(o palco está escuro e só se ouvem alguns passos)
(ouve-se algo cair)
(uma luz se acende sobre Travis)
Travis : Hey, você aí do chão, está bem?
Perséfone : Ah, você que tropeçou em mim?
Travis : Acidentalmente sim, quer uma ajuda aí prá se levantar?
(oferece a mão a Perséfone que a recusa num tapa)
Perséfone: Não to precisando de ajuda de ninguém, valeu.
Travis : Mas é perigoso ficar aí quase no meio da rua.
Perséfone: O máximo que acontece é isso. Algum bêbado tropeçar em mim.
Travis: Eu estou sóbrio, só que eu não te vi aí. Essa rua ainda por cima é mal iluminada prá caralho.
(Travis se encosta num muro enquanto Perséfone se levanta)
Perséfone: Já to acostumada com isso
Travis : Você mora na rua, é isso?
Perséfone: Até tenho casa sabe, mas aqui é o meu lar. Me sinto mais segura aqui do que entre quatro paredes.
Travis: Conta outra, as ruas são perigosas demais, só se você for alguma viciada, aí dá prá entender porque prefere ficar aqui.
Perséfone: Olha só, por isso rejeito ajuda de pessoas miseráveis como você, miseráveis de velhas opiniões e rótulos. Só porque eu prefiro isso aqui do que uma cama, é porque eu sou uma viciada ou uma puta? É isso?
(empurra Travis contra o poste)
Travis : Calma aí, não quis te ofender, juro que não era a intenção pô, mas não é normal uma pessoa que não tem vício algum preferir uma rua do que uma casa.Sei lá, é estranho.
Perséfone: Tem gente mais estranha que isso e vocês nem percebem porque acham a coisa mais natural do mundo. Aliás, qual teu nome hein?
Travis :Ah? Travis, escrito com a mesmo, e o teu?
Perséfone: Nome engraçado o teu, o meu é Perséfone
Travis: É, eu gosto do meu nome. Minha mãe tinha visto um filme quando estava grávida, aí colocou o nome do personagem em mim. Travis Bickle, o nome do cara. Taxi Driver, já viu?
Perséfone: Devo ter visto.
Travis: O teu nome também é legal. Eu acho que eu já devo ter ouvido ele em algum lugar. É de alguma música?
Perséfone: Não que eu me lembre.
(Perséfone se senta na calçada e Travis faz o mesmo)
Perséfone: Mitologia
Travis: Ah tá. Bacana.
Perséfone: Egípcia.
Travis :Bacana mesmo.
Perséfone: Bem ignorante você hein!
(Perséfone dá uma gargalhada enquanto Travis olha para o chão encabulado)
Travis: Nunca fui muito chegado nessa coisa do Egíto antigo, essas paradas.
Perséfone: É Grécia antiga. Mitologia Grega. Eu me recuso a transar com um cara que não saiba quem foi Perséfone.
Travis: Se eu quisesse algo com você então nem rolaria né?
(Travis também acaba rindo junto com Perséfone)
Perséfone: Se não tivesse me chamado de viciada, até dava para você mesmo sem saber disso.
Travis: Então, quem é Perséfone?
Perséfone: Se refere a mim ou a outra?
Travis: De quem que você quer que eu sabia?
Perséfone: Das duas, mas vou falar da outra, mais interessante. De mim você fica sabendo depois
Travis: Pode falar então dá outra, a sua xará
Perséfone: Ela era filha de dois deuses, Zeus e Deméter. Zeus era o equivalente ao Deus Cristão, sabe, to meio que explicando por cima, mas ele era o Deus Supremo saca? Deméter era a deusa da Agricultura. Como Perséfone era muito bela, acabou atraindo a atenção do Deus do inferno, que se chamava Hades. Ele acabou sequestrando Perséfone e levando-a para o inferno.Nisso a mãe dela acabou caindo numa profunda depressão e nada mais nascia das terras, sabe, ninguem mais colhia nada, tipo seca do nordeste cara.
Travis: E aí?
Pérséfone: Aí Deméter pediu ajuda a Hermes, que era meio irmão da Perséfone, para ir buscá-la no inferno. Aí quando chegaram lá descobriram que ela havia comido uma romã que tinha sido oferecida por Hades. To sendo chata?
(Travis acende um cigarro e ofecere um a Perséfone que aceita e acende)
Travis: Continua, o que acontece depois disso?
Perséfone: Ah, já que ela havia comido algo vindo de Hades, era porque havia aceitado morar com ele.Sei lá,acho que ela tinha se apaixonado por ele, algo assim. Aí a mãe dela propôs um acordo com Hades de que, a filha iria passar uma temporada com ela e a outra com ele. Nisso surgiu as estações. Primavera e Verão quando Perséfone está com a mãe e Outono e Inverno quando está no Inferno.
Travis: E agora você está onde Perséfone?
Perséfone: No inferno cara.
(As luzes se apagam)
(Voltam a ser acesas e reaparecem Perséfone e Travis. Estão caminhando em volta do palco como se estivessem caminhando por uma rua reta e bem iluminada. Perséfone usa um vestido branco que reflete toda a luz que cai sobre ele e seus cabelos são vermelhos quase da cor do sangue)
Perséfone: Sabe quando você sabe o caminho e se sente perdido? Eu devo ter ficado entre o inferno e a Terra, acho que isso.
Travis: Mas como é que você se perdeu?
Perséfone: Quando a gente se perde, a memória conspira para que se continue perdida. Se eu soubesse como voltar ao que eu era, eu voltaria. Eu sei o caminho mas não sei como voltar a ele, é mais ou menos isso.
Travis: Que coisa de doido isso, saber voltar e não se lembrar como. Mas e aí, porque você mora na rua?
Perséfone: Me sinto menos só na rua. Em casa ninguém esbarraria em mim e me ouviria, ou me levantaria do chão. Não que eu more nas ruas, eu sempre acabo voltando para a casa.Mas prefiro muitas vezes estar por aqui.
Travis: Foi sorte sua hoje. Amanhã pode ser alguém que tenha essa vontade de matar mendigos, eu vejo isso toda a hora nos jornais.Não que você se pareça com um mendigo, mas estava ali jogada no chão, quase lembrava um, naquela escuridão toda.
Perséfone: Não tenho medo, acho que até que fariam um favor para mim. Me fariam voltar para onde eu jamais deveria ter saído.
Travis: Você é uma louca depressiva, só pode
Perséfone: Pode ser, você também é, com um nome desses, até eu seria.
(Perséfone corre um pouco mais para a frente de Travis e se vira para ele com os braços abertos.Começa a ventar e os seus cabelos se esvoaçam, tampando seus olhos)
Perséfone: Hey Travis, eu vi o filme! Tá afim de alugar um taxi e me salvar?
Travis: Nem de menor você é, e muito menos viciada e puta.
Perséfone: Travis, ohh Travis, pegue sua arma e venha matar meus demônios!
Travis: Caralho, você gritando assim vão achar o que de mim? Que eu sou um bandido, no mínimo!
Perséfone: E que eu sou Perséfone, esposa de Hades, a dona de casa do inferno. Ah, o que que há nisso Travis? Nunca teve vontade disso antes? Ser mesmo o Travis?
Travis: Tá afim de voltar pro seu lar é?
(Travis se aproxima de Perséfone. Estão cara a cara, quase podem sentir a respiração um do outro. Travis tira uma mecha de cabelo que cai sobre os olhos de Perséfone)
Perséfone: Eu queria saber onde é que eu tô cara. Eu sei que ali eu estava no inferno, ali onde você me encontrou. Veio a mando de Hermes e Deméter?
Travis: Não, acho que vim por conta do destino
Perséfone: Pensa comigo, eu estava ali jogada na sargeta, no inferno que é estar solitária até de si mesma, eu tinha me deixado sozinha, olha só que loucura! Aí me aparece você
Travis: Eu tropecei em você, podia ser qualquer outra pessoa. Eu poderia até estar bêbado e tentado te estuprar, parou para pensar nisso?
(Perséfone envolve Travis num abraço enquanto este acaricia seus cabelos)
Perséfone: Pensa, você é meio que o Hades, mas tá me trazendo prá luz. Hades seqüestrou Perséfone prás trevas.
Travis: E eu por ventura te seqüestrei?
Perséfone: Essa rua aqui é mais iluminada que a outra né?
Travis: É, dá até prá ver bem a cor dos seus olhos.
Perséfone: Você me convidou para a luz. Tá que não me seqüestrou mas, vamos deixar como se fosse um seqüestro ok? De certa forma foi porque eu vim meio que contra a minha vontade
(Perséfone sorri e Travis corresponde ao sorriso)
Travis: Tá legal, eu te seqüestrei e daí?
Perséfone: Não pode mais me deixar ir embora daqui, você me ofereceu cigarro!
Travis: E o que isso tem a ver...
(Perséfone beija rapidamente os lábios de Travis, que recua um pouco)
Perséfone: Ela aceitou uma romã de Hades. Eu aceitei seu cigarro.
(Final do primeiro ato)
corpo duna
Há 2 semanas