Adormecendo ao som de When you dance I can really love, Neil Young
Primeiro estágio
- Você acredita em vida após a morte?
- Eu mal acredito na vida, pra te dizer a verdade.
- Mas acredita em vidas passadas?
- Aquela coisa de reencarnação, você quer dizer?
- Exatamente, acredita?
- Não muito, mas eu tenho uns problemas de memória, você já sabe, eu nunca deixo os outros esquecerem disso também, mesmo eu sempre me esquecendo. Então quando o lapso de memória, aquele arrombo enorme, to falando aqueles buracos negros tridimensionais que engolem todos os fragmentos, você leu Hawkins e sabe disso, acontece de uma hora pra outra, eu esqueço essa vida. Aí tenho que viver outra, do zero, mas com esse mesmo corpo. Eu reencarno com o mesmo corpo, a alma é que vai mudando. Entendeu?
- Você é louco.
- Eu também acho.
- Você gosta de cartas?
- Só as de tarot. Por causa do destino.
segunda-feira, 27 de junho de 2011
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Rapid Eyes Moviment. (R.E.M) 1º capítulo
Uma novela em 10 capítulos.
Despertando ao som de Misunderstood - Wilco
Despertando ao som de Misunderstood - Wilco
Não diria exatamente que PODERIA ser um sonho a ser realizado, até porque, não tinha exatamente um sonho ou uma meta, nem mesmo um rascunho de um desejo aos poucos esquecido. Mas era bom & era o que lhe bastava para acreditar que aquilo poderia ser chamado então de sonho ou qualquer coisa que fosse bom o suficiente para não ser real. Começou quando
(não tinha exatamente um começo mas apenas a percepção de que algo já estava se transcrevendo enquanto suas pálpebras caiam sobre os seus olhos o afundando em movimentos lisérgicos por minutos, até que se afogasse & voltasse do mundo dos mortos, bocejando pela casa com os olhos semi abertos)
chegara exausto do trabalho e algumas cartas se encontravam espalhadas sobre seu sofá. Até onde se lembrava, os correios não entravam em casas trancadas e acorrentadas de pessoas neuróticas com mania de perseguição (mas ele só tinha medo de infartos fulminantes, abduções, amnésias repentinas e de pessoas com mais de 70 anos ainda vivas)
e deixavam correspondências sobre sofás empoeirados e rasgados por unhas afiadas de felinos com tendências satânicas (a combinação dos fatores mataria qualquer carteiro alérgico).
E por mais que seus olhos cansados se recusassem a acreditar, o mais absurdo não era nem o número expressivo de cartas sobre seu sofá datadas de muitos dias atrás, tantos que poderiam ser anos a fio, mas o fato de não ser qualquer cobrança ou um equívoco, se tratando de qualquer homônimo (e ele sempre se sentira único).
Conhecia bem aquela disposição de letras, aquela coisa chamada texto com aquela caligrafia íntima. E era tão incrivelmente ele que poderia ser dele cada imagem descrita. Por um instante achou que estava ficando louco ao encontrar as pontes para sua memória destruídas(sendo a loucura um estado consciente de um nada interminável ).
(não tinha exatamente um começo mas apenas a percepção de que algo já estava se transcrevendo enquanto suas pálpebras caiam sobre os seus olhos o afundando em movimentos lisérgicos por minutos, até que se afogasse & voltasse do mundo dos mortos, bocejando pela casa com os olhos semi abertos)
chegara exausto do trabalho e algumas cartas se encontravam espalhadas sobre seu sofá. Até onde se lembrava, os correios não entravam em casas trancadas e acorrentadas de pessoas neuróticas com mania de perseguição (mas ele só tinha medo de infartos fulminantes, abduções, amnésias repentinas e de pessoas com mais de 70 anos ainda vivas)
e deixavam correspondências sobre sofás empoeirados e rasgados por unhas afiadas de felinos com tendências satânicas (a combinação dos fatores mataria qualquer carteiro alérgico).
E por mais que seus olhos cansados se recusassem a acreditar, o mais absurdo não era nem o número expressivo de cartas sobre seu sofá datadas de muitos dias atrás, tantos que poderiam ser anos a fio, mas o fato de não ser qualquer cobrança ou um equívoco, se tratando de qualquer homônimo (e ele sempre se sentira único).
Conhecia bem aquela disposição de letras, aquela coisa chamada texto com aquela caligrafia íntima. E era tão incrivelmente ele que poderia ser dele cada imagem descrita. Por um instante achou que estava ficando louco ao encontrar as pontes para sua memória destruídas(sendo a loucura um estado consciente de um nada interminável ).
Mas lembrou-se que em breve começaria o notíciario e que o jantar precisava ser feito.
A vida odeia ser simples.
sábado, 18 de junho de 2011
Paulistanagens #4
Nas unhas um esmalte roído datado da semana passada, em acessos de ansiedade crônica após ter desistido dos cigarros. O café continuaria, doses homeopáticas pela manhã enquanto o marido recitaria as manchetes da Folha de São Paulo e ela fingiria algum interesse pela Dow Jones. O casamento a envelhecera apesar da aparência ainda jovem, com as promessas de noites deitada no sofá importado da França acompanhando as séries da tv paga com doritos espalhados pelo decote da camisola de seda chinesa. As amigas ligavam, contando sobre seus casos durante as inúmeras festas que ela nunca mais seria convidada, persona non grata com sua vida nos eixos, contas pagas e a tranquilidade de quem pode dormir sem o peso das escolhas, apenas o peso do anel de ouro e do diamante que guardaria consigo eternamente seus pensamentos. O marido não mais a impressionava, peso morto sobre seu corpo em algumas noites em que ao fechar os olhos era com outros que fingia o orgasmo. Mas o amava, como amava a programação matinal da tv ou como as revistas femininas espalhadas nos salões de beleza que freqüentava. Um amor sem sentido e sem senso de realidade de uma vida igualmente assim, com cartões de crédito sem limites que jamais comprariam na Oscar Freire a felicidade, que é de graça, e que por ser assim, nunca a interessaria.
domingo, 12 de junho de 2011
A arte de não ser anfitriã.
3 sets a 1
na tv do hotel
onde
você escapa de mim
em forma de filete de sangue
e uma dor suportável
embaixo dos edredons
alguma lembrança
que será distorcida
pelo tempo
assim como o canal que se recusa a pegar.
Sinto muito
em não ser uma boa anfitriã
quando você
quis apenas
chegar.
sexta-feira, 10 de junho de 2011
Sem fé, nada do que deveria acontecer acontece
'Pela manhã, obstinados ainda na sonolência que a campainha horripilante do despertador não conseguia trocar pela afiada vigília, contavam-se fielmente os sonhos da noite. Cabeça contra cabeça, acariciando-se, confundindo as pernas e as mãos, esforçavam-se por traduzir em palavras do mundo exterior tudo o que haviam vivido durante as horas de treva. (...)Tinham dormido com as cabeças encostadas e aí, nessa premência física, na coincidência quase total das atitudes, das posições, da respiração, do mesmo quarto, do mesmo travesseiro, da mesma escuridão, do mesmo tique-taque, dos mesmos estímulos da rua e da cidade, das mesmas radiações magnéticas, da mesma marca de café, da mesma conjunção estelar, da mesma noite para os dois, aí estreitamente abraçados, tinham sonhado sonhos diferentes, tinham vivido aventuras diferentes, um sorriso enquanto a outra fugia aterrorizada, um voltava a prestar um exame de álgebra, enquanto a outra chegara a uma cidade de pedras brancas. (...)Durante muito tempo, esperou um milagre, que o sonho que Talita iria lhe contar pela manhã fosse também aquele que tinha sonhado. Esperou por isso, incitou-o, provocou-o, apelando para todas as analogias possíveis, procurando semelhanças que, bruscamente, o levassem a um reconhecimento. Apenas uma vez, sem que Talita desse a menor importância ao fato, sonharam sonhos análogos. (...)Traveler continuou confiando cada vez menos. Os sonhos voltavam, cada um por seu lado. As cabeças dormiam encostadas e, em cada uma delas, levantava-se o pano sobre um cenário diferente. Traveler pensou ironicamente que pareciam os cinemas contíguos da calle Lavalle e perdeu de uma vez por todas as suas esperanças. Não acreditava absolutamente que acontecesse o que desejava, e sabia que, sem fé, jamais ocorreria. Sabia que, sem fé, nada do que deveria acontecer acontece; e, com fé, também quase nunca.'
Excerto de O jogo da Amarelinha, de Julio Cortázar
quarta-feira, 8 de junho de 2011
O poema que nunca foi escrito.
Você escreveria um poema
se ele precisasse ser escrito
mas ele te diz
ao pé do ouvido
que não gosta de você.
Então
oferece um afago
se abre a ele
diz que metade de tudo que possui
será dele
se ele for escrito.
Um tempo depois
você desiste dele
porque sabe
que não tem nada
para oferecer.
segunda-feira, 6 de junho de 2011
Paulistanagens #3
As mãos dadas não denunciavam o desconhecimento do nome uma da outra durante a contagem regressiva para 2011 e o abraço após o primeiro segundo do novo ano demonstrava um reencontro de outra vida e de outros corpos. Sorriam enquanto no palco uma escola de samba tocava brasileirinho fazendo algumas pessoas ao redor sambarem levantando seus copos plásticos com cerveja com seus corpos suados e indecifráveis, imersos no nada. Não conseguiam se comunicar até que tentaram alguns gestos e então compreenderam: Precisavam sair da Paulista.
- Quer colar lá na Augusta?
- Mas você está sozinha?
- Não, estou com você! E você?
- Eu também estou com você!
No trajeto entre desvios e empurrões se calaram. Usavam para si mesmas a desculpa da impossibilidade de qualquer comunicação com toda aquela movimentação. Tentavam descobrir como seria a outra pelas roupas e gestos. Uma usava um vestido xadrez e um cinto na cintura que combinava com a bota de couro de salto médio, muito delicada em seus movimentos esguios e no seu sorriso tão doce ao terminar de pronunciar um palavrão, que a outra chutava gostar de Bob Dylan e Beatles, literatura em geral e filmes cults. Essa tinha o cabelo curto e roxo, usava uma camisa com estampas de caveira e uma calça de couro, que fazia a outra acreditar ser punk e feminista, talvez até lésbica, grossa e ofensiva.
Conseguiram vencer a multidão até alcançar a rua Augusta sem maiores problemas, rindo sempre ao se lembrarem do que foram obrigadas a fazer para que conseguissem chegar até ali.
- Eu belisquei a bunda de um homem!
- E eu que tive que empurrar uma senhora de idade?
- Cara, eu acho que eu fiz uma criança se perder dos pais
- Sério? Eu pisei no pé de um cara manco!
- Você é pior do que eu imaginei!
- Só porque eu não sou tão feminina quanto você?
- Claro!
Encontraram um bar aberto e lotado de jovens deslocados de todos os ritmos & de toda a esperança de que aquele ano fosse um feliz ano novo, mas se sentiram finalmente confortáveis, num refúgio que poucos saberiam explicar. Ficaram de pé no balcão tomando uma cerveja e comendo algumas coxinhas das 10 da manhã. Conversaram por muito tempo (talvez horas) até descobrirem que Roberta, a de vestido, tinha acabado de chegar de Ribeirão Preto e havia se perdido dos amigos, que não atendiam seus celulares por qualquer motivo absurdo. Também não ligavam e possivelmente estavam tão felizes que não sentiriam sua falta por algum tempo. Não conhecia Bob Dylan mas era simpática aos Beatles, gostava mesmo de musica sertaneja universitária e MPB. Não conhecia São Paulo e não queria passar logo a sua primeira noite perdida e abandonada por todos, do tipo de pessoa infeliz que se encontrava pelas sarjetas. Clara, a de cabelos roxos e atitude punk, era uma ex modelo que havia desistido da carreira para cursar Física na Usp e não conseguia conceber a idéia de absurdo nisso tudo, mas achava graça mesmo assim. Era fã de Fiona Apple e Neil Young (gostava pouco de punk, o visual foi inspirado em uma modelo Russa que ela nunca mais lembraria o nome) e era paulistana da gema, morava próxima a cidade universitária e trabalhava num escritório de importações. Havia brigado com o noivo poucas horas porque ele havia saído com uma amiga (e talvez transado, na sua imaginação) antes de aparecer sozinha na paulista e fumar escondida atrás de uma banca um baseado com um pessoal que ela conhecia.
- Já são quase 4 da manhã, vai tentar ligar de novo para o seu pessoal?
- Desisti, prefiro esperar o dia amanhacer e ver se eles se tocam que eu não estou com eles. E você, vai ficar por aqui mesmo? Já tá pensando em ir embora?
- Não sei, não tenho muitos planos além de dormir e só acordar dia 2. E você, quais são os seus planos para 2011?
- Não ter planos? Já comecei 2011 sem tê-los quando resolvi te acompanhar.
- Isso é o plano B.
- O plano B seria permanecer ali tentando mandar sms para eles, ou tentar encontrar algum cara que topasse transar comigo num lugar onde eu pudesse dormir depois. Mas eu abortei todos os planos, o de ficar perdida ou de acordar sem um rim.
- Vai acordar amanhã sem estômago, isso sim.
- Talvez, e você?
- Com você.
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