domingo, 13 de abril de 2008

Canto pluvial

Andando por estas ruas,tantas ruas,sem sentido&alegria
sob esta chuva pesada,fria calculista
já nem ouvindo os meus passos sobre as poças
(que explodem)
eu páro e deixo que ela me encharque,que me afogue,que lave a imundice da minha pele&dos meus lábios
e que me leve em sua enchente se quiser
Se ela não afogar as minhas mágoas,afogarei as eu,no bar ali perto
onde um bêbado está vomitando na sargeta
Quisera eu ser aquele bêbado
vomitar não na sargeta,mas em mim mesma
e sentir finalmente um nojo sincero e sem pretenções do que sou,
sentir esse vômito asqueroso&negro&fétido
percorrer todo o meu corpo.
E ali,perto do bar,perto do bêbado,alguns passos da minha casa que não é o meu lar,ali,lugaralgum,nenhumlugar de onde estou
eu sento e concluo que eu estou pouco me fodendo para os noticiários e para os novos números do IBGE sobre os pobresmortosdefome&violência&ignorância
quem eu quero enganar senão a mim mesma com esse papo burguês de doações esporádicas
se nunca olhei nos olhos deles,se nunca os beijei,se nunca senti o gosto amargo da pobreza&sujeira&esgoto aberto
1 quilo de alimento e um agasalho muito usado calariam a voz deles em minha cabeça
E eu sou parte dessa multidão irreal,multidão de burgueses com o rabo cheio de facilidades&conforto
em que todos se dizem cristãos,mas o seu único deus é o dinheiro com que pagam o direito de continuar mentindo
em que o sexo,o prestígio,a crença e a liberdade se disputam e se compram,como qualquer mercadoria
As máquinas me penetram e me deformam por dentro,por saberem que eu quero continuar o que eu sou
A dor assumiu a forma de passagem para o céu,e o amor não se pratica por ser caro e perigoso
Os exércitos se armam por todas as gerações,e as bombas cospem dardos tão suaves que não matam
Como animais trabalhamos(ou como máquinas)
destruindo nossa juventude em deveres e angustias.
Olhando o espaço,onde a luz corta a poeira
(e quase já não é dia,sob o céu que desaba)
eu prevejo meu mundo-presa de corpo e alma
a tudo aquilo que hoje eu vejo e me enojo
Esse mundo,que deve ser a entrada para o inferno
passo
e atiro minha alma na rua
misturada com a lama e as poças.