por mim.
Eu te amo e sempre vou te amar porque você fazia que eu me sentisse mais forte mesmo sabendo que eu sempre seria a parte mais frágil da relação, o que sempre se questionaria sobre o que é amar e se você está sendo corretamente amada por mim, e meu deus, você sabe que eu daria a minha vida e todas as outras vidas para ter essa certeza. Mas não, você quis esse papel de frágil somente para você e o interpretou até o fim, mesmo sendo a mais forte de nós dois, aquela que sabia que era amada e não me questionava jamais sobre isso mas também não demonstrava, talvez achando que isso a deixaria frágil realmente ou apenas para testar até que ponto eu seria forte o bastante para suportar isso de amar e não ser amado, e eu seria porque amá-la era o único propósito a que eu vim ao mundo. Mas mesmo agora, você continua interpretando a frágil mulher de lábios muito vermelhos e mãos geladas e sorriso extremamente singelo coberta de flores e lágrimas. Eu sei que todos estão me olhando como se eu fosse algum cara que de repente fosse me jogar em seu caixão e não querer mais sair dali, implorando pela morte enquanto cera quente caí sobre a minha pele, eu iria dizer que essa dor não é nada comparada a essa, mas você sabe que eu não faria isso.Eu vou esperar, acho que não tanto quanto seria o certo, mas eu vou esperar para viver ao seu lado por toda a minha vida.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Queen of the highway

Longa estrada.
Eu até diria isso se eu soubesse o quanto ela é longa, mas talvez seja tão curta quanto essa minha vida que espero que acabe no final dela.
Só me lembro de ter pego as chaves do carro, alguns maços de cigarro e a minha bolsa.Não se leva muita coisa quando se quer fugir.
Deixei para trás um adeus mudo e retórico, um nome, vários nomes e endereços, uma história sem ponto final e sem sentido, como tantas outras que existem, como a minha é afinal e um casamento difícil, frio e terminado sem mesmo que eu ou ele tenhamos dito alguma palavra, além dos nossos gritos e insultos. Eu sei que ele não se importaria comigo, com essa minha fuga, talvez sim o carro, eu também me importaria mais com o carro do que comigo mesma. Ele vale alguma coisa, eu não.
Agora meus olhos secos de lágrimas e cocaína percorrem essa estrada, cegos aos demais carros, minhas mãos trêmulas guiam o meu corpo dentro dessa lataria para todos os lados e meus ouvidos encharcados de blues e lamentos ficam surdos às buzinas e as freiadas e acelerações alheias. Abro a janela e deixo que o vento leve consigo a poeira das mágoas e das lembranças que estão presas ao meu cabelo que voa, que gruda no meu rosto, que roça nos meus lábios provocando um sorriso, uma gargalhada, uma explosão em gritos, em imagens distorcidas em zigue zague. Seguro firme o volante e o giro 360 graus, contra mão. Estou sozinha novamente, mas não é nenhuma novidade para mim, loba da estepe, loba da estrada.Pela primeira vez tenho a direção da minha vida, posso seguir por qualquer caminho na estrada, meu reino.Eu sou a rainha, eu tenho o poder sobre ela e ela sobre mim. Somos uma apenas. Todos deixam marcas sobre nossas peles, e sempre sempre sempre voltam a deixar marcas que nos machucam e a passar sobre nós com desprezo, sem olhar para o que oferecemos a não ser o destino final, tão longe de nós, mas somos superiores a isso. Alguns se acidentam em nossos corpos e morrem, nós os matamos, claro, somente assim para que seus destinos permaneçam conosco.Sim, a morte é sempre a única coisa que os prende a nós, nada mais. Nem o prazer, alguma felicidade ou amor. Ninguém ama a estrada. Só os que querem fugir de si mesmos e do mundo.
Sento em meu trono, giro a chave, mais blues, mais cocaína, acendo um cigarro e ando na velocidade da luz sobre mim mesma sem saber onde quero chegar, e eu não quero saber.Prazer, mais prazer, um orgasmo, corro sobre mim como minha mão correria pelo meu corpo, me masturbando enquanto o vento vai me despindo da minha pele, dos meus sonhos, de qualquer culpa, me imaculando. Já não sou aquela com a arma na mão atirando sem qualquer traço de piedade, com um sorriso sincero e doce no rosto enquanto ele se contorcia de dor e implorava por perdão, mentindo que me amava,Q-U-E M-E A-M-A-V-A, e eu via aqueles olhos morrerem lentamente dentro dos meus que suspiravam vida e mais vida.PAM PAM PAM!PAM PAM PAM!PAM PAM PAM!
9 tiros e um adeus mudo e retórico. As chaves do nosso carro em minhas mãos como as chaves da minha liberdade. A estrada como o meu alter ego.
A rainha da estrada corre e corre até o seu fim, o final da estrada que nada mais é do que o final de si mesma. Com os olhos secos de cocaína e lágrimas, surda com o blues e os tiros e despida de qualquer culpa, ela se encontra.
Um giro, freiada tardia, gritos, risos, gargalhadas, explosão.
Fim do percurso.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Para se deixar de lado e não mais olhar para trás.

Eu não direi nada a não ser o quanto suas mãos me feriram com o seu carinho ou o quanto eu me decepcionei por não ter sentido nada mais do que qualquer coisa sexual que amanhã ou depois sentirei por qualquer outra pessoa.
Eu não direi nada a não ser o quanto eu fui outra pessoa da qual eu sei que eu não sou e que isso certamente deixará vestígios dos quais serão visíveis em minha pele exposta, tanto por fora quanto por dentro.
Eu não direi nada a não ser o quanto de você há nos meus lábios, agora amargos e salgados, e que talvez esse sabor ficará até que eu me esqueça do toque dos seus lábios sobre os meus receptivos.
Eu não direi nada a não ser o quanto eu queria que tivesse sido a pena, eu digo, tudo vale a pena se a alma não é pequena, sabe, amar e correr riscos e lutar por isso, e não algo assim tão superficial que me envergonha de tão fútil, de tão barato e fácil como pedir cigarros falsificados ou cervejas para bêbados em bares longínquos.
Eu não direi nada disso quando estiver tão perto de você que os meus olhos estarão dentro dos teus, e eu sei que quando isso acontecer eu vou querer que eles saiam dali, porque eu sei que eles, por mais cegos e inúteis e astigmáticos que sejam, não merecem mais se sujar.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Dedicated to you

Para Bernardo

Dentro dos sonhos estão os sonhos
(Jorge Luís Borges)


Haverá uma estação onde algum trem azul dormitará e nos encontraremos sob uma lua de tango, assim como somos hoje e que não sabemos como seremos amanhã, mas talvez você continue o mesmo mas eu serei mais uma, outra qualquer. Você estará com um cigarro entre os lábios, dessa marca que eu inutilmente guardo uma caixa vazia dentro da bolsa e que de vezenquando quase acredito que o seu cheiro deve ser o mesmo dele.E será colorido, tão diferente desse preto e branco ao qual a minha memória já está acostumada a desenhar em cada espaço vazio de mim o seu rosto, e eu serei desfocada ou pela metade, como geralmente sou.Nossos passos sobre a plataforma terão o ritmo de alguma velha música do não tão velho assim Coltrane e talvez a sua voz acabe mesmo tendo a mesma intensidade de Nick Cave e quem sabe ela acabe se impregnando na minha voz com a mesma suavidade de alguma canção-poema de Dylan.
Então você embarcará neste trem azul da cor do céu de inverno que também pode ser a cor dos teus olhos, antes mesmo que o seu olhar, o meu olhar, o nosso olhar faça de todas as noites uma única noite, enquanto eu procuro no seu adeus alguma nota de algum blues.
E o que resta apenas é o resto de um cigarro, assim como o resto de algumas das minhas cinzas
assim como alguns desses sonhos.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Fique.

A morte virá para os meus olhos mas também virá para os teus, não que eu deseje que ela apague esse brilho tão vivo dos teus olhos e tão opaco dos meus, mal iluminados na escassez disso que poderia ser o que chamam de amor.Fique e me deixe te respirar para o mais fundo de mim.

É de noite mas há um sol ardendo no céu e eu ando como um zumbi na escuridão e você está em todos os rostos de todas as pessoas que eu vejo, e sempre será assim porque eu sei que é assim que eu somente terei você.

Tudo é e continua tão amargo quanto aquele beijo que não se fez em teus lábios, que não se transformou em abraços e desfez apenas nessas minhas lágrimas secas, mas por favor, fique um pouco mais até que esse meu cigarro termine e eu pague a conta.

Talvez eu tenha perdido o controle e talvez você o tenha visto e não tenha se importado tanto com isso como eu queria que tivesse se importado.Eu sei que outubro chegará e você partirá com todas essas minhas noites mal dormidas e esses meus sorrisos que tentavam se encaixar sobre os teus, esses teus sorrisos maiores do que esta cidade ou que qualquer outra cidade que exista.

Fique um pouco mais, assim me olhando dessa maneira indecifrável, para que eu acredite que sim, é para mim que você olha, que você procura algo nestes meus olhos exaustos tanto quanto eu, tão sem graça como tantos lugares que você tenha passado e não se lembrado por qualquer motivo especial.Fique e deixe-me te desenhar mais uma vez na minha mente, para que nos meus sonhos eu possa ter o seu corpo e somente ele dentro de mim.

Fique.

quarta-feira, 20 de agosto de 2008

Para um lírio partindo.

"Já li tudo, cara, já tentei macrobiótica psicanálise drogas acupuntura suicídio ioga dança natação cooper astrologia patins marxismo candomblé boate gay ecologia, sobrou só esse nó no peito, agora o que faço?"
(Caio Fernando Abreu)



Olha, talvez eu não consiga realmente dizer tudo isso que eu deveria dizer num momento desses, como o quanto eu amo você e o quanto isso me faz bem e como tudo isso que vivemos e tudo o que planejamos viver é muito mais importante de tudo isso que eu já vivi sozinha e planejei sozinha. Eu queria que tudo isso fosse mais fácil, um até logo responda minhas cartas e pense em mim, mas não tem sido e eu não consigo mentir porque eu nunca consegui te enganar e você certamente sabe disso e finge que não está acontecendo nada demais e talvez até não seja mesmo nada demais e eu seja dramática demais, como eu sempre fui e serei.
Talvez eu nunca tenha lhe dito isso mas eu nunca consegui amar alguém assim como eu amo você, com toda essa sinceridade que eu nunca tive em nenhum dos meus sentimentos e nem comigo mesma, eu que nunca entreguei assim o meu coração e a minha alma e todos os meus sonhos a ninguém, e simplesmente assim entreguei a você por qualquer motivo inicialmente mas que agora e tão somente agora eu consigo entender o porquê: De alguma maneira você é tudo aquilo que faltava em mim e que me completa. Não sei se um dia eu consegui dizer isso a não ser quando eu e você estávamos bêbados dentro de um ônibus, você deitado no meu ombro procurando conforto para tudo isso, isso tudo que a gente vive e não entende, mas enfim, você é o homem da minha vida, dessa e de todas as outras vidas mesmo que eu nunca vá acreditar nesse barato místico e todo esse blá blá blá dos teus livros ocultistas. Eu sei disso hoje como soube naquele 03 de março de 2007 quando estávamos dançando talvez certo ou errado, nunca se sabe, transmition, e todos olhavam para nós como se fóssemos os únicos ali. E somos ainda os únicos ali compartilhando a mesma música e a mesma vontade de se libertar de tudo e ficar cada dia mais presos ao amor um do outro, porque somente o amor pode dar asas verdadeiras a nós Ícaros.
Talvez eu não tenha vivido intensamente com você entre todos os cigarros e aquelas tequilas e vodkas e aquele wisky pela metade debaixo da sua cama nessas suas noites em que você sentia você mesmo, esses momentos que você me ligava só prá dizer que me amava e que eu respondia mesmo sabendo que nem precisava, era retórico.Mas eu vivi o suficiente com você e suficientemente para ser intenso para mim, essas coisas que eu jurava que eu jamais iria fazer e acabava fazendo, há uma lista enorme mas que somente eu e você saberemos os itens.
Eu que já fui simpática a você, colega, mera amiga, que te odiei, voltei a ser amiga e me apaixonei e quebrei a cara e te deixei de lado sem dizer nada e voltei e agora não sei o que eu sou e nem o que você é e nem o que somos.
E agora olhando para o meu quarto e olhando para mim mesma pelo reflexo da janela eu vejo o quanto dói saber que você vai embora, porque tudo lembra você, desde os meus livros e eu incluo aquele do Vinicíus de Moraes comprado numa tarde feita de poeira e de sonhos, até o botom que eu estou usando agora e que me perdoe mas não irei devolver assim como os teus cd's e aquele livro do Ferreira Gullar, porque porra, tudo isso tem você ali em cada verso e em cada nota.E todas as minhas roupas que mesmo que bem lavadas por mim ainda carregam a fumaça dos seus cigarros e dos cafés que você sempre fazia para mim em sua casa, esse refúgio que eu encontrava para esquecer um poucos dos meu problemas ou compartilhar eles com você ou simplesmente ficar em silêncio, esse silêncio que nos confortava e que era tão cheio dessas palavras que a gente nunca dizia um pro outro por serem desnecessárias. Daqui a pouco eu vou ter que trabalhar e eu sei que eu vou passar por aquela praça, a nossa praça, e que a partir de segunda feira eu vou passar e até me sentar para fumar, e sentir aquela ansiedade horrível, olhando para todos os lados,te chamando de desgraçado por que está demorando demais para me encontrar lá.E é claro que eu ainda vou prá esperança fazer a minha zeca hora, olhando para além daquelas janelas, imaginando como é que você vai chegar e me encontrar, feliz, vaga ou simplesmente meio besta demais quando os meus olhos encontram os seus e encontram eles mesmos ali.E eu não vou dormir nos finais de semana, vou ficar enrolando e olhando pro meu celular esperando uma ligação sua me descrevendo o seu porre e todas as coisas que aconteceram no bar, e que por algum motivo eu vou rir e vou falar para você parar de beber por aquela noite e você vai dizer, claro amigona, e vou rir demais disso e desistir, puxar outro assunto como o filme que eu vi ou o que tá tocando no Altas Horas. Prá ser sincera, toda a merda de Mairiporã em cada detalhe vai me lembrar você. E vai doer demais porque eu vou viver pela metade de tudo, porque eu vou ser uma metade vagando por aí esperando você voltar com as minhas esfihas de carne, justo agora que eu estou de regime mas tudo bem, eu vou comê-las porque você demorou demais para trazê-las e seria injusto com você se eu as negasse. Talvez nem vá domingo, talvez vá sábado fugido de todos, ou nem vá e esteja dando risadas de todos nós que estamos sofrendo e principalmente de mim que fui hoje prá faculdade com os olhos inchados e desesperada por um café, muitos cafés, talvez um outro dia aí muito longe, mas eu sei que você vai embora como tudo que não tem uma raiz mas que mesmo assim ainda é vivo e cresce, amadurece e morre, mas morre rapidamente se preso a algum lugar. Posso estar errada, mas eu sei disso porque somos um ká, um feito de muitos, e compartilhamos aquele velho sonho de perambular pelo mundo e morar em São Paulo ou talvez em Passo Fundo se tudo der certo e ainda vai dar ou porque não Buenos Aires?
Somos coração e alma.
Espere mais um pouco, odeio ver um lírio partindo.

domingo, 3 de agosto de 2008

Todas as cores do céu que é o seu olhar

A manhã parece estranha, quase fora do lugar assim meio apagada, talvez pelas janelas fechadas
que tornam o quarto tão frio tanto quanto quem está sobre a cama
e que impedem que veja

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

Negro
como a morte que logo vem e que sempre está ao meu lado
nessas noites em que eu posso senti-la através das garrafas espalhadas e cigarros apagados
e que a espero
com um baralho aberto de cartas marcadas para mais um jogo sujo
assim como

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

Branco
alguma pureza em mim, nem que seja ódio puro ou pura ignorância de todas essas coisas simples que existem e que eu quero ver e sentir
preciso ver e sentir
preciso aspirar para dentro de mim
para me separar disso tudo que me fere
e me jogar contra

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

Cinza
impureza condensada dentro de mim
esparramada para fora dos meus olhos
quase que tocável e imutável
tanto quanto

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

Vermelho
essa loucura que me cega
que deixa nos meus lábios o sabor do sangue
de todas aquelas coisas boas que eu matei dentro
de mim e de outras pessoas
e que eu sei o deve ser ao certo, mas ignoro
porque eu só me importo com

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

Amarelo
obsessivo e doentio
desejo de correr para onde
eu possa encontrar algo no que acreditar
e voar sem asas em direção a

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

Azul
triste percorro os olhos
que não encontram
o mar existente acima de mim
de estrelas ou nuvens ou mesmo
esse mar que eu só encontro em

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

Púrpura
como tudo que vai aos poucos morrendo
sem um sol para guiar
assim como eu vou morrendo
sem ter com o que ser guiado
Ansiando fugir para bem longe daqui
fugir e encontrar finalmente

[Todas as cores do céu
do céu que é o seu olhar]

domingo, 27 de julho de 2008

Cama desarrumada

Eu pronuncio teu nome,nesta noite escura,e
teu nome me soa mais distante que nunca.Mais distante que todas as estrelas e mais
dolente que a mansa chuva
(Federico Garcia Lorca)

Melhor desnascer do que ver esta cama desarrumada, um vazio permanente e doentio que amassa os lençois tão caros que somente minhas mãos sentiram a delicadeza e a maciez dos linhos intercalados que formam a tua pele alva cálida e alinhada á minha pele apenas.O quarto revirado tanto quanto eu por dentro e por fora deste corpo-pensamento, mostra as roupas espalhadas pelos cantos da minha memória que são essas suas peças intímas indecifráveis sobre as minhas assim não tão intímas, meu cd's e sonhos quebrados em músicas que nunca mais serão ouvidas inteiras novamente, mas apenas em pedaços que não voltarão mais a serem inteiros, assim talvez como eu e você, em pedaços ainda menores do que nos sobraram dos pedaços que éramos antes de nos encontrarmos inteiros um do outro.Fotografias rasgadas pela metade nos separando mais ainda do que estamos, eu em alguma parte esquecido onde teus olhos não podem me alcançar e você debaixo da cama entre a poeira dos dias que foram e a escuridão deste meu peito amargurado e angustiado por viver satisfeito com a metade do seu amor, que não é nem a metade da sua vida.Nossos sapatos lado a lado denunciam nossos pés nus que caminham por ruas diferentes e que afinal não nos levarão ao mesmo lugar e a lugar algum.A porta que não se fecha e que não se abre inteiramente bate continuadamente de madrugada (com o sol nos meus olhos), insistindo nessa falta tão seca quanto as flores no jarro da mesinha de cabeceira, onde guardo todas as cartas que escrevi e que ecoam tanto quanto as que não escrevi e que agora gritam para serem escritas, mas a quem eu as enviaria se agora o que me resta é uma cama desarrumada pela última vez que
fui mais do que pedaços e poeira
que você foi mais do que roupas espalhadas e músicas quebradas
que fomos mais do que fotografias rasgadas e flores secas
Fomos uma cama desarrumada.

segunda-feira, 21 de julho de 2008

Para se perder no abismo que é pensar e sentir II

Não sei traduzir o porque ou como de ainda enxergar você no meio de tanta luz e prédios vestidos de preto, escondidos na noite daquela cidade imensa e silenciosa apesar dos carros e todas aquelas pessoas tão solitárias quanto eu ou você.
Como eu queria que tivesse me deixado te levar para o meu lugar de saudade e que tivesse vivido um pouco mais desta noite comigo. Parte minha, vida, que queria ter te apresentando pessoalmente depois de algumas longas conversas e cigarros e doses de qualquer coisa que me deixe distante do que sou.
Te levaria aos meus sonhos mais vazios que ficaram por lá e tudo que construi de mais sólido. Teria te ensinado a viver e entender aquela dança de luzes brancas e vermelhas tão confusas, tão simples que você já deve ter se esquecido, certamente.
Apresentaria o meu passado, o que eu fui e o que eu conheço que não está tão perto. Assim como você, mais longe do que eu gostaria e mais perto do que eu possa prever. Você que eu não conheço tanto ou quase nada,ou que conheço tanto e que conheço mais do que qualquer outra pessoa.
Foi tudo tão rápido que você nem levou algo deste pretérito com você, nem ao menos alcançou o que ele carrega de belo e também frágil. Se na sua memória ficou algum filme antigo em preto e branco, talvez na minha ainda seja o último filme em cartaz:
Para se perder no abismo que é pensar e sentir.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Outros tão outros de si mesmos

Para Carol.
(para se ler ouvindo Get Together-Madonna)
Sozinhos.
Tocaram-se e uniram-se.
Juntos.
Ainda assim sozinhos.
(Hilda Hilst)


Sem qualquer expectativa e direção ou motivo eles entram na primeira boate que vêem aberta.Nunca haviam se visto antes daquela noite quando esbarraram-se na entrada violentamente como se soubessem que deveriam entrar ali.Trocaram um olhar tão absoluto quando a certeza que tiveram:Seriam tão outros de si mesmos nesta noite.
Se distanciaram e ela vai até a pista e aos poucos vai se entregando ao ritmo da música, totalmente desarmada e indefesa de todos aqueles olhares furtivos que desnudavam sua confiança na personagem aparentemente feliz e despreocupada que vestia, enquando seu corpo ia desenhando suaves formas no ar.Tenta esboçar um sorriso, qualquer sorriso, mas é inútil.Não consegue mais mentir para si mesma.Está cansada e fecha os olhos, esperando talvez, quando abri-los, se ver em outro lugar.Melhor.
Ele tenta se distrair e ignora-la, mas aquele olhar não sai do seu pensamento, porque aquele olhar carregava cansado o peso de algo que ele sabia exatamente o que era por ser algo tão óbvio em seu próprio olhar: Um apelo desesperado para crer em algo.
Quando abre seus olhos entre tantos outros olhares é o dele que encontra como se houvesse encontrado o seu próprio olhar refletido em um espelho.Perpertuaram este olhar que aos poucos os fez se aproximarem lentamente até que apenas o som de suas respirações ofegantes fossem ouvido em meio aqueles ruídos secundários.Não houve qualquer palavra porque eles já sabiam o que levou um e outro a estarem ali: O desejo de se encontrarem dentro um do outro.
Ele a segurou pela mão e a guiou para fora daquele lugar como se a guiasse numa valsa.E ainda sem que ninguém pronunciasse qualquer palavra, fundiram seus corpos e seus espíritos em um só ser enquanto seus corações tentavam suportar o êxtase que unia suas solidões naquela rua tão isolada e fria.Sentiram suas lágrimas percorem por suas faces até que se encontrassem e se unissem em apenas uma.
-Queria não ter feito isso.Ainda mais porque eu procurei em você algo para amar.
-Eu também procurei isso em você.Nos procuramos e talvez nem tenhamos encontrado isso, essa coisa que deveríamos amar.
-Por um dia eu queria deixar de acreditar nisso.Que o amor existe, esse tipo de amor que nos fez chegar até aqui, porque queríamos encontra-lo.
-Por esta noite poderíamos esquecer disso.Ser outras pessoas do que somos, procurar outra coisa para sentir, topa?
Assentiu.Então seguiram de mãos dadas por aquelas ruas desérticas preenchidas por néons que lhes davam alguma vida enquando falavam de tudo menos de suas vidas e seus nomes.Sabiam que amanhã seriam novamente os mesmos que abandonaram numa esquina qualquer, queriam viver aquela noite como outros, correndo e dançando e rindo como se nada pudesse os separar.
E reteram o tempo em seus dedos que teciam lentamente as horas, prolongando aquela noite que jamais teria fim, mesmo após o seu fim.
-Talvez, você seja a mulher da minha vida nesta noite.
-Dessa sua vida ou da outra?
-Das duas.
-Mas amanhã estaremos mortos, seremos outros diferentes do que somos agora.Você não vai me amar amanhã como eu também não vou te amar.
-Esqueça isso, esse amanhã que não tarda em chegar, mas que não vai nos atingir.Acredite, vivi nesta noite o que eu jamais iria viver durante toda a minha vida.Morro hoje, ressuscito outro amanhã, o que importa?Fui feliz, isso que importa.
-Também fui feliz, só queria que isso durasse para sempre.
-Mas essa noite vai durar para sempre.
Abraçaram-se enquanto o sol ia nascendo e fazendo morrer aquela noite em que puderam ser livres de qualquer imposição de suas vidas.Não houve despedida.Houve apenas a vontade de nunca se encontrarem agora tão outros do que foram.
Após esse encontro o resto foi um eco de tudo aquilo que não foi, pois passou como sempre passa aquilo que queremos para sempre.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Véspera do dia em que de repente enlouquecerei

Para Gabo.
As portas batem as toalhas voam
o dia se esbaqueia como um pássaro dentro de casa
(ou uma lembrança
dentro da casa)
Véspera do dia em que de repente enlouquecerei
(Manhã-Ferreira Gullar)
Acho que estou enlouquecendo.
Ou estou voltando a ser lúcido.
Foi assim:
Comecei a ter lapsos de memória, poucos inicialmente, mas que com o tempo foram se tornando cada vez mais constantes e preocupantes.Letras de músicas, filmes, livros, endereços.Depois foram os nomes dos meus amigos, dos colegas de trabalho, namorada, cachorro, vizinhos e familiares.Aí me esqueci dos meus amigos, dos colegas de trabalho, namorada, cachorro, vizinhos e familiares.Fui esquecendo de mim, de quem eu era.
Preocupados com tal situação, meus pais resolveram me levar a vários especialistas a fim de descobrirem o que me aflingia.Todos os médicos foram unânimes:Eu não tinha absolutamente nada, mesmo que alguns deles ainda achavam estranho o fato de um jovem de 25 anos ter esses lapsos sem apresentar qualquer dano cerebral.
Mesmo assim, continuei me esquecendo das coisas.Esquecendo de fatos marcantes da minha infância e da minha adolescência ou fatos recentes, como o que eu acabei de fazer há 10 minutos atrás.Minha mãe, no auge de sua angústia ao me ver assim, teve uma idéia: Colou por todas as paredes de casa fotos de tudo o que fosse relacionado a mim, com bilhetinhos explicativos.Me dera também uma agenda, para que eu anotasse tudo o que havia feito no meu dia.
Como se houvesse operado um milagre, parei de esquecer.Lentamente as lembranças foram voltando aos seus devidos lugares, graças a todas aquelas fotos e bilhetes que cobriam por completo as paredes.Com o passar dos anos as agendas se multiplicaram juntamente com as fotos e os bilhetes.A única coisa que acabei esquecendo foi da cor das paredes.
Começaram a me taxar de louco pelo meu método.Quase todos os meus amigos foram se afastando pouco a pouco de mim, larguei meu emprego e parei de sair.Me sentia ridículo andando para baixo e para cima com uma agenda, anotando cada passo.E em alguns casos, fotografando.Estava totalmente dependente daquilo.Tinha medo, horror de perder qualquer foto, qualquer anotação, por achar que perdendo algo, perderia minha memória,me perderia.Ao meu lado então, permaneceram apenas meu pai e minha mãe.
Enfim, um dia morreram.
Primeiro meu pai, coração.Anotei todos os detalhes da sua agonia no hospital e da sua morte, e fotografei e colei pelas paredes algumas fotos do cadáver e do caixão.Depois de algum tempo foi minha mãe, derrame.Os mesmos detalhes anotados e devidamente fotografados.
Então me senti solitário.Inicialmente ainda encontrava alguma companhia naquelas lembranças espalhadas por todos os cantos de casa, mas depois, elas começaram a me incomodar e a fazerem
que eu me sentisse dia após dia sozinho, como se elas participassem de uma confraria e me deixassem de lado.Passava por elas e elas diziam coisas a meu respeito, coisas que eu não queria ouvir, coisas que doíam, mesmo que belas.Comecei a ouvir então os risos de todas aquelas pessoas que me abandonaram, ou por estarem mortas ou por que fingiam estar mortas para mim.Risos, ora de felicidade ora de irônia.Risos que me humilhavam, que me rasgavam, me machucavam.E eu sei que alguns ali riam dessa minha situação constrangedora.
Eu já não dormia devido ao barulho que elas faziam ao se debaterem contra as paredes da minha casa.
Os dias foram passando e cada vez mais uma idéia amadurecia dentro de mim.
Eu só queria que elas ficassem mudas, que não me falassem mais nada, que não rissem mais de mim.
Decidi que iria as calar antes que eu enlouquecesse.
Rasguei todas as fotos e todos os bilhetes e destruí todas as agendas.Coloquei fogo em todos aqueles pedaços do meu passado, pedaços que um dia foram meus.Juro que até podia ouvir os gritos desesperados deles ao fogo, pedindo mais uma chance, gritando por misericórdia.Mas eu não tive.
Agora esse silêncio, essa paz, essa solidão tão leve, tão calma...
E fui me esquecendo dos meus amigos, dos livros, dos filmes, das músicas, dos meus antigos colegas, das minhas namoradas, dos meus cachorros, dos lugares, dos sabores, dos meus vizinhos, da minha familia.E fui esquecendo de mim, de quem eu era e de tudo o que eu já havia vivido.E me senti feliz, completamente feliz por não saber mais quem eu era.
Esqueci de tudo.
Menos de uma coisa.
A parede.
Ela era azul.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Porto.

Valeu a pena?
Não, não vou responder com os versos de Pessoa.
Minha alma é pequena.
Se um dia fora grandiosa, aos poucos a vida tratou de encurtá-la, de humilha-la, de fazê-la pequena, amiúde.
E assim cresci.
A menina que morava perto do mar, perto de um porto e que observava os navios sumirem no horizonte assim como um dia ela faria quando crescesse.Sumir no horizonte daquela vida miserável e mesquinha e aportar onde ela poderia deixar os resquícios dessa infelicidade calada, mas perceptível nos gestos.
E cresci.
A menina pegou um navio, sem dar adeus.Não tinha ninguém para dar adeus, tinha ali uma família, mas acreditava que eles assim como ela não se importariam com a sua ida.Queria ter alguém para quem voltar e abraçar, que chorasse toda vez que ela fosse embora e que chorasse mais quando voltasse.E assim foi sonhando durante a viagem, durante a vida, toda a vida sonhando com isso.
Trabalhou nos primeiros meses, tão jovem ainda, em casa de família.Pai,mãe e 2 filhos homens, mais velhos do que ela.Pouco tempo ali virou forçadamente uma mulher pelas mãos grosseiras do pai e pelas delicadas dos filhos.Aos poucos acabou se acostumando, abafando dentro de si os gritos de dor e de horror ao simples toque deles.Aprendeu também a não chorar, a não se lamentar.Apenas aceitava.Queria ir embora mas a necessidade, o simples pensamento de passar fome a fazia voltar e a novamente abrir sua porta.Deixa-la entreaberta.
Queria que essa não fosse minha vida.
Conto-a como se fosse de alguém muito próximo a mim, como se eu lamentasse por ela, a abrassasse e dissesse que eu estava ali para ajudá-la.
Assim, como eu queria que existisse alguém assim para mim.
A mãe sempre soube.Talvez sentisse prazer em me ver ali humilhada, limpando o chão em que eles pisavam, em ver limpando-me depois que eles pisavam em mim.Ela nunca se importou com o fato de que a empregadinha fosse a amante do pai e dos filhos.Acho que se sentia aliviada por não ter que ser ela a mulher que o marido abrisse violentamente as pernas para saciar as vontades.
Um dia, ela realmente se importou com toda essa história.
Percebeu que minha barriga estava saliente.Perguntou-me a quanto tempo minhas regras não vinham e eu não sabia dizer.Eu realmente não sabia que estava grávida.Fiquei feliz por saber que teria alguém para amar e para me amar, alguém que me faria esquecer de todo o meu sofrimento.O que choraria nas minhas idas e nas minhas voltas.
Arrancaram me esse sonho.
Levaram-me para um médico, "Ele vai cuidar de você Maria. fica quietinha tá?" "Ele vai cuidar do meu bebê?" "Vai sim Maria,vai sim"
Me deu uma injeção e desmaiei.Ao acordar não sentia mais nada dentro de mim, meu filho não estava no meu ventre.Estava ali, num pano enxarcado de sangue.Tão pequeno, tão indefeso.Calado, quieto demais para alguém que acabara de nascer.Tentei pega-lo, abraça-lo, mas o médico me dissera que estava morto.Que ele a pedido da familia, fizera aquilo. "Foi pro bem de todos Maria,foi pro bem de todos viu?"
Me sentia fraca demais para fugir, me sentia enojada ao me ver suja com aquele sangue que eu nem mais sabia se era meu ou do meu filho, me sentia morta.Não chorei.Apenas dormi com a esperança de acordar e estar novamente olhando o porto, os navios.Sonhando.
Acordei e me vi ainda ali.Tudo limpo, meu filho deve ter ido para a lata de algum lixo.Estava melhor.Fugi
Corri para longe daquele inferno, sozinha e cansada.
Pelo caminho, tentei me imaginar atriz.
Eu era uma atriz vivendo aquela personagem.Assim que as luzes se apagarem e o público de retirar, eu voltaria a ser a atriz.Eu teria para quem voltar cansada do espetáculo.Teria alguém para me dizer o quão maravilhosa fui.
Mas estava correndo, fugindo e com fome, e eu não era uma atriz.
E assim fui vivendo fugindo. E quando não consegui mais fugir, virei mulher da vida.Experiência já tinha, o que viria de pior?
As primeiras noites foram as piores até me acostumar com aqueles homens.Descobri que todos eram iguais.O segredo era se entregar achando que ele me amasse,assim eu não me sentiria igual a eles, fazer por fazer.Eu fazia por amor.Amor por alguem que eu sempre sonhara e que tentava acreditar que poderia ser aquele que estaria por cima de mim.Fechava meus olhos e ignorava os palavrões e todo os grunhidos asquerosos vindos deles.Aos poucos fui gostando.Não que me desse prazer ou qualquer coisa assim.Gostava de ser desejada.Gostava de ouvi-los falando de suas familias, ou do sonho de ter uma.
Eu também queria ter uma, mas me era negado esse direito.
Fiquei lá por anos.Sofria humilhações e dores e toda sorte da desgraça, mas para onde eu iria?
Ali eu pelo menos fui feliz, tinha amigos e era tratada com algum respeito.Essa felicidade que sentimos ao nos iludirmos.
Fui envelhecendo e poucos ainda me queriam.Virei chacota entre as mais jovens.Então resolvi partir.
Não houve adeus.Ninguém ali se importava com isso, com o meu adeus.Eu não chorei.
Vaguei.
Voltei para onde nunca mais deveria ter voltado.
Estou aqui,observando os navios chegarem e partirem deste porto.
Um dia eu fui um navio.
Mas sem um porto.

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Por um instante nos olhos de Lola

Não me importa com o que pareces, desde que eu te
ame

(Pablo Neruda)




1º dia.

Estava caminhando desatento como sempre por aquela rua repleta de pessoas que se desdobravam e se esbarravam entre si no desespero e na ânsia de chegarem em seus destinos pontualmente, olhando apenas para o chão e para a dança frenética de todos aqueles pés sobre o preto e branco hipnótico daquela calçada na velha rotina diária que eu seguia a risca até o meu trabalho medíocre de atendente de uma renomada seguradora, quando num relance a vi do outro lado da rua na fila para entrar num ônibus.Foi uma breve visão tão rica em detalhes que aos poucos fui esquecendo e que apenas o seu rosto permaneceu em minha memória.Ela entrou e desapareceu e eu segui adiante como se nada houvese acontecido, como se a minha vida não houvesse se despedaçado naquele instante.Em alguns momentos do meu expediente e da minha noite o seu rosto e somente ele vinha à minha mente.

2º dia

Andando por aquela rua com mais atenção procurei o seu rosto em cada pessoa com quem esbarrava e fui até o ponto de ônibus onde ela havia estado ontem.Em vão perdi 2 horas do meu dia e ganhei uma bronca do meu superior ao chegar atrasado ao meu trabalho.Me senti um total idiota por tamanha asnice, o que me fez ter uma crise de risos seguida de uma tristeza seca.Ao dormir sonhei com ela.Vinha em minha direção vestida de branco e cabelos longos e negros ao vento, num lugar onde eu não reconhecia mas era me familiar.Acordei suando e com um vazio latejante em meu peito.Repetia como se fosse um mantra o quanto aquilo tudo era ridículo.Paixão ou amor à primeira vista não existia.Não existia.Não existia.Não existia...

5º dia

Desde que a conheci sonho com ela.É sempre o mesmo sonho.Ela vindo em minha direção, inicialmente um vulto na distância refratado na névoa, mas que pouco a pouco se aproximava de mim, trazendo em seu sorriso uma luz que dissipava toda aquela escuridão dentro dos meus olhos.Sempre acordava antes de tocá-la e me amaldiçoava por isso.Tenho andado mais ansioso na empresa e relapso com os meus amigos, mas não acho que seja algo assim tão significativo.E não a encontrei pelo meu caminho.

10º dia

Chorei hoje de manhã ao acordar, como a muito não chorava depois que fui criança.Fazem 2 dias que não sonho com ela e 10 dias que não consigo pensar em outra coisa a não ser em seu rosto.Chorei porque me sinto estúpido, porque fui vencido pela irracionalidade e por não ter forças para esquecê-la, por não me conformar com tudo isso.É idiota, eu sei, se apaixonar assim por alguém, sem ao menos saber qualquer coisa sobre ela a não ser que ela possuí o rosto mais perfeito do mundo que destroí meus dias e assombra minhas noites.O que mais me consome, o que mais me faz sofrer é essa fúria de não ter adivinhado que a falta do bem que desejei era apenas o sinal da minha falta.Meu desempenho caiu muito no trabalho e meus amigos vivem me perguntando se realmente estou bem, porque ando melancólico e pálido demais.Acabo sempre respondendo que é uma má fase da minha vida que logo passa.Conheci uma mulher hoje num bar próximo a minha casa, quando eu estava na quarta garrafa de cerveja.Acho que seu nome era Ana.Transamos essa noite.

15º dia.

Tenho transado com Ana há 5 dias mas não sinto prazer algum, apesar de lhe proporcionar alguns orgasmos.Gosto dela,é bonita e inteligente e tem me feito sorrir, mesmo que melancolicamente.Hoje após ter transado exaustivamente com Ana, acabei dormindo e sonhando com a outra, a que eu amo.7 dias sem ela pareciam uma eternidade repulsiva.Dessa vez a toquei, a abracei e gritei o quanto a amava entre lágrimas e soluços.Quando ia lhe beijar, Ana me acordou secando minhas lágrimas, dizendo o quanto achava lindo me ver assim após uma noite com ela.Me beijou e se despediu.Me tranquei no banheiro enojado pelo beijo e por estar com ela.Saí e liguei o rádio.Tocava Lola, do Chico Buarque.Engraçado como me identifiquei com aquela música.Ela realmente rasgou páginas dentro de mim, não páginas claro, mas tudo o que havia dentro de mim, e ela invadiu minha mente, e somente ela permanecia ali, como uma orquestra a tocar a mesma música.Lola...Lola...Vou chama-la de Lola

20º dia.

Voltei a sonhar com Lola regularmente.Agora dançamos,beijamo-nos e fizemos amor ali mesmo,na rua onde nos conhecemos.Ainda assim, ao acordar me sentia mais angustiado e melancólico, amaldiçoando Deus por não ter fundido nossos caminhos.Esse meu caminho que me levava a todos os lugares, menos para aquele em que eu a encontraria.E assim eu vou me completando com a tua imagem, sabendo que a luz que faltar pelos meus dias estará no seu sorriso, que a ternura que sangrar pela minha alma estará em seu olhar, que a alegria que largar a minha noite estará em sua voz, que o prazer que deixar o meu desejo estará em tuas mãos, que a vida que eu não tive estará em sua vida.

25º dia

Ana me deixou alegando que eu achamava de Lola sempre, enquanto transávamos.Eu apenas lhe disse que jamais seria Lola e ela se sentiu ofendida.Tanto faz, Ana não me significou nada.Não sonhei com Lola ontem e quase cortei acidentalmente minha garganta ao me barbear pela manhã.A verdade é que nem coragem eu tenho para me matar.Essa coisa dos suícidas irem para o inferno sempre me assustou, agora ainda mais sabendo que Lola, quando morresse, certamente iria para o céu.Talvez fosse esse o nosso destino então.Me resta apenas essa espera seca e fria sem nenhuma esperança de nos encontrarmos de novo, já tão outros.Ela não precisará dizer seu nome porque já é tão minha e pura Lola,e qualquer outro nome não faria diferença, a que volta pela simples palpitação do espírito de amor dentro de mim.

30º dia.

Estou enlouquecendo.
Pedi demissão e resolvi me trancar em casa.Meus amigos estão preocupados comigo, me ligam e alguns acabam vindo aqui em casa conversar comigo.Até Ana me liga querendo saber como estou.Acabei lhe falando a respeito de Lola e ela simplesmente riu.Riu como se fosse uma piada, algo tão irreal que chega a ser engraçado.É,eu sei.Eu mesmo rio amargamente disso entre doses e mais doses de vodka, enquanto ela me persegue nos meus sonhos.Não quero mais dormir,mas eu sou fraco, me rendo a louca vontade de encontrá-la e senti-la dentro de mim, como se ali fosse seu único lar, como se desde sempre ela existisse ali.
Meus olhos estão inchados e com olheiras enormes.Estou mais magro e mais pálido do que o costume.Não sinto fome ou sede, apenas sono.E quando não sonho com ela, mantenho-a em meus delírios como posso.
Decidi dar uma volta hoje.Não sei, tenho o pressentimento que algo muito bom vai acontecer se eu sair de casa.Fui até aquela rua, onde a vi pela primeira vez.
Estava caminhando desatento como sempre por aquela rua repleta de pessoas que se desdobravam e se esbarravam entre si no desespero e na ânsia de chegarem em seus destinos pontualmente, olhando apenas para o chão e para a dança frenética de todos aqueles pés sobre o preto e branco hipnótico daquela calçada na velha rotina diária que eu seguia a risca até o meu trabalho medíocre de atendente de uma renomada seguradora, quando num relance a reecontrei do outro lado da rua.Ela me sorria e estava com um vestido branco e seus cabelos soltos ao vento.Fui ao seu encontro, sem ao menos dar atenção aos carros que vinham fatalmente em minha direção.Era Lola,não me importava se meu corpo estava ali estirado e estraçalhado pelo asfalto.Eu já me sentia no paraíso.Era Lola.
Lola...