C. telefona histérica dentro de um ônibus (ou metrô) e suas últimas palavras eram pequenos palavrões que esperaram por anos até aqueles 2:05 de conversa numa ligação a cobrar. Do outro lado ele limpava as lentes dos óculos em sua camisa engordurada pelo balcão do bar da família (carinhosamente chamado de restaurante) e pregaria os olhos (sem as lentes) na rua que ali desembocava na porta de entrada (e era uma avenida semi estrada, como muitas coisas naquela cidade, sempre semi, nunca completas).
A sensação de vazio que ia sentido a cada adeus que C. gritava ao telefone (que ele amargamente concordava e pedia para que não desligasse, não agora, diz mais uma vez adeus porque eu não sei, mas diz mais uma vez e continua, por favor) foi preenchido pelo verdadeiro vazio das mesas onde ele, um pouco mais jovem, se imaginava sentado em cada uma com C. e lhe descreveria como imaginava aquele momento, naquele bar semi restaurante, onde ele lhe ofereceria o cardápio e ela poderia escolher qualquer coisa porque, afinal, seria por conta da casa e ele a acompanharia naquela escolha e em todas as outras que ela decidisse, mas não no adeus, que ele concordava necessário (mas pedia para que ela repetisse tantas vezes antes dos palavrões e da ligação cair, de um precipício imaginário, junto com ele.). C. imaginava o encontro em algum bar (também) onde logo após algumas doses ela se inclinaria um pouco para frente dando a entender que ele também poderia se inclinar um pouco mais para frente, e depois dos trâmites óbvios, dividiriam a conta e iriam para qualquer lugar que não fosse dele ou dela e que daquele dia em diante seria dos dois, naquela cidade que não lhes pertenciam. Mas não fora assim e nem deveria. Mas se encontraram num lugar neutro onde ele seria ele, o cara que fica atrás do balcão, e por isso, a afastaria para sempre e aos poucos.
Ele fora demasiadamente pequeno em tudo a ponto de C. não lhe caber, espaço apenas para uma cicatriz que a própria C. insiste para que ele esconda, faça alguma tatuagem ou sobreponha a outras cicatrizes, mas ele não consegue. Insiste na camisa branca engordura e em planejar sua vida sempre após o expediente do bar quase qualquer coisa, onde R. (outro R. como ele & mesmo tão jovem é tão velho e mesmo tendo tanto já não tem nada) lhe dedica "Last Night" no palco improvisado, com sua banda que, bem todos sabem, jamais saírá do perímetro urbano daquela cidade.
Namora B. que mesmo vindo antes de C. não quer dizer absolutamente nada.
9 comentários:
Menina, que maravilha é ler esse texto em plena manhã de sábado, pois o sábado é meu dia favorito da semana, e você fisgou meu olhar com as palavras, como sempre, né?
grande abraço e ótimo fds. :)
Pô, Katrina. Você é mesmo um gênio, hein! Sei lá, você escreveu de uma forma que me fez sentir o cenário todo às voltas dessa situação desmoronar. Ou melhor, acho que ele nunca existiu por completo, ele foi um semi-cenário. É isso. É o seu conto da incompletude. Já você, como escritora, é completa.
Olá moça, ha uns meses (se nao um ano, nao sei ao certo) você comentou em um blog meu, hoje quase esquecido - Esse aqui:
http://poesiaerrada.blogspot.com/
Gostaria de trocar uma ideia contigo. Caso queira, me add no facebook :D
http://www.facebook.com/profile.php?id=100001350512176
Katrina, algo nesse seu texto, que não sei exatamente o que é me remeteu ao tempo da ditadura. Não sei exatamente porque, mas foi a cena que vi na minha mente. Como se C. estivesse fugindo e se acomodava para fugir da realidade.
Gostei do texto!
nada é inteiro
Eu preciso de um adeus assim.
Gostei do texto, achei bem escrito, intrigante, sedutor no ritmo. Penso voltar para ler mais. Com adeus e palavrão algumas coisas não mudam.
http://www.costabbade.blogspot.com/
Não escreve mais aqui?
Seu melhor texto, sem dúvida. A possibilidade de interpretações.
Something I dreamed last night!
Postar um comentário