Decidi andar sozinha hoje, peguei minha bolsa, desliguei o celular e me desliguei. Stand by para a realidade.
Amigos me ligaram, queriam ir na Augusta encher a cara e sair cantando velhas canções enquanto o efeito da vodka corria por suas veias e comia seus fígados, cigarros acesos só para lembrar que não existia qualquer perigo de um dia se depararem com um cancêr no pulmão. E quem sou eu para julgá-los? Também estou bêbada e fumando o meu malboro, tragando todo o néon que encontro espalhado pelo ar. Vou morrer, não hoje. Hoje, quem sabe. Eu não sei.
Vou deslizando pelas ruas, evitando ler as placas e letreiros que piscam incansáveis. Evitando perceber que estou lá. Que estou aqui, eu. Pareço apenas uma pessoa com pressa, mais uma. E tenho pressa. Pressa de fugir, dos pensamentos. Não quero pensar muito, parar a minha vida toda e pensar nela. Pensaria pouca coisa. A vida é pouca coisa para pessoas como eu, é muita coisa na verdade, é uma luta para continuar chamando de vida e acreditar nisso. Emprego estável, apartamento bem localizado, amigos descolados, corpo legal, transas boas. E aí? Só por isso não pode pegar uma bolsa e sair sem rumo por São Paulo como uma louca depressiva? Observar os carros sobre as pontes e sentir uma ponta, uma faísca de se jogar e parar o trânsito, ser notícia instântanea nos jornais de toda a cidade e saber que seus amigos vão estar em peso no seu velório, falando de como você era legal e de como a sua vida era invejável, uma pena ter sido assim, do nada, morrer num acidente desses. É errado ter essa vontade, uma vez por mês e chamar isso de TPM? Não que seja, estou longe disso. Longe de qualquer coisa que se refira a mim. Estou longe do meu lar. Eu nunca tive algo para chamar de lar, a não ser o meu apartamento com todos os lugares fora do lugar. Eu sendo a coisa mais fora de lugar que existe ali dentro. Grande, espaçoso, bela vista e vazio. Bem mais comigo lá dentro.
É isso, leia bastante mesmo, discuta Godard com os amiguinhos do Cinesesc, saia pela Paulista bêbada e drogada de sonhos, ame pessoas impossíveis e perca noites de sono pensando em como vocês seriam o casal perfeito e se masturbe pensando nisso com a mão no coração, escreva poesias tentando ser uma Hilda Hilst ou uma Ana C. ou qualquer outra mulher de versos desesperados e definitivamente femininos, e leia para si mesma e publique em papel machê , encontre problemas na sua família estéticamente perfeita, sinta saudades de quando você não sabia o que era saudades, transe em banheiros de bares, em hotéis na Augusta, na cama de sua casa ou da casa de quem lhe oferece a transa, transe em qualquer lugar afinal. Tenha a vida que todos invejem, mas faça pose de que, se soubessem o quanto você sofre calada pelas suas noites insones fumando seus intermináveis cigarros e escrevendo seus poemas sarcásticos sobre a vida, essa vida que eles acham que você não vive. Acorde um dia com um vazio no peito, uma vontade de ser vazio total, pegue sua bolsa e saia por São Paulo, sem rumo e sem coragem. Junte tudo isso. E seja infeliz.
E no dia seguinte, escreva sobre sua experiência, conte aos seus amigos e continue tendo sendo a pessoa mais feliz do mundo para os outros, mas nunca para você mesma.
Mentiras da profissão.
Licença poética.
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7 comentários:
Ai. Um chute no rim, Katrina. Recontextualizando, em algumas partes, o parágrafo 4o me atingiu em cheio.
Você sempre ótima. Sempre.
Bjs
não tanto sincero quanto o seu texto
perfeito!
Fazia algum tempo que eu não andava por aqui,mas pelo que vejo você continua tão boa quanto antes!
rsrsrs
Dona Katrina,você tem poesia!
rs
beijosss
perfect! Eu tenho uma vontade (imnennnnnnnnnnnnnnnnnnnnsa) de andar assim por São Paulo. Realizarei.
Stand By por mim vira uma letra com um dedilhado de violão, Nessa. E puxado pra bolero.
Mentiras da profissão? Licença poética?
O penúltimo paragrafo parece- me familiar.
O melhor texto que li essa semana!Muito boa sua capacidade de verbalizar sentimentos como também sua coragem de pô-los para fora...
Continue assim!
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