quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Trecho.

Para Camila.


Lembrou-se.
Aquela face silenciosa, como haveria de esquecer algo tão sublime?
Um pensamento que jamais mudava e persistia numa mentira estúpida. Sim, ele se fora, não ela.
Ela seria a mesma, a poetisa de sua alma, aquela que exorcisava todos os seus demônios com sua pureza e

seu sorriso quebrado que logo morreu ali, em frente aquela tela.

Vestiu sua camisa favorita, pegou o casaco e saiu de casa sem fechar a porta.
O que roubariam? Quando lhe roubam a alma, qualquer coisa se torna amiúde.

Andando pelas ruas imundas, ele era imundo e não se importava mais com isso, a casa era limpa demais, somente papéis brancos espalhados pelo chão e algumas cinzas de cigarro, a empregada sempre fazia um bom serviço e ele sempre o conservava com essa sua maldita doença por limpeza porque ele era imundo e tudo que tocava se tornava sujo.
Não ela, ela jamais.

Sem rumo, sem pensamentos.
Apenas sentimentos.
Entrou na primeira estação de metrô que viu, ficou feliz pela bilheteria estar sem fila, não queria esperar, não poderia.
O vagão estava vazio, sim, estava cheio de pessoas, mas quanto mais pessoas ao seu redor, mais solitário se sentia, mais vazio.

Era estranha a sensação que ainda sentia de esperá-la como quem espera o inverno através de janelas entreabertas, mesmo que ela o aquecesse como o verão em tempestades de prazer e vida, (essa coisa que ele já desconhecia para que servia) refletidos naqueles olhos que faziam todas as cores da primavera florescerem, o matando como as folhas pelo caminho feito de outono.
Ele estava entre estações e não importa em qual delas ele parasse, em nenhuma ele a encontraria dispersada em algum sorriso ou perfume.
Sentia a ausencia dela dentro do seu corpo, assim como sentia a ausencia de si mesmo dentro de si.
Onde ela estaria agora?
Não sabia, sentia.
Desceu algumas estações depois, sem olhar para trás. Apenas seguiu os demais que corriam em direção à saída com tamanha pressa que se esqueciam dentros dos vagões.

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Vou deixar o blog temporariamente.

Motivo: Em breve, se contentem com o trecho acima.

Reapareço em breve para tirar a poeira acumulada.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Sobre o que é amar [OU um monólogo doentio enquanto Eu sei que vou te amar toca em algum lugar.]

Para Diogo.

Ame sim, ame forte, ame intenso, mas ame em liberdade. Por isso, todas as coisas que amar, deixe-as livre.Se voltares é porque às conquistou, se não voltares é porque nunca às teve.
(Fernando Pessoa)



Eu não sei como começar a lhe dizer isso então eu acho melhor te tocar para que você sinta a minha pele arrepiada como sempre fica quando toca ou pressente a tua, e assim você saberá o quanto de você permanece em mim. Eu te amo e sempre irei te amar, e isso é tão simples e tão bobo até que eu acho que você não deve ter se impressionado com isso, porque eu sempre te disse o quanto eu te amava e o quanto eu te amaria até o final dos meus dias e toda essa coisa melosa que casais falam e que sempre falarão mesmo sabendo que amanhã ou depois isso será uma grande mentira e para um dos dois, ou para ambos, irá doer mais do que jamais ter ouvido algo assim.
Eu te amo e sempre irei te amar porque você me fez encontrar em seus olhos a mim mesmo, tão perdido e tão fragmentado e espalhado por tantos cantos como alguma poeira, algum resto de nada e eu deveria ter milhares de outros motivos para te amar e que talvez você até saiba quais são, mas eu prefiro deixá-los subtendidos assim nesse nosso sorriso, nesses nossos olhos que sorriem um para o outro e nesses nossos lábios que olham fixamente um para o outro.Acho que você está fria demais, deve ser o tempo que esfriou lá fora ou qualquer coisa assim, e é claro que eu vou tentar aquecer as suas mãos com as minhas, que já estiveram por todo o seu corpo assim como as suas já estiveram por todo o meu corpo, e que assim como nossos corpos também já foram uma única mão, nesses momentos em que eu não sabia qual era a minha língua ou onde estava a minha perna ou se realmente o meu peito era mesmo o meu peito, e tínhamos um cheiro único, só nosso e que só sentíamos embriagados de amor e de prazer e luxúria, e nem precisávamos estarmos em uma cama ou no sofá ou simplesmente no chão da sala e do banheiro, esse cheiro exalava até quando andávamos de mãos dadas pelas ruas, e até aí eu também não saberia dizer qual mão era a sua ou a minha.
Eu te amo e sempre vou te amar mesmo nessa sua despedida, mais uma entre tantas outras que me levaram ao desespero e a angústia de me sentir perdido e mais sozinho do que jamais antes alguém já fora, jogado no deserto que carrego dentro de mim e que você sempre floria com essa sua vida que explodia em cada movimento do seu corpo em direção ao meu em cada volta sua, que trazia de volta a mim mesmo essa vida que eu deixava de lado sem motivo algum de viver sem você. Estou mais conformado agora e talvez seja porque eu sei que logo você voltará como sempre volta, e é bom acreditar nisso, eu que era tão cético e que ria dessas suas bobagens transcendentais e que agora vejo que a maior bobagem é não ter fé em nada, e eu preciso ter fé para acreditar que ainda estaremos juntos novamente, e é para isso que eu irei viver, unicamente para te reencontrar, para dizer que eu te amo e que eu sempre vou te amar e que isso nunca será o suficiente, que eu não te disse o suficientemente para que você se sentisse verdadeiramente amada por mim.
Eu te amo e sempre vou te amar porque você fazia que eu me sentisse mais forte mesmo sabendo que eu sempre seria a parte mais frágil da relação, o que sempre se questionaria sobre o que é amar e se você está sendo corretamente amada por mim, e meu deus, você sabe que eu daria a minha vida e todas as outras vidas para ter essa certeza. Mas não, você quis esse papel de frágil somente para você e o interpretou até o fim, mesmo sendo a mais forte de nós dois, aquela que sabia que era amada e não me questionava jamais sobre isso mas também não demonstrava, talvez achando que isso a deixaria frágil realmente ou apenas para testar até que ponto eu seria forte o bastante para suportar isso de amar e não ser amado, e eu seria porque amá-la era o único propósito a que eu vim ao mundo. Mas mesmo agora, você continua interpretando a frágil mulher de lábios muito vermelhos e mãos geladas e sorriso extremamente singelo coberta de flores e lágrimas. Eu sei que todos estão me olhando como se eu fosse algum cara que de repente fosse me jogar em seu caixão e não querer mais sair dali, implorando pela morte enquanto cera quente caí sobre a minha pele, eu iria dizer que essa dor não é nada comparada a essa, mas você sabe que eu não faria isso.Eu vou esperar, acho que não tanto quanto seria o certo, mas eu vou esperar para viver ao seu lado por toda a minha vida.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Queen of the highway

Longa estrada.
Eu até diria isso se eu soubesse o quanto ela é longa, mas talvez seja tão curta quanto essa minha vida que espero que acabe no final dela.
Só me lembro de ter pego as chaves do carro, alguns maços de cigarro e a minha bolsa.Não se leva muita coisa quando se quer fugir.
Deixei para trás um adeus mudo e retórico, um nome, vários nomes e endereços, uma história sem ponto final e sem sentido, como tantas outras que existem, como a minha é afinal e um casamento difícil, frio e terminado sem mesmo que eu ou ele tenhamos dito alguma palavra, além dos nossos gritos e insultos. Eu sei que ele não se importaria comigo, com essa minha fuga, talvez sim o carro, eu também me importaria mais com o carro do que comigo mesma. Ele vale alguma coisa, eu não.
Agora meus olhos secos de lágrimas e cocaína percorrem essa estrada, cegos aos demais carros, minhas mãos trêmulas guiam o meu corpo dentro dessa lataria para todos os lados e meus ouvidos encharcados de blues e lamentos ficam surdos às buzinas e as freiadas e acelerações alheias. Abro a janela e deixo que o vento leve consigo a poeira das mágoas e das lembranças que estão presas ao meu cabelo que voa, que gruda no meu rosto, que roça nos meus lábios provocando um sorriso, uma gargalhada, uma explosão em gritos, em imagens distorcidas em zigue zague. Seguro firme o volante e o giro 360 graus, contra mão. Estou sozinha novamente, mas não é nenhuma novidade para mim, loba da estepe, loba da estrada.Pela primeira vez tenho a direção da minha vida, posso seguir por qualquer caminho na estrada, meu reino.Eu sou a rainha, eu tenho o poder sobre ela e ela sobre mim. Somos uma apenas. Todos deixam marcas sobre nossas peles, e sempre sempre sempre voltam a deixar marcas que nos machucam e a passar sobre nós com desprezo, sem olhar para o que oferecemos a não ser o destino final, tão longe de nós, mas somos superiores a isso. Alguns se acidentam em nossos corpos e morrem, nós os matamos, claro, somente assim para que seus destinos permaneçam conosco.Sim, a morte é sempre a única coisa que os prende a nós, nada mais. Nem o prazer, alguma felicidade ou amor. Ninguém ama a estrada. Só os que querem fugir de si mesmos e do mundo.
Sento em meu trono, giro a chave, mais blues, mais cocaína, acendo um cigarro e ando na velocidade da luz sobre mim mesma sem saber onde quero chegar, e eu não quero saber.Prazer, mais prazer, um orgasmo, corro sobre mim como minha mão correria pelo meu corpo, me masturbando enquanto o vento vai me despindo da minha pele, dos meus sonhos, de qualquer culpa, me imaculando. Já não sou aquela com a arma na mão atirando sem qualquer traço de piedade, com um sorriso sincero e doce no rosto enquanto ele se contorcia de dor e implorava por perdão, mentindo que me amava,Q-U-E M-E A-M-A-V-A, e eu via aqueles olhos morrerem lentamente dentro dos meus que suspiravam vida e mais vida.PAM PAM PAM!PAM PAM PAM!PAM PAM PAM!
9 tiros e um adeus mudo e retórico. As chaves do nosso carro em minhas mãos como as chaves da minha liberdade. A estrada como o meu alter ego.
A rainha da estrada corre e corre até o seu fim, o final da estrada que nada mais é do que o final de si mesma. Com os olhos secos de cocaína e lágrimas, surda com o blues e os tiros e despida de qualquer culpa, ela se encontra.
Um giro, freiada tardia, gritos, risos, gargalhadas, explosão.
Fim do percurso.