sexta-feira, 25 de novembro de 2011

Bloco de notas.

Para Igor & Mauro.



Era a última folha do bloco de notas, já rasurada e amassada que demonstrava a agitação das mãos de Marcos sobre uma matéria em branco que, muito tinha o que se falar, mas mal sabia o que escrever. A primeira matéria longe da faculdade e do jornalzinho impresso às custas de seus pais, distribuído gratuitamente entre os seus amigos e demais alunos do curso de jornalismo da mais tradicional faculdade de São Paulo, e que para os amigos mais próximos, revelava com orgulho ter se formado com louvor e perspectivas de breve e rápida ascensão.


As pessoas daquele bairro da Zona Norte sobreviviam com louvor às adversidades da vida e não se orgulhavam nem um pouco de terem chegado onde estão. Certamente, o cadáver que Marcos acabara de ver, também não.


Sua mais aclamada matéria para o jornal Nossa Opinião (alusão muito bem sacada ,diriam os leitores, ao jornal que fez grande oposição durante os Anos de Ferro) foi a respeito da repressão do governo e das autoridades aos movimentos estudantis, que ganharam força nos anos 2000 com o advento da internet e, consequentemente, a rápida transmissão e compartilhamento da informação por todos. A política do “pão e circo” deveria acabar para que florescesse o real socialismo, mais técnico e ideológico. Até hoje, muitos dos seus colegas comentam a grandiosidade de uma matéria como aquela num jornal estudantil (que torciam, fervorosamente, para que Marcos repetisse o feito agora em um grande jornal).

O cadáver jogado no meio-fio da calçada sofria a repressão de um grupo de traficantes, que comandavam tanto as favelas daquela região quanto os bairros periféricos. Foram dois tiros no peito (um pouco abaixo da clavícula esquerda) e um no estômago (que aparentemente apresenta grandes possibilidades de também ter perfurado o fígado e o pâncreas). Era membro de uma ONG que batia de frente com os criminosos de forma pacífica, ao tentar afastar os jovens das promessas do tráfico com o auxílio dos esportes e da cultura, com respaldo pedagógico e psicológico necessário a pessoas que viviam todos os dias uma realidade insustentável. O cadáver ensinava aos jovens as técnicas para a mixagem de sons e batidas no hip-hop, promovia alguns concursos para a escolha da melhor letra ou do melhor MC. Ao seu lado, uma jovem gritava por justiça, mas não dizia o nome do cadáver, talvez pela dificuldade imposta por tamanha dor e descaso. Olhava para Marcos esperando que este tomasse qualquer iniciativa para com o corpo, mas ele só pensava em seu próprio corpo, trêmulo, e o bloco de notas amassado em uma das mãos com umas poucas anotações rasuradas. A ONG lutava para que a subprefeitura da região fechasse um convênio para a compra de computadores e a assinatura de banda larga, tendo como argumento a importância e a extrema necessidade ao acesso a todo tipo de informação para os jovens, futuros formadores de opinião. No instante em que Marcos rasurava mais um trecho de suas anotações, o projeto permanecia sob outros projetos, em algum departamento para o desenvolvimento social.


Os pais de Marcos, inicialmente, foram contrários à escolha do filho em cursar jornalismo. Onde já se viu, diziam, o filho de dois juízes escrever notinhas em jornalecos? O garoto era irredutível quanto a recuar em sua escolha, não se enquadrava naquela vidinha burguesa e buscava se libertar das amarras da sociedade consumista que lhe sufocava, mas se sentia muito aliviado quando sua mesada caía em sua conta corrente. No fundo, ele sabia: seus pais também já tiveram os mesmos objetivos mas tentaram os alcançar de outra forma, e se perderam no meio termo e das frases em rodapés. De qualquer forma, o que perderiam com um filho jornalista? O porta voz dos oprimidos e dos assinantes.



Os pais do jovem assassinado estiveram no local do crime para reconhecimento do corpo in loco. Não foram chamados pela polícia, mas souberam por um vizinho que talvez, seu filho único houvesse sido assassinado. O filho do qual eles, por 23 anos, economizaram um quarto de seus salários para aplicarem em uma poupança, para que ele pudesse, um dia, cursar uma faculdade e escapar daquela vida. O menino estava no terceiro ano de ciências contábeis e estagiava numa pequena empresa de contabilidade no centro de São Paulo. Os vizinhos comentavam que os pais sempre desejaram que o menino fosse doutor. O dinheiro economizado ainda não fora o suficiente para bancar a universidade, o que fez a mãe do garoto, que já era aposentada, voltar a realizar alguns serviços de costura para a comunidade. Fora sim uma boa escolha a do garoto, afinal. Mas agora estavam ajoelhados na calçada, a mãe segurando sua mão e o pai com sua cabeça ensanguentada no colo, ambos sem qualquer escolha. Os policiais tentaram em vão os afastarem da cena do crime, até que desistiram perante a impossibilidade de mais uma vez, afastarem os pais daquele menino. Marcos escrevia alguma coisa quando o pai, segurou sua mão, e pediu que incluísse na nota que o filho fizera muito pela comunidade e aquele era o agradecimento que recebia. É isso que dá querer mudar o mundo, dizia, não dá para mudar nem o bairro.


Marcos chegou no primeiro dia de trabalho na redação com a certeza de que impressionaria todos ali. Foi estagiário de uma revista de grande circulação nacional, e mesmo apenas tendo feito a redação de algumas matérias, trazia consigo a experiência de trabalhar sobre pressão e com precisão. Quando indagado pelos jornalistas próximos à sua baia sobre o trabalho de campo, confessava que era o que mais desejava fazer, a emoção de estar nas ruas, no momento em que tudo acontece, escrever a história e entrar para ela. Alguns de seus colegas riram, um deu um tapa em suas costas e um outro comentou que era sempre assim, nosso dia a dia, o reconhecimento de todos ao contribuírem de maneira significativa para a história. Melhor se acostumar a isso, ao reconhecimento diário e claro, as inúmeras oportunidades de mudar o mundo. São tantas que é muito difícil para um iniciante como ele, foquinha, escolher qual é a melhor para aquele momento. Marcos não sabia, mas era o que ele mais queria em sua vida.


As primeiras frases no bloco de anotações reserva (precavido, levou dentro da calça mais dois pequenos blocos de R$ 0,80) eram ilegíveis. Parte pelo nervosismo ao ver o jovem morto e parte por ter que relatar ao jornal o que aconteceu. O carro do IML chegou logo após as 16:00 horas, 2 horas após o jovem morto ter sido baleado por dois homens em uma moto. Os assassinos ainda não foram reconhecidos e ninguém anotou o número da placa do veículo. A mãe se apoia no carro para não desmaiar enquanto o pai fala com algum parente no telefone. O corpo é colocado dentro de um saco e retirado pelo carro do IML, seguido por uma viatura da polícia. A segunda viatura ainda permanece no local, acompanhando alguns peritos. Marcos foi até um bar ali próximo, sentou-se na mesa e pediu uma tubaína em garrafa e uma coxinha. Repassou cena por cena do que presenciou, além dos relatos que ele não recolheu, mas que ouviu ao seu redor. De onde estava, a visão era tragicamente privilegiada. Via a jovem que antes gritava, abraçar alguns amigos próximos. Os pais entraram na viatura e provavelmente se dirigiam a delegacia para enfrentar uma puta burocracia ao registrarem o B.O e provavelmente uma outra, ainda mais desgastante e humilhante, que seria a liberação do corpo do filho. As anotações foram além da notícia: fizeram uma história de 3 laudas, 2 tubaínas e 3 coxinhas. Paralelos entre suas vidas foram traçados e seus argumentos se afastaram da impessoalidade, transformando as anotações num relato fiel de quem talvez tenha presenciado desde o nascimento do garoto até a sua execução, uma testemunha ocular do calvário do jovem assassinado. Não daria outra, primeira página do caderno popular. Ainda não era o que ele esperava, mas já era um começo para um brilhante jornalista como ele. Já imaginava até a diagramação: meia página, uma foto no meio (ele havia tirado com uma câmera semi profissional que sempre carregava consigo em casos de emergência), talvez os dos pais ajoelhados com o corpo do filho. No caminho de volta para a redação pensaria num bom lead e em um título.


O chefe da redação chamou Marcos até a sua mesa e passou o seu primeiro trabalho jornalístico: Um cara foi morto a alguns minutos num dos bairros próximos do prédio e a pessoa responsável por esse tipo de matéria ainda não havia chegado e muito menos atendia os telefonemas.


- Vai lá e cobre o caso, e de preferência, seja breve. Não esquece do bloquinho e de uma boa caneta preta. Jornalismo é isso aí cara, tudo acontecendo ao mesmo tempo, e nunca estamos alertas o suficiente.


- Eu pensei que eu iria cobrir alguma coletiva de imprensa, você sabe, levantar alguns dados também. Sempre tive um certo talento para o jornalismo investigativo ou pro político.


- Cara, vai lá e cobre essa matéria antes que outro jornalista chegue antes de você. Vai lá levantar os dados com os moradores e a polícia, junte as peças do quebra cabeça e fica por lá até chegar outros jornais. Mas vai! Não fica pensando.

Sua matéria ocupou um box com pouco mais de 5 linhas, um pouco menor que uma das folhas do seu bloquinho de anotações.

Nenhuma das palavras utilizadas foi escrita por ele.



sexta-feira, 22 de julho de 2011

Anti-história.

C. telefona histérica dentro de um ônibus (ou metrô) e suas últimas palavras eram pequenos palavrões que esperaram por anos até aqueles 2:05 de conversa numa ligação a cobrar. Do outro lado ele limpava as lentes dos óculos em sua camisa engordurada pelo balcão do bar da família (carinhosamente chamado de restaurante) e pregaria os olhos (sem as lentes) na rua que ali desembocava na porta de entrada (e era uma avenida semi estrada, como muitas coisas naquela cidade, sempre semi, nunca completas).

A sensação de vazio que ia sentido a cada adeus que C. gritava ao telefone (que ele amargamente concordava e pedia para que não desligasse, não agora, diz mais uma vez adeus porque eu não sei, mas diz mais uma vez e continua, por favor) foi preenchido pelo verdadeiro vazio das mesas onde ele, um pouco mais jovem, se imaginava sentado em cada uma com C. e lhe descreveria como imaginava aquele momento, naquele bar semi restaurante, onde ele lhe ofereceria o cardápio e ela poderia escolher qualquer coisa porque, afinal, seria por conta da casa e ele a acompanharia naquela escolha e em todas as outras que ela decidisse, mas não no adeus, que ele concordava necessário (mas pedia para que ela repetisse tantas vezes antes dos palavrões e da ligação cair, de um precipício imaginário, junto com ele.). C. imaginava o encontro em algum bar (também) onde logo após algumas doses ela se inclinaria um pouco para frente dando a entender que ele também poderia se inclinar um pouco mais para frente, e depois dos trâmites óbvios, dividiriam a conta e iriam para qualquer lugar que não fosse dele ou dela e que daquele dia em diante seria dos dois, naquela cidade que não lhes pertenciam. Mas não fora assim e nem deveria. Mas se encontraram num lugar neutro onde ele seria ele, o cara que fica atrás do balcão, e por isso, a afastaria para sempre e aos poucos.

Ele fora demasiadamente pequeno em tudo a ponto de C. não lhe caber, espaço apenas para uma cicatriz que a própria C. insiste para que ele esconda, faça alguma tatuagem ou sobreponha a outras cicatrizes, mas ele não consegue. Insiste na camisa branca engordura e em planejar sua vida sempre após o expediente do bar quase qualquer coisa, onde R. (outro R. como ele & mesmo tão jovem é tão velho e mesmo tendo tanto já não tem nada) lhe dedica "Last Night" no palco improvisado, com sua banda que, bem todos sabem, jamais saírá do perímetro urbano daquela cidade.

Namora B. que mesmo vindo antes de C. não quer dizer absolutamente nada.

sábado, 16 de julho de 2011

Sobre o tudo.

Como foi dito anteriormente, a minha novela "Movimento rápido dos olhos" saíra muito em breve, completa, com seus 10 pragmáticos capítulos. Devido a isso, não lançarei o restante da novela por aqui, como fazia em doses homeopáticas.

A série "Paulistanagens" também não será mais publicada aqui. Recentemente, recebi uma proposta para trabalhar em parceria com o ilustrador/quadrinista Raphael Andrade e iremos transformar o Paulistanagens em quadrinhos. Recebi hoje o primeiro esboço e não consigo esconder a minha ansiedade para que mais esboços povoem minha caixa de entrada e que, obviamente, deixem muito em breve de serem esboços.

Sansão vai bem, obrigada.

Até mais.

Movimento Rápido dos olhos


Para download em breve com seus 10 capítulos, finalmente.
Aguardem ou me esqueçam.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Diário de Bordo.

Com os atrasos sistemáticos das páginas do meu romance, resolvi criar uma espécie de diário de criação, como já fizeram inúmeros autores. É uma maneira prática de organizar idéias e manter prazos, e acima de tudo, no meu caso, de LEMBRAR destes prazos. Manterei duas versões, esta virtual abrigada nesta lata de lixo e uma fisica, num moleskine gracioso que ganhei do meu namorado e onde serei mais específica e detalhada em relação as pesquisas e a elaboração dos perfis das personagens. Lugar de destaque próximo ao monitor, espero me lembrar o motivo pelo qual estarei o deixando tão a vista.

A priori, ele é carinhosamente chamado de "Sansão", tem exatos 12 capítulos distribuídos em 62 páginas e 10 personagens. Nasceu entre setembro e outubro do ano passado, num insight a respeito do grande número de amigos jornalistas que possuo e fazem parte ativamente da minha vida (parece um motivo idiota, espero que compreendam que quanto mais jornalistas ao seu redor, mais sua visão sobre o mundo vai se aguçando. Ou não, puro romantismo então). Sim, "Sansão" gira em torno de uma redação de jornal. já posso adiantar aos que nunca receberam (a contragosto) excertos dos capítulos. Há toda uma pesquisa envolvida, desde entrevistas até visitas a redações (no moleskine há uma parte para orçamento, onde inclui gastos para REVISORES, afinal, percebe-se que meu português é falho em diversas ocasiões) mas enfim, aos poucos colocarei a disposição de vocês (parcos leitores) esse meu material.

Até mais.

sábado, 9 de julho de 2011

Movimento Rápido dos olhos - 5º capítulo

Trabalho de segunda a segunda e sorrio dizendo que se Bukowski (que era mediano, quase ruim o coitado) alcançou a glória eterna depois dos 50 (acho), eu ainda tinha tempo, não tinha?
Eu já tinha algumas rugas e muitas dívidas, um ótimo começo para um escritor. Acrescente a isso a incapacidade social de aproximação com o sexo oposto e a falta de prática com o manuseio de copos cheios de álcool. Conversas apócrifas com Dostoievski de bom humor em dias que Deus ex machina dava o ar de sua graça eram tão comuns quanto os insultos imaginados do caminho da padaria até minha casa devido à caixa (aquela vadia) que nunca me sorria .
Os papéis em branco espalhados pela casa eram um lembrete, bem claro, de que eu ainda seria um grande escritor. Mas quem se importa? Eu já era um escritor por QUERER ser um, e ninguém provaria o contrário, mesmo o desânimo e o meu desaparecimento (de mim mesmo) a cada página virada. O novo personagem nunca era eu.


Pra isso a gente dá o nome de determinação

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Movimento Rápido dos olhos - 4º capítulo

Para Guilherme Navarro, Antônio La Carne e Julio Perestrelo

e aos demais leitores.


Escrevo todos os dias para ela, um poema, um conto ou até mesmo uma crônica do meu dia de funcionário público do Estado, mal remunerado e completamente apaixonado por algo, ela, impossível aquisição porque ela, nossa, de todos. Elogia-me sempre e diz que vou longe com aquelas palavras, tão longe quanto possa ser meus sonhos, não digo, mas que são mais baratos que os da padaria. Ela desconfia das batidas escancaras do meu peito, disfarçadas pelas remessas de processos (kafkanianos) sobre a mesa que titubeio em sua presença, com um sorrio e alguns gestos que indicam “é, muito trabalho para pouco resultado”. Escondo dela que sei mais de Shakeaspeare do que as peças que ela já encenou um dia na sua juventude e que Keats sempre fora melhor que Byron, que eu detestava, mas que ela gostava tanto que dera ao seu gato o mesmo nome e jamais saberíamos que amor é aquele que morreria em 12 anos e que ficaria apenas nas lembranças. O nosso?

Eu achava que a amava, essa era a verdade. Mas descobri que era apenas um pretexto para escrever todos os dias alguma coisa a alguém.

Pra isso, a gente dá o nome de disciplina.

Sempre escrevo eu te odeio a lápis, me arrependo e apago, e escrevo a caneta eu te amo.

Um dia eu ainda pretendo não escrever mais nada.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Movimento Rápido dos olhos - 3º capítulo

Gosto de dizer que sou um escritor, olhar ao meu redor e ver sobre a mesa alguns dos meus livros, cada página um não a algo: vida social, televisão, jogos e a internet (em seus primórdios quando não desconfiávamos do monstro que alimentávamos com nossos restos). Alguns livros e alguma solidão, satisfatória para uma vida tranquila e inquieta para um ego que jamais se satisfaz com pequenas notas em jornais, em resenhas feitas sem emoção para revistas, com leitores tímidos que fingem que eu não sou eu, ou que sou eu e não gostaria de um elogio naquela fila do caixa ou entre uma prateleira e outra na livraria.

Confesso que a solidão se tornou satisfatória porque me conformei tão rápido me era necessário enfrenta-la. Não era medo ou fraqueza, mas sou maior que o isolamento que me foi dado em vida, entendem? Falando em vida, há sempre o desejo de se tornar mais do que um best seller ao lado dos romances adolescentes e os de auto ajuda, número um em revistas populares e sites muito acessados. Algo como ter um livro obrigatório nas escolas ou nos vestibulares, resenhas feitas pelos leitores para algum tipo de mídia dos intelectuais. Livros esquecidos em sebos e encontrados por jovens apaixonados, que pagariam qualquer coisa para me terem.

Queria também ser perguntinha de vestibular, essa coisa que decide a vida.

Meu ego é insaciável. Prá isso, a gente dá o nome de ambição

Para estar entre os melhores, antes de mais nada, preciso estar morto.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Movimento Rápido dos olhos - 2º capítulo

Adormecendo ao som de When you dance I can really love, Neil Young


Primeiro estágio


- Você acredita em vida após a morte?
- Eu mal acredito na vida, pra te dizer a verdade.
- Mas acredita em vidas passadas?
- Aquela coisa de reencarnação, você quer dizer?
- Exatamente, acredita?
- Não muito, mas eu tenho uns problemas de memória, você já sabe, eu nunca deixo os outros esquecerem disso também, mesmo eu sempre me esquecendo. Então quando o lapso de memória, aquele arrombo enorme, to falando aqueles buracos negros tridimensionais que engolem todos os fragmentos, você leu Hawkins e sabe disso, acontece de uma hora pra outra, eu esqueço essa vida. Aí tenho que viver outra, do zero, mas com esse mesmo corpo. Eu reencarno com o mesmo corpo, a alma é que vai mudando. Entendeu?
- Você é louco.
- Eu também acho.
- Você gosta de cartas?
- Só as de tarot. Por causa do destino.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

Rapid Eyes Moviment. (R.E.M) 1º capítulo

Uma novela em 10 capítulos.

Despertando ao som de Misunderstood - Wilco



Não diria exatamente que PODERIA ser um sonho a ser realizado, até porque, não tinha exatamente um sonho ou uma meta, nem mesmo um rascunho de um desejo aos poucos esquecido. Mas era bom & era o que lhe bastava para acreditar que aquilo poderia ser chamado então de sonho ou qualquer coisa que fosse bom o suficiente para não ser real. Começou quando
(não tinha exatamente um começo mas apenas a percepção de que algo já estava se transcrevendo enquanto suas pálpebras caiam sobre os seus olhos o afundando em movimentos lisérgicos por minutos, até que se afogasse & voltasse do mundo dos mortos, bocejando pela casa com os olhos semi abertos)
chegara exausto do trabalho e algumas cartas se encontravam espalhadas sobre seu sofá. Até onde se lembrava, os correios não entravam em casas trancadas e acorrentadas de pessoas neuróticas com mania de perseguição (mas ele só tinha medo de infartos fulminantes, abduções, amnésias repentinas e de pessoas com mais de 70 anos ainda vivas)
e deixavam correspondências sobre sofás empoeirados e rasgados por unhas afiadas de felinos com tendências satânicas (a combinação dos fatores mataria qualquer carteiro alérgico).

E por mais que seus olhos cansados se recusassem a acreditar, o mais absurdo não era nem o número expressivo de cartas sobre seu sofá datadas de muitos dias atrás, tantos que poderiam ser anos a fio, mas o fato de não ser qualquer cobrança ou um equívoco, se tratando de qualquer homônimo (e ele sempre se sentira único).
Conhecia bem aquela disposição de letras, aquela coisa chamada texto com aquela caligrafia íntima. E era tão incrivelmente ele que poderia ser dele cada imagem descrita. Por um instante achou que estava ficando louco ao encontrar as pontes para sua memória destruídas(sendo a loucura um estado consciente de um nada interminável ).

Mas lembrou-se que em breve começaria o notíciario e que o jantar precisava ser feito.


A vida odeia ser simples.

sábado, 18 de junho de 2011

Paulistanagens #4

Nas unhas um esmalte roído datado da semana passada, em acessos de ansiedade crônica após ter desistido dos cigarros. O café continuaria, doses homeopáticas pela manhã enquanto o marido recitaria as manchetes da Folha de São Paulo e ela fingiria algum interesse pela Dow Jones. O casamento a envelhecera apesar da aparência ainda jovem, com as promessas de noites deitada no sofá importado da França acompanhando as séries da tv paga com doritos espalhados pelo decote da camisola de seda chinesa. As amigas ligavam, contando sobre seus casos durante as inúmeras festas que ela nunca mais seria convidada, persona non grata com sua vida nos eixos, contas pagas e a tranquilidade de quem pode dormir sem o peso das escolhas, apenas o peso do anel de ouro e do diamante que guardaria consigo eternamente seus pensamentos. O marido não mais a impressionava, peso morto sobre seu corpo em algumas noites em que ao fechar os olhos era com outros que fingia o orgasmo. Mas o amava, como amava a programação matinal da tv ou como as revistas femininas espalhadas nos salões de beleza que freqüentava. Um amor sem sentido e sem senso de realidade de uma vida igualmente assim, com cartões de crédito sem limites que jamais comprariam na Oscar Freire a felicidade, que é de graça, e que por ser assim, nunca a interessaria.

domingo, 12 de junho de 2011

A arte de não ser anfitriã.

3 sets a 1
na tv do hotel
onde
você escapa de mim
em forma de filete de sangue
e uma dor suportável
embaixo dos edredons
alguma lembrança
que será distorcida
pelo tempo
assim como o canal que se recusa a pegar.
Sinto muito
em não ser uma boa anfitriã
quando você
quis apenas
chegar.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Sem fé, nada do que deveria acontecer acontece




'Pela manhã, obstinados ainda na sonolência que a campainha horripilante do despertador não conseguia trocar pela afiada vigília, contavam-se fielmente os sonhos da noite. Cabeça contra cabeça, acariciando-se, confundindo as pernas e as mãos, esforçavam-se por traduzir em palavras do mundo exterior tudo o que haviam vivido durante as horas de treva. (...)Tinham dormido com as cabeças encostadas e aí, nessa premência física, na coincidência quase total das atitudes, das posições, da respiração, do mesmo quarto, do mesmo travesseiro, da mesma escuridão, do mesmo tique-taque, dos mesmos estímulos da rua e da cidade, das mesmas radiações magnéticas, da mesma marca de café, da mesma conjunção estelar, da mesma noite para os dois, aí estreitamente abraçados, tinham sonhado sonhos diferentes, tinham vivido aventuras diferentes, um sorriso enquanto a outra fugia aterrorizada, um voltava a prestar um exame de álgebra, enquanto a outra chegara a uma cidade de pedras brancas. (...)Durante muito tempo, esperou um milagre, que o sonho que Talita iria lhe contar pela manhã fosse também aquele que tinha sonhado. Esperou por isso, incitou-o, provocou-o, apelando para todas as analogias possíveis, procurando semelhanças que, bruscamente, o levassem a um reconhecimento. Apenas uma vez, sem que Talita desse a menor importância ao fato, sonharam sonhos análogos. (...)Traveler continuou confiando cada vez menos. Os sonhos voltavam, cada um por seu lado. As cabeças dormiam encostadas e, em cada uma delas, levantava-se o pano sobre um cenário diferente. Traveler pensou ironicamente que pareciam os cinemas contíguos da calle Lavalle e perdeu de uma vez por todas as suas esperanças. Não acreditava absolutamente que acontecesse o que desejava, e sabia que, sem fé, jamais ocorreria. Sabia que, sem fé, nada do que deveria acontecer acontece; e, com fé, também quase nunca.'


quarta-feira, 8 de junho de 2011

O poema que nunca foi escrito.

Você escreveria um poema
se ele precisasse ser escrito
mas ele te diz
ao pé do ouvido
que não gosta de você.

Então
oferece um afago
se abre a ele
diz que metade de tudo que possui
será dele
se ele for escrito.

Um tempo depois
você desiste dele
porque sabe
que não tem nada
para oferecer.




segunda-feira, 6 de junho de 2011

Paulistanagens #3

As mãos dadas não denunciavam o desconhecimento do nome uma da outra durante a contagem regressiva para 2011 e o abraço após o primeiro segundo do novo ano demonstrava um reencontro de outra vida e de outros corpos. Sorriam enquanto no palco uma escola de samba tocava brasileirinho fazendo algumas pessoas ao redor sambarem levantando seus copos plásticos com cerveja com seus corpos suados e indecifráveis, imersos no nada. Não conseguiam se comunicar até que tentaram alguns gestos e então compreenderam: Precisavam sair da Paulista.

- Quer colar lá na Augusta?
- Mas você está sozinha?
- Não, estou com você! E você?
- Eu também estou com você!

No trajeto entre desvios e empurrões se calaram. Usavam para si mesmas a desculpa da impossibilidade de qualquer comunicação com toda aquela movimentação. Tentavam descobrir como seria a outra pelas roupas e gestos. Uma usava um vestido xadrez e um cinto na cintura que combinava com a bota de couro de salto médio, muito delicada em seus movimentos esguios e no seu sorriso tão doce ao terminar de pronunciar um palavrão, que a outra chutava gostar de Bob Dylan e Beatles, literatura em geral e filmes cults. Essa tinha o cabelo curto e roxo, usava uma camisa com estampas de caveira e uma calça de couro, que fazia a outra acreditar ser punk e feminista, talvez até lésbica, grossa e ofensiva.
Conseguiram vencer a multidão até alcançar a rua Augusta sem maiores problemas, rindo sempre ao se lembrarem do que foram obrigadas a fazer para que conseguissem chegar até ali.

- Eu belisquei a bunda de um homem!
- E eu que tive que empurrar uma senhora de idade?
- Cara, eu acho que eu fiz uma criança se perder dos pais
- Sério? Eu pisei no pé de um cara manco!
- Você é pior do que eu imaginei!
- Só porque eu não sou tão feminina quanto você?
- Claro!

Encontraram um bar aberto e lotado de jovens deslocados de todos os ritmos & de toda a esperança de que aquele ano fosse um feliz ano novo, mas se sentiram finalmente confortáveis, num refúgio que poucos saberiam explicar. Ficaram de pé no balcão tomando uma cerveja e comendo algumas coxinhas das 10 da manhã. Conversaram por muito tempo (talvez horas) até descobrirem que Roberta, a de vestido, tinha acabado de chegar de Ribeirão Preto e havia se perdido dos amigos, que não atendiam seus celulares por qualquer motivo absurdo. Também não ligavam e possivelmente estavam tão felizes que não sentiriam sua falta por algum tempo. Não conhecia Bob Dylan mas era simpática aos Beatles, gostava mesmo de musica sertaneja universitária e MPB. Não conhecia São Paulo e não queria passar logo a sua primeira noite perdida e abandonada por todos, do tipo de pessoa infeliz que se encontrava pelas sarjetas. Clara, a de cabelos roxos e atitude punk, era uma ex modelo que havia desistido da carreira para cursar Física na Usp e não conseguia conceber a idéia de absurdo nisso tudo, mas achava graça mesmo assim. Era fã de Fiona Apple e Neil Young (gostava pouco de punk, o visual foi inspirado em uma modelo Russa que ela nunca mais lembraria o nome) e era paulistana da gema, morava próxima a cidade universitária e trabalhava num escritório de importações. Havia brigado com o noivo poucas horas porque ele havia saído com uma amiga (e talvez transado, na sua imaginação) antes de aparecer sozinha na paulista e fumar escondida atrás de uma banca um baseado com um pessoal que ela conhecia.

- Já são quase 4 da manhã, vai tentar ligar de novo para o seu pessoal?
- Desisti, prefiro esperar o dia amanhacer e ver se eles se tocam que eu não estou com eles. E você, vai ficar por aqui mesmo? Já tá pensando em ir embora?
- Não sei, não tenho muitos planos além de dormir e só acordar dia 2. E você, quais são os seus planos para 2011?
- Não ter planos? Já comecei 2011 sem tê-los quando resolvi te acompanhar.
- Isso é o plano B.
- O plano B seria permanecer ali tentando mandar sms para eles, ou tentar encontrar algum cara que topasse transar comigo num lugar onde eu pudesse dormir depois. Mas eu abortei todos os planos, o de ficar perdida ou de acordar sem um rim.
- Vai acordar amanhã sem estômago, isso sim.
- Talvez, e você?
- Com você.


sexta-feira, 6 de maio de 2011

Excerto.

Simétricos, digo que são os dias em que se erguer das próprias cinzas já não pode ser considerado força de vontade ou persistência, mas insuficiência de provas de que nada vale a pena (e provavelmente posso estar errado também em relação a isso) e não há mais nada a se perder além dos anos, já perdidos, que se reservam ao direito se serem lembrados com amargura, num café muito forte e sem açúcar ao acordar & também se lembrar (são tantas coisas!) de que é necessário encarar o frio das 7 da manhã num ponto de ônibus, ao lado de pessoas que não se conhecem o suficiente para insistirem em conversas redundantes até que qualquer cordialidade é dissipada (não, talvez extirpada cairia melhor) quando as leis da física precisam ser postas em prova, vários corpos num mesmo espaço onde qualquer ação sempre será sujeita as piores reações possíveis e a inércia não existe a partir do momento em que o ônibus faz uma curva e 5 corpos jogam meu corpo contra a janela poluída com a vida do lado de lá. Então estou aqui reconstruindo tudo o que destruí, com os materiais mais em conta do mercado e com mão de obra desqualificada. E se um dia ela me perguntar o que é esta construção tão miserável, onde até os observadores se intimidam com tamanha humildade e falta de qualquer projeto assinado por um técnico, terei de lhe dizer (quase soluçando) de que se trata do meu caráter.









(Capítulo 8 do romancemprocessodegenerativo)

terça-feira, 26 de abril de 2011

O lapso incalculável




Durante um lapsto incalculável, a que nenhuma medida se adequaria, tudo permanece, subsiste, isolado e simultâneo, o pelo suave e suado, a mão, a confiança, o alívio, o olhar, o gosto do café, o café, a transparência cinza do ar que envolve, quase que resplendorosamente, apesar do céu baixo e negro, os corpos que latejam monótonos e o vazio que os separa, riscado pelas gotas intermitentes e oblíquas, cada vez mais numerosas, que vêm estatelar-se no chão. Quando as palmas batem, por fim, uma na outra, ecoando, o salva-vidas se vira e começa a descer na direção da praia, o Gato levanta a cabeça, olhando para o portão, o segundo gole de café cobre o primeiro na garganta de Elisa, o baio amarelo começa a sacudir a cabeça sob a pancada de chuva, e o lapso incalculável, tão vasto quanto longa é a totalidade do tempo, que teria parecido querer, à sua maneira, persistir, submerge, ao mesmo tempo, paradoxal, no passado e no futuro, e naufraga, como o resto, ou o arrasta consigo, inenarrável, no nada universal.










Trecho de Ninguém, nada, nunca, de Juan José Saer.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Antigamente as canetas não falhavam

Saudades dos papéis
e da caneta que falha
os pensamentos
e aquele verso perfeito
em azul escuro azul claro azul nada
ou do barulho do papel
ao ser amassado
rasgando o ar em frações de segundo
ao ser arremessado contra um cesto
e não o acertar.


Eu pensava que que não se faziam canetas
como antigamente
mas na verdade
o que não se fazem mais
são poetas.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Pelo coração da galinha

No sábado a tarde era a mãe que apontava para o Alambrado: quero aquela ali, e o pai entrava no galinheiro, pisava na merda e nos restos de comida, encurralava a ave e ali mesmo torcia-lhe o pescoço. Ele já saía com a galinha presa pelos pés, de ponta cabeça, os pequenos olhos perdidos em meio ás que deixava, vivas ali, ciscando o destino que lhes esperavam.
A irmã mais velha avisava que a água estava fervendo e a mãe trazia o caldeirão fumegante para o quintal. Ali, a família se juntava, queimava a mão no caldo quente e depenava a galinha. A caçula sempre lembrava: "o coração é meu". A do meio retrucava: "não, ele é meu porque eu vi primeiro!". A mãe lamentava a desgraça das galinhas de possuir apenas um coração, também queria ter mais de um, ela própria e por isso não conseguia lamentar como convém. A mais velha limitava-se a arrancar as penas em silêncio antes que a água esfriasse e os pensamentos escapassem.
O pai trazia algodão embebido em álcool, colocava fogo e passava a galinha de leve na chama para acabar de tirar as penugens. Ficava no ar o cheiro de pena queimada e pele tostada, enquanto o sol caminhava a lentos passos para o meio do céu.
As galinhas sobreviventes continuavam ciscando monótonas, olhavam umas paras as outras, tentando descobrir quem iria para a panela na proxima semana, apostando com isso os últimos grãos que o saco caído, ao longe no chão, possuía. A ave de pescoço quebrado e depenada era colocada em cima do mármore frio e aberta na ponta da faca pela mãe. Conforme limpava, ela ia mostrando para as filhas, exímia cirurgiã doméstica, a anatomia da galinha. Não muito diferente da anatomia das meninas.
A manteiga estavalava na panela a espera dos temperos. A caçula preparava o suco de limão enquanto a do meio preparava o forno. A mais velha arrumava a mesa, pondo os talheres e pratos, sorrindo discretamente com a certeza de que o coração seria seu, escondido secretamente entre as pernas da ave. Um dia descobriria, com pesar, que o coração das mulheres também se refugia entre as pernas ocasionalmente.
Posta a mesa o pai puxava uma oração, seguida de uma bronca pela discussão à mesa sobre o maldito coração da galinha, que havia sumido e ninguém, nem mesmo a seqüestradora, sabia onde estaria. Após muita briga e a ameaça crescente de birra da caçula, a mãe descobre que o coração havia caído das pernas da ave sobre o fogo alto do forno. Só restava cinzas e mágoas.


Muito tempo se passou desde então. As meninas cresceram e cada uma freqüenta o restaurante que lhe convém, e os corações agora vem aos montes, em espetos. Menos a caçula, que traumatizada, virou vegetariana.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

02:24

Preso
em fotos que não foram tiradas por mim
em eternas poses
das quais jamais haverá um espaço
para esse abraço
esquecido em bancos de praças
das igrejas que nos casaríamos
depois das trocas de bilhetes de ônibus
amassados.

Você se esqueceu de mim
em alguma rodoviária
onde eu sempre perco
todos os itinerários
de volta para casa.





quarta-feira, 13 de abril de 2011

Merda é tudo que não seja a morte



"O dia mais feliz da minha vida foi o dia em que escrevi minha primeira palavra feia no muro alto do colégio - exatamente essa bela palavra MERDA que agora me fita do outro lado da rua, como um desafio. MERDA é tudo que não seja a morte, que talvez também o seja, e disso sempre tiveram consciência os homens menos mentecaptos em seus momentos de maior lucidez, e que são poucos. Merda é a própria vida, mero eufemismo para uso dos salões elegantes e dos tratados diplomáticos, que também são uma merda como tudo mais, como sempre o foram e o serão até o fim dos tempos. Proponho mesmo que, em lugar dos nomes dos países, se diga simplesmente: Merda n.º 1, Merda n.º 2, e assim por diante, chamando-se aos Estados Unidos a capital de todas as merdas, como de fato eles o são."


Trecho de A lua vem da Ásia, de Campos de Carvalho.

domingo, 10 de abril de 2011

Paulistanagens #2


Otto Lara Rezende



"Tem isqueiro?"

"Tenho, só um instante"

"Que horas são moça?"

"8:40. Vem cá, deixo acender para você o cigarro"

"Engraçado né, os fumantes são um povo unido. A gente nega tudo, menos isqueiro e fósforo pro próximo"

"É coisa de paulista, você viaja prá outros estados e não rola isso naturalmente, isso de você pedir e eu te oferecer com um sorriso, sem ser cantada ou coisa do tipo. Eu morei um tempo no Rio Grande do Sul, eram poucos os que cediam o isqueiro sem te olhar com a cara feia, como se fumar fosse errado"

"Coisa de paulista"

"É, por isso acho que o Otto Lara Rezende disse besteira"

"Esse Otto aí disse o quê?"

"Ah, ele disse que o mineiro só é solidário no câncer. Mas é porque ele nunca pediu um isqueiro prá um paulista"

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Paulistanagens #1



Dublinenses



[Presente]


Ele já me esperava sentado dentro do Ibotirama, mesa ao fundo perto da escada, bebiricando uma cachaça, olhando prá janela ao lado, observando o movimento da Fernando de Albuquerque (e também dos grupos animados de hypes, fumando ao lado de fora do bar e aparentando uma felicidade incomum, um misto de conformismo com satisfação). Havia me atrasado, 10 minutos precisos no celular mas que no relógio de parede indicavam uma longa espera por ele, que tentava esconder num sorriso forçado a impaciência. Me aproximava esgueirando dos garçons, que equilibravam fritas em uma das mãos enquanto na outra seguravam firmemente as garrafas de cerveja. Pelo trajeto (não mais que 10 passos, desviar de uma garçon, dar um olá para um outro, desviar do cara que se levanta de uma cadeira da qual passei rente) pensei se deveria o cumprimentar com um beijo nos lábios (um selinho, boca semi aberta esperando que ele enfiasse a lingua, que a movimentasse com ternura enquanto os seus lábios engoliam delicadamente os meus) ou um abraço meio requentado (meu braço esquerdo pendendo de lado enquanto o braço direito envolve rapidamente suas costas, um beijo no rosto e um sorriso seguido de "como vai você?"). No fim, quando estávamos frente a frente, apenas nos olhamos sem nenhum sorriso, nenhum cavalheirismo da parte dele que deveria ter se levantado, puxado a minha cadeira e só voltasse a se sentar assim que eu me sentasse. Puxei qualquer assunto depois do "nossa, faz tempo que a gente não se vê né?", comentei como a Augusta havia perdido a sua graça, e que o Ibotirama era uns dos poucos lugares dos quais eu ainda me sentia a vontade para me sentar e beber uma cerveja, sozinha, sem ser pressionada pela cidade a estar com alguém ou estar aberta a conhecer qualquer pessoa. Ele também havia comentado algo do gênero, mas da maneira estúpida e rabugenta dele, que nem parecia ter 26 anos. Algo como estar cansado das convenções sociais que somos obrigados a desempenhar, e qual era o problema de gostar de ser e estar sozinho em São Paulo? Suspirei quando disse que São Paulo destruía até a solidão que nos presenteia.
Brinquei repetindo o que um amigo havia me dito, um boato que despediram um dos cozinheiros do bar para que pudessem ter as famosas luzes verdes. Ele não riu, mas proferiu um discurso politizado sobre o capitalismo e todo o blá blá blá marxista do qual ele era contra em partes, mas por algum motivo, gostava de defender como método para irritar as pessoas e extrair delas o que elas realmente achavam. Eu não achava nada, nem os meus óculos dentro da bolsa. Estava quase dormindo naquela mesa com a terceira cerveja. Mas de tédio.


[Passado]


Nos emails, um dele. Sem assunto.

Pensei que fosse algum spam, mas por garantia abri. Dizia que ainda me amava, e que sentia muito pelo fim que havíamos tido. Ele trancado num hospício, eu procurando em cada homem alguma coisa dele para me abandonar. Tanto tempo que não pensava nele, nem com as menções encontradas nas músicas dos Beatles as quais embalaram por muitas noites as minhas recordações de tudo o que vivemos. Ou de nada, um encontro na casa de um amigo, um esbarrão no dia dos namorados, uma tarde entre as árvores no interior. Um amor inventado e alimentado com desespero de quem necessita encontrar alguém. Mas ninguém se encontra em São Paulo, todos se trombam e se machucam.

Respondi que também sentia saudades e que sentia igualmente pelo nosso fim (fim do quê mesmo? De um cigarro que eu roubei dele? De um baseado que compartilhamos? De um boquete feito ás pressas?) e que por mim tudo bem, vamos nos encontrar e reviver os velhos tempos (mas reviver o quê meu Deus?)

Ele só queria transar, mesmo sem ter mencionado isso em uma única linha do email e em nenhuma palavra pelo telefone. Eu já sabia pelo tom de sua voz ou com o cuidado que escolhera as palavras no que ele me escrevera, disfarçando todo o desejo que ele ainda possuia (e que eu desconfiava que estava guardado em alguma pasta do seu computador, com todas as minhas fotos nua, que enviara certa vez, querendo que ele batesse uma punheta pela web cam para mim). Ele não sabia o que era amor, mesmo que fosse o tema principal de suas poesias, que eram fracas, tijolos que se desmanchavam numa parede mal rebocada.
Eu o amava, mas apenas porque eu o havia inventado.



[Presente]


Disse que iria para Dublin, quando já estávamos deitados numa cama desconfortável de um dos motéis da Augusta, logo após ter gozado. Um amigo iria o hospedar e tocariam juntos em alguns pubs, era algo realmente lucrativo e ele realmente precisava de novos ares, desaparecer dos problemas e das lembranças (de pessoas como eu). O incentivei, dizendo que era tudo o que ele mais precisava no momento: começar algo do zero (porque não, pensei, começar um romance do zero, agora nessa cama? Mas me calei, ele não precisava de pressões além da que eu fazia com a minha cabeça em seu peito). Perguntei o que o seu analista havia dito a respeito da viagem, ao que ele coçou a barba e me olhou com olhos úmidos e cansados. "Vamos falar de outra coisa, pode ser?"

"Quando for, você me manda um souvenir da viagem?"
"Tudo bem, o que você quer? Não vale cd do U2"
"Ah não, eu só queria um Joyce ou um Shaw prá ler no original, impresso na Irlanda mesmo"
"Shaw? Joyce?"
"É, são escritores irlandeses. Bem conhecidos por sinal. Conhecidos prá caralho, não me leve a mal"
"Pensei que você lesse Crepúsculo, essas coisas"


Me levantei daquele corpo desconhecido sobre a cama, coberto com um lençol poído (de vergonha) e o olhei como se tivesse acabado de adentrar aquele quarto na ponta dos pés, e me deparasse com aquele estranho, que em alguns momentos recitava um amor que ele não possuía por alguém que agora, se revelou, não conhecia. Pedi que fôssemos embora (ou ele que havia feito o pedido?) o quanto antes, eu ainda tinha que pegar o último ônibus para casa e precisava dormir, meu corpo estava moído (quase acrescentei, da cerveja, não se vanglorie).

Nos despedimos dentro de um vagão do metrô, ao desembarcar na estação Sé, com um abraço carinhoso e um beijo no rosto, muito tímido, muito carregado de qualquer coisa estranha que precisava ser repelida dos corpos.

Ele partiu para Dublin, mas o que eu não sabia, é que São Paulo possui sua própria geografia a parte do mapa mundi.

Dublin era uma das esquinas da Rua Augusta.



quarta-feira, 6 de abril de 2011

Homem de Papel.


Não vou escrever uma resenha para Paper Man (2010) nem pretendo falar da sua simplicidade excêntrica e encantadora ou de como a solidão ás vezes pode ser engraçada e de como ela nem sempre é uma escolha, ou meramente um destino já traçado. Ela existe, respira, tem sentimentos, sabor e cheiro. Nasce, sem planejamento, se acolhe no peito e o suga, necessitando sobreviver. Ela sou eu, ela é você. É algo da qual não se pode fugir ou fingir que não está lá, que não pôs as mãos sobre seus ombros ou tentou conversar com você sobre qualquer coisa absolutamente normal. Ou que no final, é a única coisa que nunca vai te abandonar. Independentemente se você é um escritor que fracassou por acreditar em suas histórias que não convenceram ou tocaram ninguém, ou se você é uma garota que poderia ser a garota da vida de qualquer homem, mas mesmo jovem, insiste em se culpar por um passado que lhe deram de presente, sem aquele papel colorido o embrulhando, retinindo surpresas agradáveis. Ela estará lá sempre ao seu lado (a solidão, não se esqueçam), da forma como você melhor desejar. Talvez como o Capitão Excellent, um herói sempre disposto a te proteger do mundo, ou como seu melhor amigo, daqueles que são para sempre e que não querem te perder.


Um dia escrevo uma resenha para Paper Man, mas assistam, se essa fosse a intenção de uma resenha técnica, valorizando a atuação e direção do filme. Infelizmente meu foco será sempre a emoção causada de impacto, carro em alta velocidade sem freio prá cima do pedestre desavisado e distraído olhando o céu.

terça-feira, 5 de abril de 2011

A fisiologia do amor




Não tenho dinheiro, nem recursos, nem esperanças. Sou o mais feliz dos homens vivos. Há um ano, há seis meses, eu pensava ser um artista. Não penso mais nisso. Eu sou. Tudo quanto era literatura se desprendeu de mim. Não há mais livros a escrever, graças a Deus. E isto então? Isto não é um livro. Isto é injúria, calúnia, difamação de caráter. Isto não é um livro, no sentido comum da palavra. Não, isto é um prolongado insulto, uma cusparada na cara da Arte, um pontapé no traseiro de Deus, do Homem, do Destino, do Tempo, do Amor, da Beleza.... e do que mais quiserem. Vou cantar para você, um pouco desafinado talvez, mas vou cantar. Cantarei enquanto você coaxa, dançarei sobre seu cadáver sujo... Para cantar é preciso primeiro abrir a boca. É preciso ter um par de pulmões e um pouco de conhecimento de música. Não é necessário ter harmônica ou violão. O essencial é querer cantar. Isto é, portanto, uma canção. Eu estou cantando. [...] Estamos em vinte e tantos de outubro. Não acompanho mais as datas. Que diz você? Meu sonho de 14 de novembro do ano passado? Há intervalos, mas ficam entre sonhos e deles não resta consciência alguma. O mundo ao meu redor está se dissolvendo, deixando aqui e acolá manchas de tempo. O mundo é um câncer que está comendo a si próprio... Estou pensando que, quando o grande silêncio descer sobre tudo e todos, a música triunfará por fim. Quando tudo se retirar de novo para o útero do tempo, o caos será restabelecido, e o caos é a página sobre a qual a realidade está escrita. Você, Tânia, é o meu caos. É por isso que canto. Não sou nem eu, é o mundo morrendo, deixando cair a pele do tempo. Eu ainda estou vivo, dando pontapés em seu útero, uma realidade sobre a qual escrever.


(Trópico de Câncer - Henry Miller, 1934)





Há cinismo no que me refiro ao amor que possuo por este escritor, tanto que este velho simpático no banner do blog nada mais é do que o próprio Miller, desenhado pelo amigo desde sempre Junker.

Trópico de Câncer está longe de ser meramente um romance. É um marco, é a poesia desenfreada das ruas boêmias de Paris encontrando o duro concreto da prosa moderna, requintada, moça de anáguas e cinta liga que não sabe como controlar toda a sua sexualidade ao mostrar os joelhos delicados ao cruzar as pernas perante a sociedade. Expõe, sem ser vulgar, e se o é, é da maneira mais sutil e perdoável. E ali, entre as pernas, que se encontra o melhor de Miller. Não é o sexo, que move Paris, que move Miller. É o amor, por algo que ele precisa justificar para que seus pecados sejam absorvidos, o fazendo assim, encontrar a paz em algum paraíso artificial que explode a cada capítulo com a força de um orgasmo, destruidor como um câncer.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Boa noite, e boa sorte.



"A nossa história é o resultado do que fazemos. Se continuarmos como estamos, a História se vingará e nos fará pagar. Às vezes, exaltemos a importância das idéias e da informação. Vamos sonhar com a possibilidade de um domingo à noite, no horário ocupado por Ed Sullivan, se faça um estudo clínico da educação. E que uma semana depois, o horário usado por Steve Allen, sirva para uma análise da política americana no Oriente Médio. Será que a imagem de nossos patrocinadores saíria arranhada? Será que os acionistas ficariam revoltados e reclamariam? O que aconteceria? A não ser que alguns milhões de pessoas se informassem mais sobre assuntos que determinam o futuro do país, e portanto, o futuro de nossas empresas. Áqueles que dizem que as pessoas não se interessam, que são complacentes, indiferentes e alienadas, eu apenas respondo que na minha opinião de repórter, há provas concretas de que essa afirmação é incorreta. Mas mesmo que não o seja, o que eles tem a perder? Se estiverem certos e nosso veículo (a televisão) só servir para divertir e alienar, a televisão está em perigo e logo veremos que nossa luta foi em vão. Este veículo pode esclarecer, pode ensinar e até inspirar, mas só pode fazer isso se as pessoas o usarem com esse objetivo. Senão, será apenas um monte de cabos e luzes dentro de uma caixa"

(Edward R. Murrow - Discurso proferido em 1964. Coletado do filme "Boa noite, e boa sorte")




O discurso, lido hoje, se tornou universal e por fim, atravessou gerações que se mantiveram sentadas frente à televisão, acompanhando a vida em intervalos preenchidos por comerciais da Coca- Cola. Nada mudou desde então, a não ser os métodos para calar os fatos e manipular a população. Talvez novos comerciais.





A pequenez das coisas amiúdes.

Você: senta em algum lugar e diz que vai escrever um poema. Tem que ter cama desarrumada, pensa: e tem que ter cigarros não posso esquecer de me referir a rima (vagabunda como você) e nem de fazer um trocadilho com Deus e bar (como se fosse ele que pagasse suas contas que correm com juros monstruosos e se acumulam sobre suas rugas de homem problemático e bipolar). Ao terminar sua poesia será igual as outras poesias arquivadas em suspiros de quem nem sabe o que é poesia de verdade. Suas linhas serão sempre de quem dirá muita coisa que se resume a nada. A pequenez das coisas amiúdes como você voam pelo chão de um outono que insiste em morrer sempre nas próximas estações (e que sempre será esquecida em guardanapos que gentilmente nos são oferecidos para limpar o canto da boca das migalhas que sobraram). Você é a maior mentira e por isso é a maior verdade.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Contas & pérolas

As dívidas puxam os meus pés
ao me levantar
por debaixo da cama
onde se escondem
silenciosas
Caio ao chão
o nariz empinado
se quebra
com os colares de contas & pérolas
já antigos e gastos
que possuo
e eventualmente me enforcam
sem perceber.
Não tenho como pagar
por agora e para sempre
esse orgulho com juros.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Regra de três

Você não entende
a termodinâmica dos corpos
que se derretem
a 36ºC sob lençóis
num clima esquizofrênico como o nosso
onde derivais e integradas
soam igualmente cansativas
como um bom dia ou eu te amo
ao atravessar uma rua de mãos dadas
discutindo os planos
e os problemas com equações de segundo grau
que sempre vamos deixar para responder mais tarde
por preguiça
e porque regra de três
agora
seria mais um problema.

Ligações perdidas.

Não ligo mais para poemas.
As ligações sempre caem em caixas postais
sempre ocupados
desligados
fora de área de cobertura
ou preferem nunca me atender.
Espero um dia que me retornem as ligações
perdidas
aguardo aqui
roendo as unhas
enquanto verifico as mensagens.
Escolhi um toque especial
para a ocasião
é daqueles que soam mais maduros
e que vibram.

Requisição atrasada

A atendente dos Correios me odeia
com o seu sobrepeso
de recém nascida mãe
não me intimida com a aridez dos seus dentes
presos em cercas de arames
quando sorri com desdém ao
me renegar a segunda via da fatura das cartas
escondidas nos punhos
royal flash jack
das requisições atrasadas
para serem esquecidas em arquivos
da repartição
da minha vida pública.

Passei no concurso
para uma vida com carimbos e assinaturas de vários setores
a ser arquivada em breve
em Mairiporã.

Peso pena

Abalo sísmico
sob os pés
descalços
no asfalto
quando diz que me ama
Calendários com
dias
e um tempo
arrancados
por unhas
vermelhas
de batom envelhecido
em seu pescoço
enrugado.
Desculpe me por dizer
mas sinto hoje
por dentro
um peso
pena
por você.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Dada a ausência.

Peço desculpas a vocês leitores & seguidores pela ausência nesses últimos dias.

Explicação: Comecei em meados de novembro/2010 a escrever meu primeiro romance. Árdua tarefa, já que não estou madura o suficiente para tal. Ousadia & presunção, acredito. Mas existem momentos precisos onde a necessidade de contar algo, de maneira longa e contínua, se fazem obrigatórios. Estou aqui, expulsando palavras a chutes, suando (como já o faço naturalmente, aos litros) e maldizendo o universo. Me sinto pequena perante esse mundo que estou adentrando. Mas vamos lá, é minha obsessão. Assim como Flaubert, não tenho criatividade suficiente. Mas, se ele conseguiu porque transformou seu desejo em sua obsessão, também tentarei. (cito ele pelo contexto histórico, começo medíocre até ter alcançado o ápice. Não me comparo a ele, claro.)


Agradeço a todos pela compreensão. Estou agora enfiando a cabeça nessa nova empreitada. E boa parte disso, é por vocês.

Até mais, talvez em abril ;)

Twitter - @heroinshesaid
Facebook - Katrina Vanfeal
Aliás, também poderei estar em www.chronicblues.wordpress.com

domingo, 6 de fevereiro de 2011

La Revancha del Tango

Arranco um suspiro de uma página, respiro.
O som do meu peito tem a ausência de um tango, do último a tocar nossos corpos que enfim se cruzaram num arfar de pernas pelas ruas descontínuas de São Paulo.
Dos teus vícios, ficaram apenas os meus
insossos
Sobre minha pele, alguns bilhetes do tempo
para que eu não me esqueça do que já se passou.
Sob minha pele, alguns bilhetes teus
para que eu jamais me esqueça por onde você passou.

Encontro alguns pedaços de nós, dentro de uma gaveta,
rascunhos de poemas que jamais
serão endereçados
por jamais
existir um lar.

É, eu sei, não tenho porque sorrir
mas sorrio aos pedaços de outros que já se foram
inteiros.

Enquanto isso, ao pé do ouvido, desisto.

Desculpe Gardel, Contra el destino nadie la talla, se terminaron para mi todas las farras,
Mi cuerpo enfermo no resiste más...

quem sabe, num próximo tango, você me engana.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Após o café

Foi o que ele disse, preciso dessa loucura para enlouquecer & então deixar tudo a revelia do destino, talvez, os homens não mais o saibam há tanto tempo que se esqueceram dentro dos seus corpos. Faz sentido, e não houve interrogação na minha frase enquanto ele terminava o café e roubava minhas mãos para escrever algo que contradiga o amor, que não pode ser escrito por não precisar de letras e nunca ser preciso.

A vida é uma escolha estúpida.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Sobre

Sobre o café
sobre a mesa
digo que esfriou,
como você
sobre mim
sobre nós.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Misto quente

8 da manhã e o som insistente do sino sob o balcão poderia enlouquecer qualquer um, se todos não morassem em São Paulo e já carregarem consigo a loucura da sinfonia do caos ao acordarem. O gerente dava o ar de bonachão simpático, escondendo entre um sorriso aqui e outro ali, a bronca que daria no chapeiro por colocar mais queijo do que deveria no misto quente. Se visse mais uma fatia sendo sobreposta a outra sob uma fina camada de presunto, descontaria do seu salário.
Algumas pessoas já tinham suas cestas recheadas de compotas, pães e bolachas e o ar impregnava o cheiro típico de expressos sendo pedidos para viagem. Os poucos que resistiam ao relógio permaneciam no balcão, olhos grudados no jornal da manhã conferindo a ultima rodada do campeonato brasileiro, discutindo como velhos conhecidos o lugar ideal para onde mandariam o juiz.
Uma moça roe as unhas enquanto observa o senhor ao lado mexer em seu lanche, que reclama para o gerente a falta do bacon que pediu com tamanha insistência que seria dificilmente esquecido. O gerente pede que espere e se dirige ao chapeiro, o culpando por pôr mais queijo nos mistos quentes e menos bacon nos hamburguers. A moça, num descuido do senhor ao lado, rouba o seu lanche e sai correndo pelas ruas, deixando para trás algumas folhas de alface que escaparam, ensopadas de gordura e maionese. O gerente possesso, consegue se desvincilhar de alguns clientes que estavam em sua frente para poder correr atrás da ladra, em gritos histéricos para que a parassem e que chamassem a polícia.

Os clientes, assustados com os gritos do gerente, já sussurravam entre si que o ladrão estava armado e que um dos caixas havia sido baleado, por reagir ao assalto. Também começaram a sair correndo, assustados, sem passar pelo caixa, que estaria morto.

Fecharam a padaria assim que constataram o prejuízo causado pelo pequeno furto de um lanche que seria jogado no lixo. Quando a polícia chegou, o gerente teve vergonha de admitir para os políciais e para os sócios que havia deixado a padaria, e os clientes, para correr atrás de uma moça faminta que roubara um dos lanches do balcão. Sustentou o boato do ladrão, esclarecendo que o caixa só não fora atingido porque ele havia impedido com sua coragem e pulso firme. Esclarecido os fatos, ele se aproxima do chapeiro furioso e comenta

- Culpa sua! Quantas vezes eu tenho que dizer para não por mais queijo nos mistos, hein?

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Sarau Eurídice


Caros amigos, leitores & blogueiros que me seguem, que comentam ou simplesmente só passam aqui para revirar o lixo.

É com muita alegria que venho informar a vocês a realização do primeiro "Sarau Eurídice", um sarau voltado a literatura escondida e fermentada em blogs e refúgios virtuais, com o intuíto de divulgar o trabalho de cada um de nós, blogueiros promíscuos e preguiçosos, que preferem a praticidade do virtual do que as dificuldades do real. Claro, além de ser uma oportunidade para que possamos fazer novos contatos.

Confesso que eu não aguentei guardar isso em segredo, mesmo sem definir o dia, apesar da estrutura já estar em pé. Parte porque acho importante divulgar isso a vocês, para que já possam se preparar. Parte porque precisarei do apoio de vocês (digo, de quem topar entrar nessa).

Antes de mais nada, algumas informações importantes:

- O Sarau será realizado na cidade de São Paulo entre os meses de fevereiro e março.

- Todos estão convidados para os debates com nossos convidados (por ora, não posso revelar os nomes. Surpresa). Para as declamações das poesias e textos, haverá uma avaliação prévia, para que não haja repetições exaustivas sobre um mesmo assunto.

-O nome Eurídice é tirado do mito de Orpheu, poeta e músico que a tinha como musa. Mais detalhes, é só correrem atrás da história completa.

- Aos interessados em ajudar, em quaisquer coisas, só me contactar: lemaladive@gmail.com

OBS: Esse não é o texto de apresentação oficial, fiquem tranquilos. É apenas algo escrito com certa pressa e ansiedade, livre de qualquer obrigação culta ou profunda em relação ao que está sendo proposto.

OBS2: Quero agradecer aos parceiros desde o começo da idéia:
Escritor Depre (que me impediu de revelar a identidade secreta)