Longa estrada.
Eu até diria isso se eu soubesse o quanto ela é longa, mas talvez seja tão curta quanto essa minha vida que espero que acabe no final dela.
Só me lembro de ter pego as chaves do carro, alguns maços de cigarro e a minha bolsa.Não se leva muita coisa quando se quer fugir.
Deixei para trás um adeus mudo e retórico, um nome, vários nomes e endereços, uma história sem ponto final e sem sentido, como tantas outras que existem, como a minha é afinal e um casamento difícil, frio e terminado sem mesmo que eu ou ele tenhamos dito alguma palavra, além dos nossos gritos e insultos. Eu sei que ele não se importaria comigo, com essa minha fuga, talvez sim o carro, eu também me importaria mais com o carro do que comigo mesma. Ele vale alguma coisa, eu não.
Agora meus olhos secos de lágrimas e cocaína percorrem essa estrada, cegos aos demais carros, minhas mãos trêmulas guiam o meu corpo dentro dessa lataria para todos os lados e meus ouvidos encharcados de blues e lamentos ficam surdos às buzinas e as freiadas e acelerações alheias. Abro a janela e deixo que o vento leve consigo a poeira das mágoas e das lembranças que estão presas ao meu cabelo que voa, que gruda no meu rosto, que roça nos meus lábios provocando um sorriso, uma gargalhada, uma explosão em gritos, em imagens distorcidas em zigue zague. Seguro firme o volante e o giro 360 graus, contra mão. Estou sozinha novamente, mas não é nenhuma novidade para mim, loba da estepe, loba da estrada.Pela primeira vez tenho a direção da minha vida, posso seguir por qualquer caminho na estrada, meu reino.Eu sou a rainha, eu tenho o poder sobre ela e ela sobre mim. Somos uma apenas. Todos deixam marcas sobre nossas peles, e sempre sempre sempre voltam a deixar marcas que nos machucam e a passar sobre nós com desprezo, sem olhar para o que oferecemos a não ser o destino final, tão longe de nós, mas somos superiores a isso. Alguns se acidentam em nossos corpos e morrem, nós os matamos, claro, somente assim para que seus destinos permaneçam conosco.Sim, a morte é sempre a única coisa que os prende a nós, nada mais. Nem o prazer, alguma felicidade ou amor. Ninguém ama a estrada. Só os que querem fugir de si mesmos e do mundo.
Sento em meu trono, giro a chave, mais blues, mais cocaína, acendo um cigarro e ando na velocidade da luz sobre mim mesma sem saber onde quero chegar, e eu não quero saber.Prazer, mais prazer, um orgasmo, corro sobre mim como minha mão correria pelo meu corpo, me masturbando enquanto o vento vai me despindo da minha pele, dos meus sonhos, de qualquer culpa, me imaculando. Já não sou aquela com a arma na mão atirando sem qualquer traço de piedade, com um sorriso sincero e doce no rosto enquanto ele se contorcia de dor e implorava por perdão, mentindo que me amava,Q-U-E M-E A-M-A-V-A, e eu via aqueles olhos morrerem lentamente dentro dos meus que suspiravam vida e mais vida.PAM PAM PAM!PAM PAM PAM!PAM PAM PAM!
9 tiros e um adeus mudo e retórico. As chaves do nosso carro em minhas mãos como as chaves da minha liberdade. A estrada como o meu alter ego.
A rainha da estrada corre e corre até o seu fim, o final da estrada que nada mais é do que o final de si mesma. Com os olhos secos de cocaína e lágrimas, surda com o blues e os tiros e despida de qualquer culpa, ela se encontra.
Um giro, freiada tardia, gritos, risos, gargalhadas, explosão.
Fim do percurso.
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2 comentários:
y así pasan los días
y yo, desesperando
y tú, tú contestando
quizás, quizás, quizás
eu falaria sobre uma estrada de tijolos amarelos ou uma rainha de copas ou um pé de feijão... Mas nem sempre é assim, né?!
e sobre a vida simples dele, é bom saber da companhia...
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