sexta-feira, 20 de junho de 2008

Por um instante nos olhos de Lola

Não me importa com o que pareces, desde que eu te
ame

(Pablo Neruda)




1º dia.

Estava caminhando desatento como sempre por aquela rua repleta de pessoas que se desdobravam e se esbarravam entre si no desespero e na ânsia de chegarem em seus destinos pontualmente, olhando apenas para o chão e para a dança frenética de todos aqueles pés sobre o preto e branco hipnótico daquela calçada na velha rotina diária que eu seguia a risca até o meu trabalho medíocre de atendente de uma renomada seguradora, quando num relance a vi do outro lado da rua na fila para entrar num ônibus.Foi uma breve visão tão rica em detalhes que aos poucos fui esquecendo e que apenas o seu rosto permaneceu em minha memória.Ela entrou e desapareceu e eu segui adiante como se nada houvese acontecido, como se a minha vida não houvesse se despedaçado naquele instante.Em alguns momentos do meu expediente e da minha noite o seu rosto e somente ele vinha à minha mente.

2º dia

Andando por aquela rua com mais atenção procurei o seu rosto em cada pessoa com quem esbarrava e fui até o ponto de ônibus onde ela havia estado ontem.Em vão perdi 2 horas do meu dia e ganhei uma bronca do meu superior ao chegar atrasado ao meu trabalho.Me senti um total idiota por tamanha asnice, o que me fez ter uma crise de risos seguida de uma tristeza seca.Ao dormir sonhei com ela.Vinha em minha direção vestida de branco e cabelos longos e negros ao vento, num lugar onde eu não reconhecia mas era me familiar.Acordei suando e com um vazio latejante em meu peito.Repetia como se fosse um mantra o quanto aquilo tudo era ridículo.Paixão ou amor à primeira vista não existia.Não existia.Não existia.Não existia...

5º dia

Desde que a conheci sonho com ela.É sempre o mesmo sonho.Ela vindo em minha direção, inicialmente um vulto na distância refratado na névoa, mas que pouco a pouco se aproximava de mim, trazendo em seu sorriso uma luz que dissipava toda aquela escuridão dentro dos meus olhos.Sempre acordava antes de tocá-la e me amaldiçoava por isso.Tenho andado mais ansioso na empresa e relapso com os meus amigos, mas não acho que seja algo assim tão significativo.E não a encontrei pelo meu caminho.

10º dia

Chorei hoje de manhã ao acordar, como a muito não chorava depois que fui criança.Fazem 2 dias que não sonho com ela e 10 dias que não consigo pensar em outra coisa a não ser em seu rosto.Chorei porque me sinto estúpido, porque fui vencido pela irracionalidade e por não ter forças para esquecê-la, por não me conformar com tudo isso.É idiota, eu sei, se apaixonar assim por alguém, sem ao menos saber qualquer coisa sobre ela a não ser que ela possuí o rosto mais perfeito do mundo que destroí meus dias e assombra minhas noites.O que mais me consome, o que mais me faz sofrer é essa fúria de não ter adivinhado que a falta do bem que desejei era apenas o sinal da minha falta.Meu desempenho caiu muito no trabalho e meus amigos vivem me perguntando se realmente estou bem, porque ando melancólico e pálido demais.Acabo sempre respondendo que é uma má fase da minha vida que logo passa.Conheci uma mulher hoje num bar próximo a minha casa, quando eu estava na quarta garrafa de cerveja.Acho que seu nome era Ana.Transamos essa noite.

15º dia.

Tenho transado com Ana há 5 dias mas não sinto prazer algum, apesar de lhe proporcionar alguns orgasmos.Gosto dela,é bonita e inteligente e tem me feito sorrir, mesmo que melancolicamente.Hoje após ter transado exaustivamente com Ana, acabei dormindo e sonhando com a outra, a que eu amo.7 dias sem ela pareciam uma eternidade repulsiva.Dessa vez a toquei, a abracei e gritei o quanto a amava entre lágrimas e soluços.Quando ia lhe beijar, Ana me acordou secando minhas lágrimas, dizendo o quanto achava lindo me ver assim após uma noite com ela.Me beijou e se despediu.Me tranquei no banheiro enojado pelo beijo e por estar com ela.Saí e liguei o rádio.Tocava Lola, do Chico Buarque.Engraçado como me identifiquei com aquela música.Ela realmente rasgou páginas dentro de mim, não páginas claro, mas tudo o que havia dentro de mim, e ela invadiu minha mente, e somente ela permanecia ali, como uma orquestra a tocar a mesma música.Lola...Lola...Vou chama-la de Lola

20º dia.

Voltei a sonhar com Lola regularmente.Agora dançamos,beijamo-nos e fizemos amor ali mesmo,na rua onde nos conhecemos.Ainda assim, ao acordar me sentia mais angustiado e melancólico, amaldiçoando Deus por não ter fundido nossos caminhos.Esse meu caminho que me levava a todos os lugares, menos para aquele em que eu a encontraria.E assim eu vou me completando com a tua imagem, sabendo que a luz que faltar pelos meus dias estará no seu sorriso, que a ternura que sangrar pela minha alma estará em seu olhar, que a alegria que largar a minha noite estará em sua voz, que o prazer que deixar o meu desejo estará em tuas mãos, que a vida que eu não tive estará em sua vida.

25º dia

Ana me deixou alegando que eu achamava de Lola sempre, enquanto transávamos.Eu apenas lhe disse que jamais seria Lola e ela se sentiu ofendida.Tanto faz, Ana não me significou nada.Não sonhei com Lola ontem e quase cortei acidentalmente minha garganta ao me barbear pela manhã.A verdade é que nem coragem eu tenho para me matar.Essa coisa dos suícidas irem para o inferno sempre me assustou, agora ainda mais sabendo que Lola, quando morresse, certamente iria para o céu.Talvez fosse esse o nosso destino então.Me resta apenas essa espera seca e fria sem nenhuma esperança de nos encontrarmos de novo, já tão outros.Ela não precisará dizer seu nome porque já é tão minha e pura Lola,e qualquer outro nome não faria diferença, a que volta pela simples palpitação do espírito de amor dentro de mim.

30º dia.

Estou enlouquecendo.
Pedi demissão e resolvi me trancar em casa.Meus amigos estão preocupados comigo, me ligam e alguns acabam vindo aqui em casa conversar comigo.Até Ana me liga querendo saber como estou.Acabei lhe falando a respeito de Lola e ela simplesmente riu.Riu como se fosse uma piada, algo tão irreal que chega a ser engraçado.É,eu sei.Eu mesmo rio amargamente disso entre doses e mais doses de vodka, enquanto ela me persegue nos meus sonhos.Não quero mais dormir,mas eu sou fraco, me rendo a louca vontade de encontrá-la e senti-la dentro de mim, como se ali fosse seu único lar, como se desde sempre ela existisse ali.
Meus olhos estão inchados e com olheiras enormes.Estou mais magro e mais pálido do que o costume.Não sinto fome ou sede, apenas sono.E quando não sonho com ela, mantenho-a em meus delírios como posso.
Decidi dar uma volta hoje.Não sei, tenho o pressentimento que algo muito bom vai acontecer se eu sair de casa.Fui até aquela rua, onde a vi pela primeira vez.
Estava caminhando desatento como sempre por aquela rua repleta de pessoas que se desdobravam e se esbarravam entre si no desespero e na ânsia de chegarem em seus destinos pontualmente, olhando apenas para o chão e para a dança frenética de todos aqueles pés sobre o preto e branco hipnótico daquela calçada na velha rotina diária que eu seguia a risca até o meu trabalho medíocre de atendente de uma renomada seguradora, quando num relance a reecontrei do outro lado da rua.Ela me sorria e estava com um vestido branco e seus cabelos soltos ao vento.Fui ao seu encontro, sem ao menos dar atenção aos carros que vinham fatalmente em minha direção.Era Lola,não me importava se meu corpo estava ali estirado e estraçalhado pelo asfalto.Eu já me sentia no paraíso.Era Lola.
Lola...

domingo, 15 de junho de 2008

Cinzas da noite

Flores se consumindo em sombras e sumindo além das nossas ambições que viram cinzas a cada cair solitário da noite sem ruído e sem movimento, silenciosa como a morte e triste como nossa vida, uma noite assim feita apenas para os desesperados decadentes que sentem prazer entre maços de cigarros e vodkas e lembranças que os fazem beber mais e fumar mais até não sentirem mais o amargo sabor da frustração em seus lábios,que procuram em uma romaria desiludida pelas ruas mal iluminadas e sujas da cidade(qualquer cidade) por alguém que lhes possa oferecer o sexo como um cálice transbordando de vinho(qualquer sexo), que rasgam suas almas em caminhos de utopias medíocres e inúteis e tolas como todos em sua visão de si mesmos ao longo de suas tão medíocres e inúteis e tolas vidas, que dão seus primeiros de muitos passos em direção ao abismo que é não saberem quem são de verdade e viverem e caminharem em mentiras.E as flores continuam se consumindo em sombras num maldito círculo vicioso até se tornarem mero resto de cinzas de uma noite que não queima mais.

domingo, 8 de junho de 2008

Luiza.

Se lembrou de quando era mais jovem do que hoje, talvez uns 13 anos ,talvez 14, época que conhecera aquela que jamais esqueceria.Muitas vezes se perguntou como ela estaria hoje no auge dos seus 30 anos e sofria ao pensar que ela poderia ter uma família e ser feliz ao lado dela.Não que desejasse a infelicidade dela, mas ainda tinha alguma esperança de que ela ainda pensasse nele, que sentisse sua falta tanto quanto ele sentia a dela.Se passaram 10 anos e ele ainda sentia aquele enorme vazio que somente ela completaria.
Luiza.
Era irônicamente bela para alguém que se vestia fora de moda, usava óculos de grau e aparelho nos dentes, além do longo cabelo aparentemente mal tratado.Não era a mais cobiçada entre as jovens da sua idade, mas também não era a mais recusada.Evitava sair com garotos por ser extremamente tímida, o que realçava ainda mais a sua beleza.Era ruiva de olhos verdes e sardenta, muito maior que ele e muito mais divertida que todos daquela cidade pequena de interior.Mas ela diferente de todos ali não tinha vestígio algum de sotaque.
Foram amigos, não os maiores, mas foram bons amigos durante algum tempo.Não conseguia se lembrar quando começou essa paixão por Luiza, talvez quando a viu na festa de 15 anos dela, quando usava um vestido verde que destacava a cor dos seus olhos e mostrava com suavidade os novos contornos que seu corpo adquirira ou quando ambos estavam voltando da escola e uma tempestade começou, e ambos ficaram sob ela dançando e pulando nas poças.A verdade é que desde o momento em que ele tomou consciência que amava Luiza, sua vida nunca mais teve paz.
Tentou em vão namora-la, mas Luiza nunca quis namorar com alguém, o que nunca a impediu de ter alguns casos, inclusive com ele.Foi com Luiza que deu seu primeiro beijo aos 15 e que perdeu sua virgindade aos 18.Declarou-se algumas vezes, mas Luiza sempre ria dizendo que o via apenas como um grande amigo e que não se imaginava apaixonada por ele ou por ninguém.
Era o que ela mais evitava, se apaixonar.
Isso até seus 19 anos, quando tudo mudou.
Ele havia se mudado de escola e planejava em breve cursar uma faculdade de direito como seu pai e entre tantos planos, o principal era esquecer Luiza.Não tardou para se acostumar com seus novos colegas de escola e com a idéia de ser advogado, mas o que nunca conseguia concretizar era passar um dia sem se lembrar dela.Luiza ainda mantinha contato com ele e sempre o convidava para algo enquanto ele sempre recusava todos os convites dela com a desculpa que precisava estudar.E isso aos poucos foi os afastando.
Luiza havia mudado muito desde então.Não era assim tão tímida e começou a aceitar mais convites de garotos que queriam sair com ela.Tirou o aparelho e resolveu cuidar mais dos cabelos e começou a usar lentes de contato.Em pouco tempo se tornara incrivelmente bela, a mais bela garota da cidade para o desespero dele que por mais que quisesse, não conseguia tira-la do pensamento.
Resolveu então que iria embora daquela cidade.
Contou a todos os seus amigos a sua decisão, que era irrevogável.Sair daquela cidade poderia ajuda-lo a esquecer Luiza e a conhecer alguma outra garota tão incrível quanto ela ou qualquer uma que preenchesse a falta que ela fazia.Quando soube,Luiza o procurou para conversarem como bons amigos que sempre foram e ele não conseguiu recusar por mais que quisesse e que achasse que fosse o melhor para ele.No final, acabaram bêbados e estirados nus em uma cama.Ao nascer do dia, no dia em que ele iria embora, Luiza lhe sussurrou em seu ouvido que o amava e que por muito tempo fora apaixonada por ele, mas que tinha medo que ele a abandonasse como estava fazendo agora.Era tarde demais para voltar atrás do que havia decidido.Ele sabia que ela acabaria com a sua vida num simples sopro.
E assim cada um seguiu o seu caminho.Ele se mudou de cidade e não deu a ninguém seu novo endereço e ela continuou sua vida na pequena cidade do interior.Mas ele nunca conseguiu deixa-la de amar, de sentir seu perfume em qualquer lugar, seu sabor em seus lábios a cada manhã e a maciez da sua pele a cada vez que se tocava.Durante 10 anos tentou manter vários relacionamentos sem nenhum êxito.
Então, decidiu que voltaria para Luiza.E que a teria de qualquer maneira de volta.
Pelo caminho a imaginou casada e gorda e infeliz OU casada e ainda muito bela e extremamente feliz.Também imaginou que ela estaria ainda estraçalhando o coração dos homens sempre lhes dizendo que não poderia ser de ninguém ou que ela estaria ali, esperando por ele.A ultima opção era extremamente utópica para ele.
Quando chegou na cidade, foi diretamente a antiga casa de Luiza.
Bateu na porta diversas vezes e gritou pelo seu nome.
Ninguém.
Perguntou então ao vizinho se Luiza havia se mudado de endereço.Descobriu que Luiza agora morava em uma cova.Desesperado tentou conseguir mais informações, mas o máximo que conseguira foi que Luiza havia se jogado num rio perante algumas testemunhas, aos 19 anos.
19 anos.
Saiu pelas ruas desvairado e sangrando por dentro.Não conseguia suportar a ideia de saber que ela estava morta.Que morreu no auge da sua juventude e de seu amor por ela.Procurou os antigos amigos dela, mas a grande maioria já havia se mudado de cidade.Encontrou apenas uma colega distante de Luiza, que lhe informou que Luiza se matou por um grande amor.Ela não sabia direito o que havia acontecido, mas Luiza havia sido abandonada pelo homem que amava e que não viu mais sentido algum em viver sem ele.Perguntou a ela a data da morte de Luiza e ela lhe respondeu que foi em 25/06/98 e que sabia com precisão porque havia sido o dia do nascimento do sobrinho.
22/05/98 foi a data que ele partiu e a deixou ali, estirada e exausta numa cama com a promessa que jamais iria voltar a vê-la.
Promessa cumprida, ele disse a si mesmo.
E se jogou com o carro num rio, ali perto de onde ele e Luiza haviam dançando sob a tempestade.
"Foi quando realmente me apaixonei por ela", foi seu último pensamento.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Interlúdio em fá menor

Para Rennan, que me faz sonhar às vezes

Estamos eu e você naquela avenida que pode ser a Paulista ou a Tabelião Passarella mas não importa agora qual delas seja, o que importa é que estamos eu e você entre prédios e luzes e uma avenida vazia e aberta para os nossos sonhos numa dessas noites que a gente não consegue dormir.Estamos caminhando e conversando sobre qualquer coisa trivial quando você assim tão de repente me convida para dançar naquele absoluto silêncio preenchido apenas pelo som dos nossos passos e das nossas respirações e eu lhe digo que aceito mesmo sem saber dançar no ritmo do silêncio e você diz que eu sou boba e me conduz.Uma música começa a entoar e começamos a dançar e a cantar a letra mesmo sem nunca termos a ouvido antes.Rimos ainda cantando e você me diz que ela vem do coração e é assim mesmo essas coisas inexplicáveis do coração.Então percorremos dançando por toda aquela avenida até o seu fim quando descobrimos que ela não tem um fim.Procuro no relógio as horas e descubro que já não é mais noite e muito menos dia,apesar da escuridão cravejada de estrelas que brilham menos que o seu olhar e uma lua que flutua nesse céu tão pacato.Parados ali contemplando toda a extensão daquela avenida você me pergunta se eu iria com você até o final dela e eu lhe digo que eu iria com você mesmo se ela jamais houvessem um final.Continuamos a nossa dança enquanto fumamos o nosso cigarro favorito e a avenida não tem fim, eu te amo eu digo e a avenida não tem fim, eu te amo você me diz e a avenida não tem fim.Um dia estaremos com eles aqui você diz e a avenida não tem fim.Vamos esperar por eles então eu digo e a avenida não tem fim.Acordo então sozinha na escuridão do meu quarto e lamento que tenha sido apenas um sonho.Mas meus dedos estão cheirando ao nosso cigarro e eu me sinto cansada e feliz,então acho que tudo aquilo aconteceu.Aconteceu porque você é real.